Aos camaradas do PSTU e do PSOL, os dois maiores partidos da esquerda socialista hoje.
Camaradas, vocês sabem, a crise política está colocada abertamente em todo o país. O domingo 15/03 foi um ponto de virada na conjuntura. Muitos presentes no gigantesco ato em SP eram trabalhadores, legitimamente revoltados com os casos de corrupção (outra parte significativa era de pequeno-burgueses, e uma minoria ínfima pedia “intervenção militar”). É impossível dizer com certeza se a participação da classe trabalhadora se manterá igual, se crescerá ou diminuirá, mas ao que tudo indica o PT confrontará no próximo período um movimento de massas muito maior que o de 15/03.
Como se sabe, a esquerda socialista, nessa situação, não pode apoiar velada ou indiretamente o PT, nem ficar em cima do muro.
Em declaração no dia 26/02 a Direção do PSOL afirmou: “O lugar do povo brasileiro não é nem reforçando as forças conservadoras, nem tampouco apoiando o governo atual e suas medidas”. Entretanto, abriu espaço para um apoio indireto ao PT: “queremos deixar claro para o povo trabalhador brasileiro que o partido não endossará e nem participará de atos cujo eixo seja apenas de defesa do atual governo”. Todos sabemos que o ato do dia 13, oficialmente, não tinha como eixo “apenas a defesa do governo”, mas também “a defesa da democracia, da Petrobras, etc.”. A redação abriu espaço para a defesa do dia 13, o que também transpareceu na seguinte frase: “Consideramos legítimo o sentimento de muitos que julgam ser esta uma estratégia [ir no dia 13] para impedir o crescimento de movimentações conservadoras”. A militância do PSOL acabou sendo, na prática, liberada para escolher o que fazer.
Camaradas do PSOL, com essa posição seu partido pode fazer coro com aqueles que apoiam o PT; se isolar ou acabar confrontado pelas massas. Em sentido contrário, o PSOL, sem dúvida, poderia ter um papel de destaque apoiando criticamente uma manifestação como a do dia 15. Nela o PSOL ajudaria a diminuir o espaço da direita, e seus parlamentares encontrariam, nas ruas, grande ressonância, ampliando o importante papel de denúncia da corrupção que fazem atualmente na CPI da Petrobras, no Congresso.
Os camaradas do PSTU estão totalmente corretos quando apontam que a saída só pode vir da construção de um “poder dos trabalhadores”. Paralisações, greves, piquetes, ocupações, etc., podem manifestar a força da classe, fazendo-a aparecer nacionalmente como o único sujeito capaz de dirigir o conjunto dos explorados.
Entretanto, nos parece, os companheiros voltam as costas ao movimento de massas ao criar um calendário próprio e ao propor uma terceira via. Os companheiros falam “nem dia 13, nem dia 15: PT e PSDB não nos representam”, mas são obrigados a reconhecer que “o PSDB não defende o impeachment [a pauta do dia 15]e até cogitou um pacto em defesa do ajuste fiscal”; bem como são obrigados a afirmar que “nas fábricas, muitos operários dizem ser a favor da saída de Dilma e tem simpatia pelas manifestações do dia 15” (o que nós também testemunhamos entre operários da grande São Paulo).
Camaradas, os dias 13 e 15 não podem ser equiparados. Em vez de equipará-los e propor uma terceira via, mais proveitoso seria, nos parece, engrossar atos como o do dia 15 com setores organizados da classe trabalhadora. Isso eclipsaria a direita que está se apropriando ilegitimamente da revolta da imensa maioria da população brasileira contra a corrupção e a carestia de vida. Essa direita não tem base social alguma; é formada em parte por jovens adolescentes pequeno-burgueses como o “Movimento Brasil Livre” (financiado por JP Lemann). Não podemos aceitar que esse tipo de gente se aproprie de um movimento de massas, com influência relevante sobre a casse trabalhadora! A classe operária poderia paralisar seus locais de trabalho e participar de atividades como a do dia 15, o que colocaria esses atos sob sua influência, bem como colocaria a pressão sobre o governo num novo patamar.
A esquerda socialista é a legítima representante deste sentimento de revolta popular. Ela precisa entrar em cena, não em atos “puro sangue”, isolados. O papel da esquerda socialista é ir onde as massas estão e tentar influenciá-las.
A defesa ou não do impeachment não pode nos dividir num momento como esse. Trata-se de fazer frente única contra o governo, pois este é visto pela imensa maioria do povo brasileiro como o inimigo principal e comum. A frente única formada por setores fundamentais da classe trabalhadora (reivindicando o fim dos ataques do governo) em unidade com demais setores proletários e pequeno-burgueses (reivindicando impeachment), poderia opor uma pressão sem igual ao governo, que possivelmente teria de recuar no “pacote de maldades” e nos ataques aos direitos.
A “construção da greve geral” é sempre um objetivo a ser alcançado, sobretudo nos momentos de crise burguesa. A melhor forma de construí-la na conjuntura atual, nos parece, é atuar numa frente única de todos os lutadores contra a corrupção e a carestia de vida, no movimento de massas que está colocado. Assim podem ser desatadas contradições ainda maiores, fazer estourar greves e abrir o processo que efetivamente constrói a greve geral. Ou seja: a construção da greve geral passa pela intervenção direta nas contradições que estão colocadas, em unidade contra o governo.
É bem possível que a esquerda ainda não possa intervir diretamente nos atos, por questões de segurança. É possível que tenhamos que abrir caminho, primeiro afirmando a unidade, com atividades próprias. Mas fazer uma unidade que não tenha como horizonte entrar neste movimento de massas e disputá-lo por dentro, nos parece, seria cometer o erro de deixar o movimento a mercê da direita.
Por fim, camaradas do PSTU e do PSOL, se nos permitem, trazemos abaixo um comentário de Trotsky sobre a França de 1934. A situação é diferente, é claro, bem como são diferentes as formações econômicas e sociais dos dois países. Mas alguns paralelos podem ser traçados. O “Partido Radical”, no governo em 1934, poderia ser comparado, guardadas as devidas diferenças, ao PT hoje. Disse Trotsky:
“O fundo da situação política atual está no fato de que a pequena burguesia desesperada começa a desembaraçar-se do jugo da disciplina parlamentar e da tutela da corja do Partido Radical, que sempre enganou o povo e agora o traiu definitivamente. Nesta situação, ligar-se aos ‘radicais’ significa autocondenar-se ao desprezo das massas e empurrar a pequena burguesia para os braços do fascismo, que verá como único salvador.
O partido operário não deve ocupar-se numa tentativa sem esperança de salvar o partido dos especialistas em falências [os radicais]; pelo contrário, deve acelerar com todas as suas forças o processo de libertação das massas da influência ‘radical’. Quanto mais zelo e audácia puser no cumprimento dessa tarefa, mais rapidamente vai preparar a verdadeira aliança da classe operária com a pequena burguesia. É necessário tomar as massas em seu movimento. É necessário orientar-se pela sua cabeça, e não ir a reboque. Pior para os que se deixam ficar para trás!”
(Trotsky. Aonde vai a França?, outubro de 1934)