Transição Socialista

A união faz a força

Eis uma premissa elementar, mas que a esquerda socialista brasileira parece desconhecer. Basta olharmos a mobilização em torno da Copa do Mundo. Quando o país foi escolhido para sediar o maior evento esportivo internacional, esta definição era o coroamento da bonança lulista para além das fronteiras nacionais. Hoje, às vésperas do evento, o governo petista atravessa um processo não apenas de perda brutal de sua credibilidade diante dos escândalos e ingerência sobre as obras e preparativos da Copa, como tem que lidar com o fim do sonho lulista: estagnação econômica, desindustrialização, inflação e retorno das greves.

Tudo isso em um momento em que todo o mundo vai estar literamente atento ao que acontece no Brasil. É uma grande oportunidade para a esquerda socialista comunicar um discurso comum contra a farra do capital e se apresentar como uma alternativa frente aos partidos burgueses corruptos (inclusive e sobretudo o PT). Como não lembrar aqui de junho de 2013, quando PSTU e PSOL tiveram que se retirar de uma manifestação na avenida Paulista? Ali, dizíamos que esta reação espontânea da massa contra os partidos era resultado do desconhecimento que ela tinha da esquerda, afinal nas eleições anteriores estes partidos não obtiveram nem sequer 5% dos votos, ou seja, a massa que pela primeira vez protestava mal sabia da existência dessas organizações. Assim, a Copa apareceu como um momento oportuno para recolocar esse debate, uma resposta à aquele fatídico dia em que as bandeiras vermelhas foram expulsas da avenida. No entanto, o que se viu até agora? A esquerda repete seus velhos dogmas e prefere aprofundar suas divergências e se deixar levar pelo sectarismo ao invés de compor uma unidade na luta contra a Copa do Mundo.

Não se vê o inimigo comum como o elo unificador da luta. As diversas formulações de palavras-de-ordem e frentes de luta expressam isso com clareza: “na copa vai ter luta”, “se não tiver direitos não vai ter copa”, “comitê popular da copa”, etc. Ainda que existam divergências quanto ao conteúdo programático, existe um inegável denominador comum: a Copa é uma grande assalto do Estado por parte das empreiteiras e grandes empresas e significa mais exploração para a classe trabalhadora. Mais do que isso, os levantes espontâneos da classe trabalhadora ocorridos nos últimos meses, traduzidos em greves, grandes paralisações e ocupações, apontavam e (apontam) uma tomada de consciência sobre a necessidade da classe se organizar e enfrentar as velhas direções burocratizadas e pelegas dos sindicatos atrelados ao PT. Em todas as greves, a massa repete “não vai ter copa”. E o que a esquerda aprende com isso? Absolutamente nada. Prefere dividir-se em formulações mais diletantes e confusas que ignoram a sabedoria popular.

No sábado, 24 de maio, uma demonstração concreta da cegueira estabelecida. A esquerda divide-se em dois atos praticamente simultâneos e na mesma região da cidade de São Paulo; ambos criticavam a Copa do Mundo. É preciso dizer mais? O pano de fundo da divergência é que PSOL e PSTU não aceitam fazer frente com a juventude radicalizada que se identifica e reivindica os chamados Black Blocs. Ora, se há limites na tática Black Bloc, considerando o combate ao capital, não há dúvidas. Este limite está posto desde antes de sua chegada ao país. Porém, como ignorar a disposição de luta da juventude que a reivindica? Fechar as portas ao diálogo com esse setor é não compreender as tempestuosas oscilações da luta de classes.

Por outro lado, mesmo PSOL e PSTU são incapazes de liderar uma unificação da esquerda. O caso do fim da pré-candidatura de Vladimir Safatle ao governo do estado de São Paulo é um retrato acabado disso. O grupo majoritário do diretório regional do PSOL (do grupo do deputado Ivan Valente), que não expressa a maioria da militância do partido no estado, inviabilizou a candidatura do professor da USP por recusar, entre outras razões, o chamado dele à aliança com o PSTU, conforme atestam as 2 cartas-públicas de Luciana Genro. O PSOL paralisa-se numa luta entre suas correntes internas, colocando em xeque a construção de uma frente. Hoje, ainda que o diretório estadual de SP recue em sua decisão e a direção nacional aceite a construção de uma frente para as eleições, já não há tempo hábil para uma construção sólida baseada em uma discussão programática de toda a esquerda socialista. Se a frente vier a acontecer, não passará de um acordo entre cúpulas de dois, três partidos e correntes, repetindo o esquema dos partidos burgueses; impedindo, por exemplo, que organismo de base surgidos nas lutas recentes sejam incorporados e possam realizar uma discussão programática.

De todo modo, ainda que a esquerda siga dividida, avizinham-se grandes combates neste momento final que antecede a abertura da Copa do Mundo. Greves e mobilizações dão sinais de que podem se multiplicar, fragilizando ou até mesmo inviabilizando a Copa, aprofundando a crise da dominação burguesa no Brasil, criando um cenário absolutamente inédito para as eleições de outubro.

É tempo de abrir os olhos e superar o sectarismo, tendo coragem de ouvir as massas que entram em luta neste momento! Caso contrário, repetir-se-á no país o que vem ocorrendo na Europa: após sucessivos levantes populares, sem uma direção clara, abre- se caminho para o crescimento da extrema direita. Um processo sombrio e nem um pouco original, nos anos 30 do século passado, Trotsky condenava a divisão na esquerda alemã, advertindo que esta levaria à vitória do nazismo. Suas palavras foram ignoradas, o resto todos nós sabemos como terminou.

Unidade, companheiros!
Unidade nas ruas, greves e ocupações!
Não vai ter Copa!