A instabilidade da conjuntura brasileira, aberta em junho de 2013, se mantém, obscurecendo o horizonte, seja para a burguesia, seja para o proletariado. Atividades aparentemente inocentes, como os “rolezinhos”, revelam a instabilidade. Pouco antes, em outubro de 2013, as revoltas na periferia de São Paulo contra ações policiais também a revelaram. O descontentamento subterrâneo emerge repentinamente em formas inesperadas. Nas próximas semanas é possível que se inicie um novo processo de luta, a partir dos protestos contra a Copa do Mundo, diante do qual estão colocadas questões fundamentais para a classe trabalhadora.
A burguesia, na condição de ínfima minoria da população, continua apavorada; teme a juventude aglomerada (nos shoppings ou fora deles), teme as periferias e, sobretudo, teme as ações espontâneas do proletariado que escapam do controle dos tradicionais partidos de esquerda do Brasil.
Um bom exemplo do temor burguês: Celso Amorim, Ministro da Defesa, filiado ao PT, assinou portaria no dia 20 de dezembro de 2013 instituindo o MD33-M-10, sigla de um novo manual de instrução do conjunto das Forças Armadas brasileiras, que visa orientar as ações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) — nome dado ao uso das Forças Armadas com função de polícia internamente ao país. A ação de GLO considera suas “forças oponentes” os “movimentos ou organizações”, “pessoas, grupos de pessoas ou organizações atuando na forma de segmentos autônomos ou infiltrados em movimentos, entidades, instituições (…)” — ou seja, pode se voltar contra organizações sociais e políticas da classe trabalhadora. Entre os possíveis crimes constam “distúrbios”, “ocupações”, “vandalismo”, “desordem”, “paralisação de atividades produtivas” (leia-se “greves”), entre outros.
Curiosamente, tal manual tem sua origem no do exército norte-americano chamado FM19-10 (Military Police in Tows and Cities), criado em 1945 quando, após a Segunda Guerra Mundial, o exército dos EUA ocupou os países derrotados (Alemanha, Itália e Japão) e realizou papel de polícia contra suas populações. Atualizado muitas vezes, a versão mais recente do manual é o ATTP 3-39.10 (FM19-10), chamado Law and Order Operations, moldado a partir dos “aprendizados” no papel de polícia nas invasões do Iraque e do Afeganistão pelo exército dos EUA.
Para o melhor treinamento das Forças Armadas brasileiras nessa função esteve aqui em 2012 o general Simeon Trombitas, comandante do Comando Sul do exército dos EUA. Para os mesmos propósitos houve, ao final de 2013, um intercâmbio entre Fuzileiros Navais brasileiros e norte-americanos. Por fim, poucos dias antes da portaria que estabeleceu o novo manual foi criado, também por portaria, o “Curso de Polícia do Exército”. Apesar da ausência de curso específico, o exército já realizara ações de polícia, com fins de GLO, no Haiti a partir de 2004, na ocupação das favelas cariocas em 2010, na vinda recente do Papa ao Brasil e na Copa das Confederações.
Na verdade, pouco há de novidade nisso tudo, pois a ação interna para GLO está presente na Constituição “Cidadã” de 1988. O novo e curioso elemento é que a esmagadora maioria das ações de GLO foram realizadas sob o governo do Partido dos Trabalhadores e sua regularização, voltada contra a classe trabalhadora, está sendo levada a cabo por esse partido. Isso comprova a caracterização desse governo como de tendência bonapartista (e não de “Frente Popular”, como quer parte da esquerda).
Mas não se trata de algo exclusivo do PT. Muito mais, é uma frente de todos os partidos burgueses contra a classe trabalhadora, cuja coluna vertebral hoje é o PT. No estado de São Paulo o governador Alckmin, do PSDB, recentemente criou o BAEP (Batalhão de Ações Especiais da Polícia), o primeiro batalhão da PM-SP voltado contra o “terrorismo”. O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), também criou o seu batalhão especial, em outubro de 2013. No Senado deve ser aprovada até março deste ano a lei que define o crime de terrorismo, cujo relator é Romero Jucá (PMDB). A proposta de texto da lei caracteriza como terrorismo “provocar ou espalhar terror ou pânico generalizado com ofensa à vida, à integridade física, à saúde ou à liberdade do cidadão”. Há ainda à disposição a Lei de Segurança Nacional e a Lei Geral da Copa.
O cerco está se fechando contra a classe trabalhadora. A frente dos partidos burgueses, organizados conscientemente enquanto classe e dispondo da força armada para si, se coloca diante da classe trabalhadora. Esta, por sua vez, tem a vantagem de representar mais de 90% da população brasileira, mas tem a desvantagem de estar desorganizada politicamente e desarmada.
Nessa conjuntura se insere a possível nova etapa de conflitos de classe, passível de ser iniciada em pouco tempo, a partir de protestos contra a Copa do Mundo. O primeiro protesto ocorrerá no próximo sábado, dia 25 de janeiro, em várias capitais do Brasil, chamado de “Não vai ter copa!”
Enquanto os partidos burgueses se posicionam como classe e se armam até os dentes por meio do Estado, as organizações do proletariado alimentam esperanças nesse mesmo Estado, como se fosse um ente neutro. Esse caminho da conciliação, invariavelmente, desarma a classe trabalhadora e a prostra diante da burguesia. Tal estratégia política está aquém das tarefas postas pela conjuntura para a classe trabalhadora.
É assim, por exemplo, quando se exige do Estado que impeça demissões por decreto em alguma empresa, como recentemente fez o PSTU; exige-se de um governo com características repressoras que governe por decretos, como se assim pudesse surgir alguma forma de defesa da classe trabalhadora e não seu contrário. Alimenta-se ilusões no papel do Estado em vez de quebrá-las. Em uma palavra: concilia-se. Isso ocorre também quando se afirma, como o PSOL, que “Se não houver direitos não haverá Copa!”: reduz-se um conflito inconciliável entre classes, considerado assim pela burguesia armada, à necessidade de “ações afirmativas”, reformas no Estado, etc. Tais ações afirmativas — a defesa de um Estado de Bem-Estar Social — acabam afirmando o Estado burguês, armado contra a classe trabalhadora.
O Estado é uma organização da burguesia; em vez de alimentar ilusão em sua suposta neutralidade e conduzir os agudos antagonismos de classe a um âmbito abstrato, as organizações da classe trabalhadora precisam aprender a expor os conflitos, tendo por base o antagonismo inconciliável entre o capital e o trabalho, que se dá principalmente em torno da luta em defesa dos empregos e dos salários. O eixo da luta precisa migrar do Estado para as relações de produção, ou seja, de trabalho. A única forma da classe trabalhadora não sair derrotada no processo de luta que se abre é com a entrada em cena dos seus maiores e mais bem estruturados setores e categorias, organizados pela base, diretamente, numa luta que exponha as contradições em vez de escondê-las.
A classe trabalhadora tem pela frente a difícil tarefa de forjar, no futuro próximo, organizações políticas à altura das contradições abertas. Se isso não ocorrer, o risco das atuais experiências do exército brasileiro e das polícias militares excederem seu planejamento inicial e se tornarem uma herança nefasta da Copa do Mundo são consideráveis.
Todos ao ato do dia 25, para dizer NÃO ao capital!
Viva a luta da classe trabalhadora!