Transição Socialista

Posição diante da candidatura de Freixo

A nova pesquisa eleitoral à prefeitura do Rio de Janeiro, divulgada na última semana, parece confirmar o favoritismo de Marcelo Crivella (PRB). O bispo teve um aumento de 4% (de 44%, para 48%), ao passo que Marcelo Freixo (PSOL) teve ligeira queda, dentro da margem de erro, de 27% para 25%. Ao que parece, Crivella cresce sobre os chamados “indecisos”. O voto nulo/branco continua elevado, no mesmo patamar da pesquisa anterior (19%). Uma grande parcela da população parece pouco se importar com o processo eleitoral, estando mais preocupada com suas condições de vida e seu dia a dia.

Freixo e Crivella não são iguais. Crivella é o candidato da burguesia e Freixo o candidato da pequena-burguesia. Crivella é o candidato que melhor representa o status quo no Rio de Janeiro; a continuidade dos anos da baixaria política conduzida pela aliança PT-PMDB. Crivella foi apoiador dos governos petistas de primeira hora e, em seguida, ministro da Dilma. Crivella é um produto legítimo do fisiologismo lulista. Em seu programa de governo percebe-se o mal-cheiro do improviso. Este caracteriza-se mais pela ausência de qualquer programa, ou seja, pela submissão cega à irracional anarquia capitalista. O programa de Crivella é a expressão da barbárie burguesa atual.

Freixo é um pequeno-burguês, que se propõe a velha e quixotesca tarefa de encontrar, como diz em seu programa, a “função social da propriedade”. Trata-se de uma contradição em termos, pois essa tal “propriedade”, da qual busca-se a função “social”, é a propriedade privada, que exclui toda reflexão séria sobre os problema sociais. Tal contradição é a alma da pequena-burguesia, que parece sempre contar com um descuido da grande burguesia para, num momento de sorte (eleitoral), tomar o Estado burguês de assalto e aplicar suas panacéias ideológicas, democratizantes, humanistas-burguesas, de “amor” e “liberdade”. “A política é uma declaração de amor coletiva”, disse Freixo em seu último discurso.

Freixo traz consigo um programa anacrônico, envelhecido em quase 180 anos, anterior ao marxismo. Veja-se, por exemplo, que o ponto que seria o mais importante de seu programa de governo, referente às condições de trabalho (o central sob o capitalismo), tem como eixo a criação de um “Banco Municipal de Desenvolvimento” (um BMDES), para investir em projetos de “distribuição de renda”, em pequenas cooperativas, “pequenos e médios comerciantes e produtores”, incentivar a economia de “baixo impacto ambiental”, etc. Ora, isso é Pierre-Joseph Proudhon puro (e, depois, Ferdinand Lassalle); isso é socialismo utópico. Isso é pré-marxista pois – assim como Proudhon –, nem mesmo deduz a existência da mais-valia, a exploração capitalista cotidiana sobre o trabalhador. Freixo não fala uma séria palavra sobre as atuais condições de trabalho da maioria (jornada de trabalho e reajuste salarial), pois tal problema é do âmbito do privado, das relações diretas entre empregadores e empregados, onde o governo não legisla. O programa de Freixo – assim como o programa dos socialistas pequeno-burgueses que Marx combateu a vida toda – legitima a mais-valia, na medida em que a desconsidera e atém-se à superestrutura capitalista, ignorando as relações de produção. A tarefa dos revolucionários, ensinava Marx, não é gerir melhor as verbas do Estado burguês, na exata medida em que essas “verbas” são, na verdade, riqueza (mais-valia) já roubada dos trabalhadores. A tarefa dos revolucionários é estancar o nascimento de capital, ou seja, acabar com a extração de mais-valia.

Justamente por não se propor acabar com a exploração capitalista, o programa de Freixo só pode se propor gerir o Estado burguês, centrado na seguinte questão: “o que pode ser feito, na prática, nas condições atuais”? A lógica de Freixo é submeter-se à miséria do possível. Seu programa é uma colcha de retalhos, com milhares de propostazinhas justapostas, somadas paralelamente, abordando os mais mínimos problemas. É um programa pragmático, ou seja, empírico – aliás, Marx dizia, em carta de 1865 a Schweitzer, que o problema de Proudhon era nunca ter ido, em filosofia, além de Kant e alcançado Hegel, ou seja, nunca ter superado o empirismo burguês; nunca ter alcançado uma síntese dialética. Se eleito, o utópico e pragmático Freixo, bem como toda a sua equipe de “notáveis” sociólogos e economistas semi-keynesianos, se mostrarão em pouco tempo completamente impotentes diante da grande burguesia. Freixo não conseguirá realizar nenhum ponto consistente, de impacto, de seu programa, e não conseguirá elevar o nível de vida dos trabalhadores cariocas.

Sua única perspectiva de realizar algo relevante seria mobilizando a população para apoiá-lo. Quanto a isso, Freixo aparenta ser radical; fala sobre milhares de conselhos: conselhos populares, conselhos na área da saúde, na área da educação, cultura, etc.. Todavia, um mínimo olhar revela a farsa. A maioria desses conselhos, como os conselhos gestores nos hospitais e nas escolas, já existem. Freixo criaria, é verdade, os conselhos populares nos bairros, para discutir e “decidir” sobre políticas públicas. Seriam 33 conselhos, cada um com 31 membros (conselheiros). Todavia, esses conselheiros não seriam revogáveis a qualquer momento; teriam mandato de quatro anos, sendo eleitos no início do governo de Freixo. Supõe-se que, graças à onda da vitória eleitoral, seriam cupinchas de Freixo. Ainda assim, não teriam realmente poder decisório, pois suas propostas seriam elaboradas em conjunto com (e submetida à) Secretaria de Planejamento (SePlan) da cidade, atualmente existente. Como bom pequeno-burguês, Freixo tem medo da real participação popular. Precisa dela para mostrar os dentes para a grande burguesia, mas teme ela a todo passo, a cada dia.

