Transição Socialista

Repressão e calúnias: cerco contra a esquerda

O caos desencadeado pela violência policial na manifestação contra o aumento da passagem no Rio de Janeiro, no último dia 6, terminou de forma lamentável com a morte do cinegrafista Santiago Andrade, atingido acidentalmente por um rojão.

Ainda que o rojão tenha sido lançado por manifestantes, a responsabilidade é acima de tudo da burguesia e do seu Estado – não só pelo aumento da passagem e pela violência policial que desencadearam imediatamente o conflito no meio do qual Santiago foi uma vítima acidental, mas pela vida a que condenam a imensa maioria da população, origem de toda a revolta legítima que às vezes explode violenta.

Mas, independente da sua responsabilidade, a burguesia, seu Estado e seus partidos políticos trataram de se aproveitar da morte do jornalista para atacar a esquerda, como se estivessem apenas esperando a valiosa chance.

Advogado e imprensa acusam a esquerda

A primeira apropriação da morte de Santiago apareceu nas ações do suspeito advogado Jonas Tadeu Nunes, que defende os dois jovens que confessaram ter atirado o rojão.

Numa acusação completamente irresponsável, Jonas disse à polícia e à imprensa ter ouvido de uma jovem ativista que o homem que atirou o rojão, Caio Silva de Souza, seria ‘ligado’ ao deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL). O boato foi imediatamente desmentido por Freixo; a jovem negou que tenha dito isso; e o próprio Jonas acabou pedindo desculpas publicamente a Freixo, depois que a acusação já tinha sido alardeada pela imprensa.

Depois de Freixo, Jonas soltou outra acusação igualmente leviana à imprensa: os dois jovens que lançaram o rojão, assim como muitos outros, seriam ‘aliciados’, e receberiam ‘150 reais’ para participar das manifestações, além de rojões, máscaras, etc. Quando questionado quem pagaria os jovens, o advogado respondeu vagamente – embora insinuando claramente tratarem-se de organizações de esquerda: ‘não me deram nomes’, ‘é preciso investigar’, ‘determinados vereadores, deputados, diretórios regionais de partidos’, ‘organismos’, ‘movimentos’…

Isso bastaria para desconfiar que o advogado tem outras intenções obscuras no caso que não a defesa dos réus. Mas há mais.

Em entrevistas, ele alega defender de graça os dois envolvidos, dá respostas evasivas e já mudou sua versão sobre mais de um fato do caso.

O advogado já foi condenado em três processos – um deles por enriquecimento sem causa –, e defendeu Natalino Guimarães, ex-deputado estadual do DEM, preso em 2008 por chefiar a maior milícia do Rio de Janeiro, investigada na CPI presidida por Freixo.

As duas acusações lançadas por Jonas – vagas, sem provas e sem fontes, vindas de uma personagem no mínimo suspeita – viraram imediatamente manchetes em todo o noticiário nacional como se fossem fatos.

Pouco importa se não há nada de verdade nisso, que as organizações de esquerda fossem responsáveis pela morte de um jornalista era tudo que a imprensa burguesa queria ouvir e dizer.

A resposta do Estado: mais repressão

A reação imediata do Senado à morte de Santiago foi retomar a discussão da Lei antiterrorismo.

Desde que o texto está em discussão (o projeto é de 2011), diversos parlamentares têm feito discursos conciliadores tentando convencer a população de que ele não ameaça o direito de manifestação. A lei seria para proteger o público da Copa, não teria nada a ver com protestos populares, os movimentos sociais jamais seriam enquadrados nela, etc., etc…

Essa semana ficou claro que o contrário está mais próximo da verdade. O senador Jorge Viana (PT) disse no plenário que a morte do cinegrafista exige a aprovação da lei em regime de urgência e que o uso de máscaras deve ser coibido nas manifestações. Enquanto para o senador Romero Jucá (PMDB) a morte foi uma ‘ação isolada, um crime, mas que não pode ser considerado um ato de terrorismo’, o PT soou muito mais determinado na intenção de usar a nova lei para reprimir os atos. A ‘bomba’, nos termos absurdos de Viana, ‘foi colocada nas costas do jornalista para matar, para causar danos. Foi, sim, uma ação terrorista o que nós vimos na manifestação.’

Como comentamos em texto recente (http://www.movimentonn.org/?p=170), de acordo com seu texto atual, a lei antiterrorismo prevê penas de até 40 anos por atos como a depredação de ônibus – forma recorrente de manifestação da revolta da periferia –, 20 anos por ‘danos a serviço essencial’ – uma greve no metrô, por exemplo? – e prevê até o crime de ‘incitação ao terrorismo’ pela internet – imagine o que isso significa.

Mas, não bastasse a reação do Senado, que deve votar a lei nos próximos dias, o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, ainda apresentou à casa uma nova proposta de lei voltada direta e especificamente contra as manifestações.

A proposta de Beltrame altera o Código Penal e tipifica o crime de ‘desordem’, aplicado a quem for flagrado ‘agredindo ou cometendo qualquer ato de violência física ou grave ameaça à pessoa; destruindo, danificando, deteriorando ou inutilizando bem público ou particular; invadindo ou tentando invadir prédio ou locais não abertos ao público’ e ainda ‘obstruindo vias públicas de forma a causar perigo aos usuários e transeuntes’ com o intuito de ‘protestar ou manifestar desaprovação com relação a fatos, atos ou situações com os quais não concorde’.

Ou seja: uma ocupação, uma passeata, uma pixação ou praticamente qualquer forma de protesto podem se tornar crime, com penas de 6 a 12 anos de prisão.

As palavras do editorial do Estado de São Paulo definem bem como um setor da burguesia vê tal proposta:

‘Se o Congresso estiver mesmo disposto a tratar a questão com a seriedade que ela merece, poderá fazer isso tendo como ponto de partida essa proposta, que contém os elementos essenciais capazes de disciplinar as manifestações e punir com rigor os que delas se aproveitam – não importa com que motivação – para a prática de crimes contra a vida e o patrimônio público ou privado.’

A violência e a esquerda 

As tentativas de responsabilizar os partidos de esquerda – sobretudo PSOL e PSTU – pela morte de Santiago e pela violência nos atos não poderiam ser mais falsas.

Esses partidos criticaram indistintamente todos os atos violentos que aconteceram nas manifestações desde junho do ano passado – ainda que sejam legítimos e em algumas situações tenham impulsionado o movimento – e até hoje se desdobram para justificar essas críticas a muitos dos seus próprios militantes e simpatizantes. A violência dos manifestantes desorganizados, mesmo quando ajuda o movimento, é para eles sinônimo de crise.

A participação dos partidos de esquerda nos atos de vandalismo pode ser resumida assim: uma das razões pela qual cresceu a tática Black Bloc é precisamente que os partidos não têm força, que os manifestantes não são organizados, que os grupos de esquerda não conseguiram até agora apresentar uma direção para as manifestações, que a revolta espontânea de junho segue sem nenhuma expressão organizativa, que apesar de vivo o movimento permanece acéfalo.

Só a construção de uma direção realmente revolucionária pode canalizar a energia e a violência dos atos, superar a violência desorganizada do Black Bloc, impedir o avanço da repressão e abrir o caminho de construção de uma nova sociedade livre de toda a violência e exploração.