É sempre difícil falar sobre o comportamento das organizações políticas no interior do movimento estudantil. Não foram poucas as vezes em que se mencionar partidos na luta estudantil foi associado à ideia de aparelhamento. O reitor da USP, João Grandino Rodas, já buscou desqualificar o movimento em outras ocasiões dizendo que era reduto de minorias radicais, insinuando que estas eram os partidos e organizações políticas.
A verdade é que o reitor e muitos dos burocratas da USP têm vinculações com partidos políticos, elas apenas não são feitas às claras, ao contrário daquelas do movimento estudantil. Os estudantes que estão na luta sabem, em maior ou menor grau, desse fato, de modo que se alinham (já que a maioria não pertence a partido ou tendência) conforme às situações concretas. As organizações políticas, aliás, têm um papel de esclarecer e abrir caminhos para o conjunto dos estudantes. É uma condição própria de toda luta sindical.
No entanto, a realidade mostra como a atuação de determinados partidos também confunde e revolta os estudantes quando colocam à frente da luta política os seus interesses partidários. Nesta semana, no processo de greve estudantil na USP, o que se viu foi uma sucessão de fatos que confirmam esse mal.
Agressão do PCO
Como vem sendo divulgado, ao final da assembleia de quinta-feira, 07/11, um militantes do PCO e um militante de um grupo anarquista (Tiê-Sangue) agrediram dois companheiros do PSTU. Lamentamos tal atitude e condenamos a agressão que somente divide e enfraquece o movimento neste momento da greve. Não é de hoje que o PCO vira as costas para os estudantes e age para conturbar o movimento grevista, vide a postura lamentável que tiveram com o MNN na greve de 2011, difamando e desqualificando infantilmente o comando de greve.
Por outro lado, é preciso deixar claro que nesse episódio de quinta-feira o PCO foi útil aos interesses do PSOL e PSTU, que dirigem o DCE da USP. Durante a assembleia de quinta-feira, o PSOL, seguido pelo PSTU, a todo momento provocou o plenário com o intuito claro de tumultuar e, assim — repetindo vergonhosamente o método usado por eles em 2011 –, se retirar, criando uma guerra de versões em que se colocam como vítimas. E por que isso? Por que eram minoria e perderam as votações principais, sobretudo porque viram ir por água abaixo a sua estratégia para o fim da greve na assembleia do dia anterior.
Vitória ou migalhas?
O PSOL e o PSTU não escondiam suas intenções para a assembleia de quarta-feira: aceitar o termo de acordo proposto pela reitoria e assim encerrar a greve e a ocupação. No entanto, o termo é uma farsa. O seu primeiro item, aquele sobre a democratização da USP — a grande reivindicação da greve — não traz nada de novo. A reitoria, como diz o texto oficial, acena com um congresso para discutir o assunto em 2014, conforme proposta aprovada, em linhas gerais, no CO (Conselho Universitário) em 01/10/2013, ou seja, antes da greve!
Os outros pontos do termo são vagos e funcionam como cortina de fumaça neste momento em que o eixo, como diz o slogan do PSOL, é “quem derrubou as tarifas vai democratizar a USP”. Além disso, o proposto termo de fim da greve não só não garantia a não punição aos grevistas, como indicava que puniria por danos materiais causados no processo de luta. Ignorando a realidade dos fatos, PSOL e PSTU trabalharam durante a semana para minar a greve nos cursos e preparar a saída “vitoriosa” na assembleia de quarta-feira, dia 6/11. Prova da sua capitulação foi o texto divulgado no site do DCE anunciando o inusitado “indicativo de fim de greve”.
Qual o resultado? Enquanto parte do movimento preocupava-se em sair da greve, Rodas atacava para derrotar o inimigo: reintegração da reitoria na justiça e mesa de negociações fechada. Contrariado, PSOL entrou na assembleia tendo que defender o impossível: sair da greve com uma falsa proposta de Congresso/Estatuinte, um pacote de migalhas e o peso da reintegração de posse e punições nas costas. Em uma atitude atípica, DCE mobilizou um ônibus do interior e uma van para engrossar as suas fileiras na assembleia, o que de nada adiantou. Na única votação da noite, numa assembléia com cerca de 1500 pessoas, a greve e a ocupação foram mantidas, com larga vantagem de quase 200 votos. Note-se que a maior assembleia da greve foi uma reação à capitulação do PSOL e PSTU.
Em texto no site do DCE, PSOL e PSTU procuram se explicar e dizer que não estão saindo por migalhas. Malabarismos à parte, não conseguem apontar qual a grande vitória que estão conquistando (acesse aqui) e acabam, vergonhosamente, reconhecendo que “infelizmente, estamos mais distantes do que próximos das conquistas que já havíamos alcançado”.
Agressão e armação
No dia seguinte: outra assembleia geral, para votar o restante das propostas. E o que fez o PSOL, apoiado pelo PSTU? Recolocou em votação o fim da ocupação (sabendo que sem ela acabaria de vez com a greve). Nova derrota. Diante disso, a única opção era criar um fato para desqualificar o movimento e acusar a assembleia de vanguardista, descola da base, da realidade dos cursos, etc. Daí ocorreu a já descrita agressão.
Então temos nova nota do DCE, desqualificando os métodos do PCO. Pretexto para se retirarem da ocupação da reitoria (o PSTU em seu site nega que a tenha abandonado, quem quiser que vá lá e tire suas próprias conclusões). Por outro lado, essa vacilação do bloco PSOL-PSTU aprofunda uma guerra fratricida entre os estudantes, além de fortalecer o ultraesquerdismo, pois muitos estudantes que ajudaram a construir a greve nos cursos se veem traídos e desacreditados apostando na radicalização como o único meio de sobrevida do movimento.
E agora?
A história se repete, mais uma vez, como farsa. A política do PSOL para a USP, que vem arrastando também o PSTU — e com isso enfraquecendo a ANEL, que poderia ser uma alternativa à UNE –, tinha como eixo construir a imagem de uma grande vitória para aqueles estudantes distantes da mobilização real da greve, mesmo que isso significasse pisar sobre as expectativas de quem a constrói dia a dia. Tal política só faz sentido se você tiver um pé na greve e outro nas próximas eleições para DCE, centros acadêmicos e — porque não? — para presidente e governador em 2014.
O velho fantasma do “sindicalismo de resultados” do petismo ainda nos assombra. É preciso romper com esse modo de pensar e agir, é preciso ter a coragem de ganhar e perder, sem contar mentiras, sem procurar a linha de menor resistência. Se, neste processo, resta alguma ponte com as manifestações de junho, é a valorosa disposição de luta dos estudantes que rechaçaram a democracia de faz-de-conta por meio da democracia direta das mãos levantadas. Não será, porém, grande surpresa se, em breve, em novos levantes de rua, a massa enfurecida exigir dos partidos de esquerda “bandeiras ao chão”.