Já há um ano aprofunda-se um curioso processo: as investigações da Lava-Jato cercam vários partidos, não só o PT. Isso se dá desde que Temer assumiu a presidência. As teias de corrupção que envolvem PMDB e PSDB no mesmo sistema corrupto do PT ficaram cada vez mais expostas. Mesmo antes do impeachment da Dilma falávamos que isso necessariamente ocorreria. Os petistas criticavam-nos, falando que a Lava-Jato era seletiva, e que assim que caísse a Dilma tudo refluiria. Também os pmdbistas acreditavam nisso, vide o famigerado “plano Jucá” para “estancar a sangria” e salvar Lula (conversas gravadas entre Romero Jucá e Sério Machado).
Como argumentamos então, a Lava-Jato tenderia a não ser seletiva justamente porque não expressava apenas o que aparentava. A Lava-Jato não seria meramente sua vitrine — os jovens procuradores, o juiz Sérgio Moro ou Procurador-Geral Rodrigo Janot. A Lava-Jato é produto da pressão da classe trabalhadora, em situação de crise econômica, sobre as “classes médias”, contra o conjunto do status quo burguês. A Lava-Jato é expressão deformada da luta de classes. Dizer isso não significa dizer, obviamente, que Moro e outros são heróis da classe trabalhadora, nem que esta deva confiar neles. Dizer isso só significa dizer que a Lava-Jato pode ir além dos interesses dos setores burgueses em disputa, e por isso deve ser taticamente apoiada. Não à toa, o presidente do PSDB, Aécio Neves, corre o risco de ser preso graças ao pedido que ele próprio abriu no TSE contra a chapa Dilma-Temer. Não à toa, Gilmar Mendes, o mais novo “companheiro” do petismo, sofre com um pedido de impeachment (e também um de “suspeição”) pouco após ser um dos principais articuladores do impeachment de Dilma. Não à toa, o articulista de direita Reinaldo Azevedo é o mais recente “esquerdopata” brasileiro, ao fazer coro contra os “excessos” da Lava-Jato. Não à toa, parte crescente de conselhos editoriais de jornais burgueses – como a Folha de São Paulo – têm destacado “inconsistências” nas delações…
Enfim, o fato é que a Lava-Jato, após a queda da Dilma, avançou e encontrou as teias de corrupção que ligam claramente PT, PSDB, PMDB e todo o lixo partidário burguês brasileiro. O conjunto do sistema e seus representantes aparecem como podres. Nunca antes na história deste país a política burguesa esteve tão desmoralizada. Nunca, portanto, as condições para surgimento de outra política, de outro congresso, de outro parlamento, estiveram tão maduras. Nunca as condições para surgimento de organismos políticos autônomos da classe trabalhadora estiveram tão dadas.
Mas por que elas não surgem? Elas não surgem por conta da crise de direção da classe trabalhadora. A crise política está já aberta há dois anos, mas as direções da classe trabalhadora negam-se a assumir um ritmo febril e explosivo, que convém a tais momentos, e preferem manter rotinas, com intervenções pouco incisivas. Vários grupos de esquerda falam que é correto defender a prisão de Lula… Mas daí até defender publicamente isso há já um longo processo. Enfim: existe uma dissolução sem igual do sistema burguês e, ao mesmo tempo, um vazio absoluto da esquerda revolucionária, a única capaz de organizar a classe trabalhadora em seus locais de trabalho e, a partir deles, erguer organismos políticos nacionais, contrapostos ao sistema burguês. Nunca antes na história deste país fez tanta falta um partido revolucionário.
