Transição Socialista

Sectarismo, violência e Black Blocs

No último dia 12/06 assistimos a um episódio polêmico entre a esquerda em São Paulo. Para a ocasião da abertura da Copa do Mundo dois setores chamaram duas manifestações em locais diferentes. Um setor, vinculado à juventude chamada de “Black Bloc”, em nome da necessidade de fazer um único ato procurou, dias antes, o outro. O primeiro setor propôs construir unitariamente o ato, entretanto ouviu um decidido e sectário “Não!” É para discutir esse sectarismo que escrevemos este texto.

Violência e pacifismo

Dentro da sociedade capitalista não existe pacifismo. A sociedade capitalista desde a sua origem, a sua gênese, é violenta. Cada ato e cada ação das pessoas estão marcados pela violência inerente ao sistema. Em cada inspiração você inala violência.

O capitalismo não é só violento quando rouba tempo de trabalho do trabalhador; não é só violento na exploração em geral dos trabalhadores ou na ação policial. O capitalismo nasceu pela violência pois foi ela quem separou os homens das suas terras; separou os homens da sua relação antes direta com a natureza. O capitalismo colocou entre o homem e a natureza o mercado (de trabalho e bens), pelo qual o homem tem de passar para satisfazer as suas necessidades, antes atendidas na relação direta com a natureza. Isso se deu de forma muito violenta, num processo que ocorreu a partir do século XV. A violência não é “primitiva”, enquanto algo que aconteceu nesse passado e dissipou-se. A violência é estrutural, sistêmica, originária e presente. É a mesma violência do início e em escala crescente. É ela que se manifesta quando você é obrigado a acordar cedo para trabalhar; quando pega um ônibus ou metrô lotados ou quando compra uma mercadoria. Ela está em todos os elementos do seu dia.

“A violência é a parteira de toda velha sociedade que está grávida de uma nova”, diz Marx. Por isso, ela é também revolucionária. Não existe no pensamento marxista nenhum traço de pacifismo. Não há, por exemplo, uma “manifestação pacífica”. Toda manifestação política da classe trabalhadora é, por princípio, violenta, pois se choca com a violência originária do capital. A diferença se dá apenas entre o grau de violência que é colocado pela classe trabalhadora diante da violência permanente do capital.

O “Estado Democrático de Direito” é uma forma de acordo entre as classes que permite certo grau (aceitável para o capital) de violência da luta de classes, ou seja, é um certo fazer valer do direito de manifestação ou greve dos trabalhadores. O Estado Democrático é uma forma particular que a ditadura do capital assume. Mas se ultrapassado sistematicamente esse grau de violência anteposta pelos trabalhadores o Estado Democrático transmuta-se em ditadura de tipo bonapartista ou fascista (o processo de mudança para o bonapartismo é o que presenciamos hoje, como já analisamos em outros textos).

Os Black Blocs e a esquerda

Os Black Blocs são em geral pessoas que surgiram na cena política em junho de 2013. Em 13 de junho de 2013 o Estado colocou nas ruas um grau de violência mais alto, que ultrapassou o grau acordado no Estado Democrático de Direito. O motivo dele ter colocado esse grau mais alto diremos abaixo. O fato é que ele quebrou a normalidade (o acordo) entre as classes e fez entrar em cena uma multidão de proletários e, entre eles, segmentos decididos a antepor a essa violência uma resistência em grau também superior. Toda resistência é violenta.

Os BBs não são, portanto, terroristas, defensores de ações isoladas das massas, pois sua origem está vinculada à entrada em cena das massas. Acreditar que são partidários do terrorismo individual é entender muito pouco do que acontece no país desde junho de 2013. A população tem o legítimo direito de se defender da maior violência policial. As manifestações de rua têm o legítimo direito de se defenderem da ação policial. Os BBs, que surgiram espontaneamente, se propõem a isso, ainda que sua capacidade de ação seja limitada se comparada com o aparato policial burguês.

É evidente que os BBs não são um grupo homogêneo; há entre eles quem tenda à ação terrorista isolada das massas. Em dois séculos de luta revolucionária a ação terrorista individual nunca deu fruto algum, senão a destruição de gerações de lutadores e a justificativa para a repressão. Mas se essa forma de ação existe entre defensores da tática black bloc, é ainda muito minoritária. O problema é que sem a ação consciente e organizada dos revolucionários entre esses setores radicalizados a probabilidade de virarem “terroristas” ou guerrilheiros cresce bastante. Além das guerrilhas, eles podem ser instrumentalizados pelo fascismo, como já ocorreu em vários momentos da história e como ocorre hoje, novamente, na Europa, a partir da sua instrumentalização por setores neonazistas. A violência pode ser facilmente instrumentalizada, pois carece de estratégia. Black Bloc é tática.

Os Black Blocs se afirmam anticapitalistas e aí mora o germe da estratégia. O fato de existir hoje entre a juventude um amplo setor que discursa e tenta agir contra o capital — ainda que realmente não saiba como — é extremamente relevante. Trata-se de um campo de trabalho profícuo. As organizações de juventude que se pretendem revolucionárias devem encontrar formas de adentrar esses setores, em vez de se indisporem, serem sectárias ou preconceituosas com eles.

A prova de fogo da esquerda está por vir

A violência do Estado em grau mais alto desde junho de 2013 ocorre porque a violência da luta de classes no seu ponto central cresceu nos últimos anos devido à crise econômica do capital. Ou seja, justamente porque a tensão da luta de classes aumentou dentro da fábrica é que ela “vazou” para setores extra-produção, setores da superestrutura, jovens, etc., num grau mais alto.

Isso significa que se aproxima a hora de preparar a autodefesa daqueles que estão vinculados à produção de mercadorias, à estrutura econômica. A própria greve dos metroviários — um importante setor da superestrutura — demonstrou estar aquém do necessário quando se tratou de defender-se, de defender seus piquetes, sua manifestação, etc. A existência espontânea de BBs em todo o país não é portanto uma advertência apenas às organizações da juventude; é sobretudo uma advertência ao movimento revolucionário da classe operária.

Desprezar as formas de autodefesa na luta superestrutural não é necessariamente algo que condena uma organização de esquerda, pois a prova de fogo será a luta na estrutura. Mas esse desprezo pode ser comprometedor em organizações que dependem da juventude para a formação de quadros, como ocorre com boa parte da esquerda hoje. O que será da sua próxima geração de dirigentes? Devemos lembrar sempre com Trotsky:

“A renovação do movimento faz-se pela juventude, livre de toda a responsabilidade pelo passado. A quarta internacional dá uma excepcional atenção à jovem geração do proletariado. Por toda a sua política ela se esforça em inspirar à juventude confiança em suas próprias forças e em seu futuro. Apenas o fresco entusiasmo e o espírito ofensivo da juventude podem oferecer os primeiros sucessos na luta.”