Os atos pró-Bolsonaro não foram desprezíveis, mas foram pequenos, muito menores do que os anteriores. A maior parte das coberturas fez foto de baixo, nunca em escala, de cima. Em São Paulo, na Av. Paulista, no maior ato, cerca 80 mil pessoas compareceram. No Rio de Janeiro, cerca de 20 mil. Não é pouco em números absolutos, mas é pouco para o país que se acostumou a ver centenas de milhares submergirem repentina e inesperadamente às ruas desde 2013.
Bolsonaro, segundo muito se falou na mídia, entrou numa sinuca de bico. Com atos fortes, ergueria o Legislativo e o Judiciário contra si. Com atos fracos, se desmoralizaria. Bolsonaro conseguiu incrivelmente fazer as duas coisas ao mesmo tempo: atos nem fracos nem fortes. Ele realizou assim a incrível proeza de mostrar fraqueza e estampar publicamente a ojeriza de parcela da população a Rodrigo Maia, Gilmar Mendes e outros.
O que resultará disso tudo, necessariamente? Um laço muito bem amarrado em volta do pescoço presidencial; uma tesoura que se fecha aos poucos. Ou uma onda que vem e se acumula – a maré montante.
A força relativa dos atos pode dar sobrevida de alguns meses ao presidente, mas será curta. Dilma durou de março de 2015 a agosto de 2016. Bolsonaro deve durar menos, pois não tem a força de cretinismo parlamentar que tinha o PT, não tem uma máfia sindical tentacular (nem terá), e não tem (ainda) um aparato corrupto estatal tão profundo e bem desenvolvido em todas as esferas. Ou Bolsonaro cai ou perde qualquer apoio social e se entrega de vez ao centrão para se manter – em ambos os casos (mas mais aceleradamente no segundo) ele produzirá a cada dia exatamente o contrário do que diz combater.
Seja como for, começou a escadinha descendente onde Bolsonaro é jogado pelas massas um degrau abaixo de cada vez. Quando desce, o presidente luta com os seus para no degrau inferior permanecer, mostra relativa força… mas as massas irrompem novamente, colocam o presidente em novo degrau inferior, de onde ele se debate, etc. Ele perde posição por posição, até chegar no fundo do poço, no limbo. Foi assim com a Dilma.
Aliás, as cifras curiosamente são semelhantes àquelas da Dilma Rousseff, quando entrou em crise. A seu favor, cerca de 80 mil petistas nas ruas da Av. Paulista, no início de 2015. Contra, cerca de 500 mil ou mais. É assim agora, comparando os favoráveis a Bolsonaro com os contrários, que participaram da manifestação pela educação no dia 15 de maio passado. Tudo teria se invertido.
Assim como os 80 mil bolsonaristas de hoje são os que defendem o indefensável, os 80 mil petistas de março de 2015 são os que defenderam o indefensável. Tudo está invertido, mas não é exatamente igual. Invertido, portanto, entre aspas. Porque quem está contra Bolsonaro hoje não é necessariamente petista. Assim como quem estava contra Dilma não era necessariamente bolsonarista ou “de direita”. Ou seja: há núcleo racional por trás do processo histórico dos últimos anos, um processo que nega o PT e nega também hoje Bolsonaro. Esse núcleo representa o futuro político do país.
Mas representar não quer dizer que se efetivará. A matéria histórica não se concretiza se não é trabalhada conscientemente. Se esse setor social que representa o futuro não for esclarecido – ou seja, se os únicos que correspondem à verdade histórica (a esquerda revolucionária) não atuarem conscientemente sobre esse setor social, de forma a esclarecê-lo e apresentar-lhe um caminho real –, se nada disso acontecer, o passado retornará como pesadelo. Seja o passado como fortalecimento do PT, seja o passado como uso da força diante da mais completa falência do regime democrático burguês brasileiro.
Assim, a grande questão do presente ainda consiste em saber se os revolucionários saberão dialogar com esse setor social, apresentando-lhe um projeto histórico além do projeto petista. Muitos parecem não estar à altura, como o PSOL e variantes.
É difícil saber já se os próximos atos da juventude e dos trabalhadores, contra a destruição da educação e da aposentadoria – programados para os dias 30/05 e 14/06 – serão maiores do que o ato do dia 15 passado. Dia 14 promete, sobretudo nos locais de trabalho, mas é possível que nas ruas ambos os dias sejam mais fracos. Não importa. O que importa é que a massa da classe trabalhadora agora entrou num rumo, num movimento, sua roda começa a girar para frente, mesmo que lentamente; ela afluirá às ruas intermitentemente contra o governo, às vezes em maior ou menor número, a depender dos fatos políticos.
Essa situação – massas nas ruas – é um pesadelo para a burguesia, pois é o sinal de que o país entrou num grau de “ingovernabilidade”, como reconheceu o próprio presidente. É a verdadeira ingovernabilidade, a que subjaz à que aparece publicamente no parlamento.
Bolsonaro perderá força aos poucos, até que haja um golpe de misericórdia – ou seja, até que a ingovernabilidade seja tal, com ele à cabeça do país, que ou ele pulará fora ou será defenestrado pelo Legislativo em unidade com o Judiciário, em nome de evitar o colapso do regime democrático-burguês. Como ocorreu com Dilma.
Os revolucionários devem colocar todas as suas forças nas atividades do dia 30/05 e sobretudo do dia 14/06, na medida em que ampliarão a ingovernabilidade da burguesia. A crise dos “de cima” é uma brecha histórica para os “de baixo”, ou seja, para a classe trabalhadora e a necessária (e urgente) construção de um partido revolucionário no Brasil.