As últimas arbitrariedades das polícias e do judiciário no Rio de Janeiro e em São Paulo revelam um trabalho conjunto e deliberado de perseguição política para acabar com as manifestações.
Os 23 manifestantes que tiveram ordem de prisão no Rio na sexta-feira (18) acabaram conseguindo o habeas corpus na quarta (23), mas o caso todo parece ter saído das páginas de Kafka.
As primeiras prisões aconteceram no dia 12, véspera da final da Copa, com a justificativa de serem ‘imprescindíveis para o aprofundamento das investigações’ e para evitar atos de ‘extrema violência’ na final. Eram 7 prisões temporárias e valiam até o dia 16. Em seguida, foi apresentada uma denúncia pelo Ministério Público e pedida a prisão preventiva de 23 militantes acusados de ‘formação de quadrilha armada’.
Segundo informações da Folha de S. Paulo a prisão foi ordenada em pouco mais de uma hora. Às 18h06 do dia 18 a Polícia Civil enviou o inquérito de mais de duas mil páginas ao Ministério Público; que às 19h06 divulgou nota informando haver feito a denúncia. Vinte minutos depois a Justiça ordenava a prisão preventiva de 21 dos denunciados (dois são menores). Uma hora teria sido suficiente para o promotor do MP ler e avaliar o inquérito de duas mil páginas; vinte minutos teriam bastado para o juiz da primeira instância. A ‘eficiência’ da Justiça nesse caso tem outro nome: perseguição política.
Enquanto a Rede Globo divulgava trechos sigilosos das gravações telefônicas feitas pela polícia, advogados da defesa e até o desembargador que julgou o habeas corpus denunciavam não ter acesso à íntegra do inquérito – dois dias depois das prisões, os advogados ainda não podiam atuar porque não sabiam sequer do que seus clientes eram acusados!
Na montagem divulgada pelo Jornal Nacional, feita com a clara intenção de incriminar os acusados, vê-se como são frágeis as ‘provas’ do inquérito. Os elementos mais fortes conseguidos pela investigação da polícia são (1) uma ligação telefônica em que um manifestante diz ‘botamos o choque pra correr’ e (2) a alegação – não confirmada por ninguém – de uma suposta ex-membro da organização de que outros membros teriam tido a intenção – não realizada – de incendiar a Câmara dos Vereadores. Ou seja, 23 prisões preventivas decretadas em tempo recorde com base em absolutamente nada.
A fusão entre Polícia e Justiça é ainda mais alarmante no fato de que a última autorizou o grampo dos telefones de 10 advogados de defesa dos denunciados. Nas palavras do presidente da OAB-RJ, a ação viola o sigilo entre advogado e cliente garantido por lei, e ‘foi o episódio mais lamentável pós-redemocratização contra o direito de defesa’.
Em São Paulo, o caso mais absurdo é a prisão de Fábio Hideki e Rafael Lusvarghi, que já completou um mês no dia 23/07. A justiça já negou dois pedidos de liberdade dos manifestantes, e na última segunda-feira (21) aceitou a denúncia do Ministério Público em que são acusados entre outras coisas de associação criminosa e posse de explosivo.
Como revelou a Folha de S. Paulo, a denúncia foi feita antes mesmo do resultado da perícia dos supostos explosivos, que os ativistas negam que tenham sido apreendidos com eles – versão corroborada pelos vídeos da prisão e por diversas testemunhas. Em nota, os promotores afirmaram que ‘os indícios de que o material apreendido em poder dos denunciados era explosivo já são suficientes para o oferecimento e recebimento da denúncia.’
Portanto, como diz a própria promotoria, os dois estão presos há um mês com base em ‘indícios’ – podemos completar: que além de tudo foram plantados!
Uma nova detenção aconteceu em São Paulo na última quinta-feira (24). O professor Jefte do Nascimento, 30, foi acusado de depredação e associação criminosa. Mais uma vez, a polícia restringiu o direito de defesa e fez acusações fictícias.
Os Advogados Ativistas, que defendem o jovem, alegam que não puderam conversar reservadamente com ele nem acompanhar todo o interrogatório em que ele teria confessado a depredação. Segundo a revista Carta Capital, o delegado Wagner Giudice, diretor do Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC), disse que não iria discutir com os advogados pois eles seriam ‘muito jovens’.
Quanto à acusação de associação criminosa de Jefte, nas palavras de Giudice, ‘ele se une a outras pessoas para o cometimento de crimes’. Como se um suposto ‘ato de vandalismo’ numa manifestação fizesse de alguém membro de uma organização criminosa! O delegado ainda teria alegado que a página do Facebook do professor seria uma ‘prova’ da associação criminosa. Como não há organização de nenhum crime ali, a única interpretação possível é que os posicionamentos políticos são para o DEIC ‘provas’ de ‘associação criminosa’.
Em cada um desses casos, juristas e militantes dos direitos humanos apontam as sombras da ditadura, falam em ‘estado de exceção’ e ‘prisões políticas’.
O franco apoio dos governos estaduais e federal às prisões e arbitrariedades e a cumplicidade da grande imprensa não deixam dúvida: não se trata de um ou outro caso isolado, mas de uma estratégia abraçada pelo conjunto da classe dominante.