O PSOL se propõe ser uma cópia do PT; a ocupar o espaço do PT, como falamos diversas vezes. Todavia, o PSOL não é igual ao PT. O PSOL é um partido da pequena-burguesia, enquanto o PT é, há muito tempo, um partido da grande burguesia e do grande capital. Ainda que o PT esteja apoiando Freixo, o PT é muito fraco no Rio de Janeiro, justamente porque boicotou historicamente seu próprio crescimento em nome do crescimento do PMDB. É por isso que o PMDB (e mesmo o PRB de Crivella) expressa hoje mais o PT no Rio de Janeiro do que o próprio PSOL. O PT apoia hoje o PSOL buscando se relocalizar entre a pequena-burguesia, após o terrível massacre eleitoral e o amplo repúdio das massas, e é lamentável que o PSOL se permita esse papel vergonhoso de tábua de salvação do PT. Se Freixo negasse o apoio do PT, ganharia amplo apoio popular.

O professor Hector Benoit escreveu recentemente um texto (leia aqui) onde defende que o PSOL é pior do que o PT. Está totalmente correto. Isso não significa, parece-nos, que o PSOL é ou será um maior risco à classe trabalhadora do que foi o PT. O PSOL se propõe a ser reformista e social-democrata, como se propunha o PT, mas nem mesmo tem uma base real de trabalhadores, com sindicatos, como teve a social-democracia clássica e o PT. Nesse sentido o PSOL é pior, ou seja: é mais inconsistente para o que se propõe; é caricato, uma paródia. O PSOL é menos capaz de realizar o que se propõe, mas é também menos capaz de ser um risco à classe trabalhadora; menos capaz de produzir, dentro do movimento da classe trabalhadora e da esquerda, o estrago que o PT produziu.

Diante de toda essa situação, não cabe aos revolucionários ficar em cima do muro. Os revolucionários, quando não têm ainda condições – organização, influências de massas, formas duais de poder – para derrubar o sistema político da burguesia, devem se valer de todas as táticas possíveis e necessárias para criar brechas e divisões na burguesia e, assim, ganhar tempo para se fortalecer na luta de classes.

Em todo lugar em que puderem, os revolucionários devem apresentar candidatos próprios, sem coligação com os reformistas democráticos pequeno-burgueses, sem temer a acusação de dividir a “esquerda”. É exatamente isso que ensina o famoso texto de Marx e Engels de março de 1850, a “Mensagem do CC à Liga”. Foi por isso que apoiamos o PSTU no primeiro turno – seus candidatos eram operários e eram o que mais se aproximava conscientemente de um programa revolucionário. Todavia, nas ocasiões onde os revolucionários não possam apresentar candidatos próprios, podem votar em candidatos da democracia pequeno-burguesa contra os candidatos da grande burguesia, para dividir e paralisar a burguesia. Foi isso que defendeu Marx em fevereiro de 1849, presidindo o Comitê Regional das Sociedades Democráticas, e foi isso também que defendeu Lenin, em seu livro “Esquerdismo, doença infantil do comunismo”. É essa a específica situação deste segundo turno do Rio de Janeiro.

Seria possível apoiar o boicote (voto nulo)? Sim, mas seria errado diante da possibilidade de dividir a burguesia. Convocar o simples e mero boicote hoje no Rio de Janeiro, quando estão em disputa dois setores diferentes da burguesia, é uma forma de esquerdismo. Outro seria o caso se estivessem disputando no segundo turno candidatos que representam praticamente o mesmo setor da burguesia (por exemplo, Marcello Crivella, do PRB, contra Pedro Paulo, do PMDB).

É por tudo isso que nosso voto é tático a favor de Freixo. Isso não significa, nesta situação e no conjunto das nossas forças, que faremos uma campanha a seu favor. Significa apenas que não nos interporemos; não atrapalharemos sua disputa, nem nos colocaremos contra sua chance de vitória. Quatro anos com Freixo prefeito, provavelmente, enterrarão mais rapidamente o projeto do PSOL do que quatro anos com Freixo na oposição, fazendo retórica radical de esquerda. Suas palavras são uma coisa, seus atos serão outra. O fim do projeto do PSOL é bom para o fortalecimento da esquerda revolucionária. Claro, isso dependeria, caso Freixo seja eleito, de uma militância capaz de desmascarar Freixo e o PSOL em suas mínimas ações oportunistas cotidianas.

Tudo o que dissemos acima vale, em certa medida, também para a candidatura de Raul Marcelo (PSOL), em Sorocaba, importante cidade industrial do interior de São Paulo. Não vale, todavia, para a candidatura de Edmilson Rodrigues (PSOL), em Belém-PA, onde esse candidato já havia se coligado, no primeiro turno, com os partidos mais reacionários da política local, e agora coligou-se, no segundo turno, com o PMDB.