Essa situação de crise absoluta de direção revolucionária, de depressão das massas, produz hoje um fenômeno triste, deplorável – Lula ergue-se como opção eleitoral com grandes chances de vitória, apesar da esmagadora maioria da população saber que ele é vinculado à corrupção burguesa. É uma reedição do “rouba, mas faz”, slogan quase-oficial de Paulo Maluf, um dos mais puros filhotes da ditadura militar. É como se uma parcela razoável da população constatasse que todos os políticos atuais são corruptos, todos são safados, não prestam, mas ao menos “na época de Lula era melhor”. Trata-se de uma idealização do período de auge do governo Lula. Todavia, mais do que uma idealização, essa visão está enfeitiçada pela ideologia burguesa; é uma visão inocente, pueril, que acredita que a economia ia bem em 2010-2011 graças a políticas específicas de Lula, como se este “líder” tivesse qualquer autonomia em relação à burguesia para aplicar medidas “melhores”. Trata-se de uma visão de mundo que ignora por completo o movimento mundial do capital internacional, movimento que favoreceu a economia momentaneamente durante o governo do petista, movimento ao qual o PT é totalmente submisso, e que ajudou a produzir a enorme crise que estourou no Brasil pouco depois. Trata-se de uma visão de mundo que não se sustenta diante de qualquer análise mais séria, que coloque os governos do PT em perspectiva histórica, observando o processo geral de pauperização das massas.
Enfim, o que importa notar é que Lula é a expressão do novo “rouba, mas faz”, devido à diluição geral do sistema burguês e à absoluta falta de alternativa política consequente e revolucionária. Maluf, à sua época, também teve seu populismo, sobretudo em São Paulo. Isso não fez dele menos um político de direita. O populismo, neste país, não é nada mais do que o uso do Estado burguês para comprar setores miseráveis da população, que assim se tornam dependentes do Estado. Na verdade, a ascensão de Lula é apenas a representação política de um processo em que a classe operária está paralisada e os setores mais marginalizados, excluídos do processo produtivo, tornam-se figuras políticas, protagonistas da política. Muitas vezes, ao conversar com operários, notamos que vários falam, um tanto céticos: “É, aqui na periferia nada mudará, porque o povo se acostumou a ganhar as coisas de presente”. Esse “de presente”, na mentalidade do operário, é um certo desprezo por parte daquele que tem um emprego mais fixo (e vinculado à produção) em relação àqueles que, sob o capitalismo, não conseguem tê-lo, e acabam dependendo, infelizmente, de políticas ditas “públicas”. O mal é que aquele que tem o emprego fixo, vinculado à produção, é justamente quem poderia controlar diretamente os meios de produção — ou seja, é a vanguarda objetiva da classe trabalhadora na revolução socialista —, e está, em grande medida, cético devido à falta da direção revolucionária. A ascensão de Lula, como novo malufismo, dá-se sobre a absoluta depressão e sensação de impotência da classe operária, desagregada em meio ao restante da chamada “população”.
Talvez seja uma honra para Maluf ser comparado a Lula. Ele próprio manifesta-se dessa forma. Segundo Maluf, ele próprio comparado a Lula é de esquerda. Ele próprio teria roubado muito pouco perto de Lula. Talvez seja verdade. E Maluf também não foi preso ainda, apesar de todo mundo saber que é corrupto. Da parte da massa miserável, pode existir até certa simpatia pela figura do malandro, que foge sempre das instituições oficiais burguesas e não consegue ser pego. O tema é dos mais comuns da literatura brasileira desde o início do século XIX, com o Leonardinho Pataca das Memórias do Sargento de Milícias. É a volta de Macunaíma. É a expressão pura da miséria num país que promete mas nunca dá certo. Mas, sobretudo, não é algo de que se orgulhar, na medida em que é produto do crescimento da pobreza e da desmoralização da classe operária, na ausência de um partido revolucionário.
Apesar de tudo isso, não devemos nos iludir. Lula cresce nas pesquisas e pode até ser eleito novamente, mas devemos desde já constatar que as pesquisas são feitas a partir do que as pessoas declaram. Por mais que um grande setor – sobretudo dos mais miseráveis – comece a olhar Lula como possibilidade eleitoral, um setor ainda maior, e socialmente mais importante, ou está paralisado ou tenderá a expressar-se por alguma forma de protesto em 2018. O repúdio ao atual sistema político burguês na próxima eleição tenderá a ser o maior já visto em muitas décadas. Ainda não se sabe como isso se expressará, mas os revolucionários têm de ficar atentos; têm de ter ciência desse elemento, para posicionarem-se na eleição de forma radical, febril e explosiva, fugindo da rotina como quem foge da peste. Se a esquerda revolucionária fizer isso, de forma unificada e bem articulada, não apenas expressará parte da revolta nacional, como crescerá e organizará novos setores da classe trabalhadora.