O símbolo do parlamentarismo revolucionário é Karl Liebknecht (na imagem), parlamentar comunista alemão assassinado em 1919, junto com Rosa Luxemburgo, pela polícia do governo social-democrata.
Nas teses do Segundo Congresso da Terceira Internacional, realizado em 1920, compreende-se quais devem ser as posições dos revolucionários em relação às eleições e ao parlamentarismo em geral. Explicam lá os dirigentes da antiga Internacional que no presente período histórico — período de decadência do capitalismo e de transição para o socialismo —, as reformas parlamentares não são mais possíveis, dado seu caráter pontual e assistemático; portanto, elas perderam todo o seu valor:
“Nas condições atuais, caracterizadas pelo arrebatamento do imperialismo, o Parlamento se transformou num instrumento de mentira, fraude, violências, destruição, de atos de ladroagem, obras do imperialismo; as reformas parlamentares, desprovidas de qualquer continuidade e estabilidade concebidas sem um plano conjunto, perderam toda importância prática para as massas trabalhadoras”.
Numa época histórica assim, argumentam os bolcheviques, seria uma traição à classe operária “recusar-se a separar-se dos oportunistas parlamentares”, os reformistas supostamente “socialistas”. Para os comunistas, “o Parlamento não pode ser, em nenhum caso, o teatro de uma luta por reformas e melhorias da situação da classe operária”.
Sendo assim, logicamente, não caberia aos revolucionários neste período histórico ser um apêndice dos reformistas em suas coligações eleitorais, bem como não caberia a mera agitação de reformas para a melhoria da vida da população. Como deveriam se portar então os revolucionários nas eleições?
A esquerda, muitas vezes, ressalta nas teses da Internacional Comunista que o Parlamento deve ser um ponto de apoio às lutas da classe trabalhadora, sem todavia compreender que isso não é o central da análise. A esquerda parece esquecer (ou omitir) o seguinte: o objetivo da atuação dos revolucionários no Parlamento consiste em destruí-lo. Ora, mesmo um reformista de “esquerda” pode argumentar que seu mandato é só um “humilde” ponto de apoio à luta da classe trabalhadora. Os comunistas, diz o texto, “só podem colocar a questão da utilização das instituições governamentais burguesas tendo em vista a sua destruição. É nesse sentido, e unicamente nesse sentido, que a questão pode ser colocada”.
O “dever histórico da classe operária” é enfraquecer e destruir esses aparelhos reacionários, substituindo-os pelos órgãos autônomos do poder proletário. Todavia, como atua hoje a maioria da nossa “esquerda”, muitos dos nossos “socialistas” e “comunistas”?
Além de tirar foto com todo tipo de oportunista reformista, além de submeter-se a eles vergonhosamente em coligações eleitorais, a nossa “esquerda” recheia seus programas com promessas de reformas e esquece de atuar nas instituições visando a destruí-las. “Melhorias na educação e na saúde”, “passe livre estudantil”, “direito à cidade”, “direito à moradia”, “reforma urbana”, “mutirões populares”, “orçamento participativo”, “reforma política”, etc., tais são algumas – poucas – panacéias da nossa “esquerda”.
Nesse sentido, muito melhor seria — sobretudo numa conjuntura política explosiva como a nossa — saber dialogar com a enorme revolta existente na população trabalhadora contra este moribundo e semi-falido sistema político e eleitoral burguês.
Nas últimas eleições em nosso país, por exemplo, a expressão dos votos de protesto — nulo, branco ou o mero boicote — é muito significativa, atingindo algumas vezes até o primeiro lugar. Uma parcela realmente grande da população tem consciência de que as propostas dos políticos são palavra vazia, meras promessas que não serão realizadas. A população, também nesse quesito, está mais avançada que boa parte da nossa “esquerda”. As condições para desmoralização e enfraquecimento do poder burguês estão dadas entre amplos setores sociais, e apenas precisariam ser trabalhadas pelos revolucionários e transformadas em ódio organizado em partido. O enfraquecimento do poder burguês é pré-condição para a vitória do poder operário.
Caberia aos revolucionários, portanto, ir à televisão e às rádios nacionais; aproveitar todos os espaços e brechas do sistema para falar à população que todas aquelas promessas que lhe são feitas são falsas; que a própria eleição é um processo controlado pela burguesia; que o Estado é uma organização burguesa para oprimir a população trabalhadora; que a população só pode resolver seus principais problemas (desemprego e inflação) pela luta e contando unicamente com as próprias forças; e que os revolucionários, se eleitos, atuarão no parlamento para denunciar, todos os dias, as mutretas, corrupções e acordos dos burgueses contra a população trabalhadora. Os revolucionários, no parlamento, dizem os dirigentes bolcheviques, devem ser como agentes especiais enviados dentro do campo inimigo – e não peixes dentro d’água, como são os nossos “socialistas” no congresso.
Assim, a agitação eleitoral dos revolucionários, de acordo com os princípios da Terceira Internacional, deveria estar mais próxima do que muitas vezes grupos anarquistas ou semi-anarquistas defendem em campanhas pelo voto nulo e pelo boicote, do que das promessas vazias ou das utopias simplórias dos nossos socialistas. O foco deve ser organizar e dar vazão ao protesto legitimo da população contra o sistema. A diferença entre a agitação dos marxistas e o mero voto nulo anarquista é que a primeira, por saber se aproveitar de todos os espaços legais, se torna forma organizada e se fortalece como partido da classe, e o segundo tende a ser apenas um grito de revolta, importante, mas que se dissipa muito rapidamente. A diferença não é tão grande, portanto, no conteúdo do que é agitado nas eleições, mas na tática diante delas.
Se os revolucionários têm apenas poucos segundos em cadeia de televisão nacional, deve-se aproveitá-los ao máximo para dizer o essencial dessa política, o central do propósito e objetivo da atuação dos revolucionários nas eleições. Para parte da população isso poderá parecer, é verdade, esquerdismo. Todavia, para grande parte da juventude, que agora desperta para a luta em todo o país, isso aparecerá como a verdade e lhe dará grande disposição de luta. As fileiras das organizações revolucionárias se reforçarão rapidamente com os ânimos da juventude proletária. A maioria da classe trabalhadora, sobretudo a classe operária, mesmo que não vote a princípio nos revolucionários, ouvirá atentamente a mensagem e a compreenderá. No momento certo, no acirramento da luta de classes, a classe concluirá que somente aqueles que haviam se apresentado de forma honesta eram coerentes, e passará em número cada vez maior às suas fileiras.
Os representantes da classe operária não devem vender sorriso, mas expressar a seriedade e a revolta da sua classe; não devem vender promessas, mas denunciar quem o faz. Os revolucionários devem chamar os trabalhadores a organizarem-se nos seus locais de trabalho com o partido, e convocá-los a contar apenas com a própria força.