Transição Socialista

Caso Petrobrás: a crise muda de nome, mas continua a mesma

PT e PMDB, há poucas semanas em guerra, agora lutam juntos e fazem manobras inconstitucionais no Congresso para impedir a criação da CPI da Petrobrás.

Na semana passada, após ler o pedido de criação da CPI no Senado, com as devidas assinaturas necessárias, o presidente da casa Renan Calheiros (PMDB) abriu a palavra para uma ‘questão de ordem’ da senadora Gleisi Hoffmann (PT). A senadora pedia a impugnação do pedido porque a CPI seria muito abrangente, e não investigaria ‘um fato determinado’ como exige a constituição. Em seguida, Renan leu um outro pedido de CPI, do PT, ainda mais abrangente – juntava à Petrobrás os casos do Metrô de São Paulo, da estatal mineira Cemig e do porto pernambucano de Suape.

A questão de ordem foi aceita e a decisão será tomada essa semana pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado. A intenção do PT de ampliar o foco para não investigar nada é evidente, e a manobra de Renan é simplesmente ilegal – feito o pedido, o presidente da casa deve criar a CPI, sem submeter a qualquer recurso do plenário.

O ‘fato determinado’

Em 2006 a Petrobrás pagou 360 milhões de dólares por 50% de uma refinaria no Texas que um ano antes, obsoleta e desativada, fora comprada – inteira – por míseros 42 milhões pela belga Astra Oil. De 42 para 720 em um ano. ‘Um sucesso financeiro acima de qualquer expectativa razoável’, disseram os belgas em seu balanço.

Não bastasse essa valorização de 17 vezes, o contrato ainda garantia um lucro mínimo anual à Astra Oil e obrigava a Petrobrás a comprar o resto da refinaria caso houvesse desentendimento entre as empresas. O desentendimento aconteceu e em 2012 a Petrobrás acabou pagando outros 820 milhões de dólares pela outra metade da refinaria, totalizando 1,18 bilhão. A valorização chegou assim a incríveis 28 vezes.

A compra, suspeita de superfaturamento e evasão de divisas, está sendo investigada pelo Ministério Público Federal, pela Polícia Federal, pelo Tribunal de Contas da União, e graças às manobras do PT e do PMDB há atualmente 4 pedidos de abertura de CPI relacionados a ela no Congresso.

Até aí tudo ‘normal’. O verdadeiro problema para o PT é que em 2006 a compra da refinaria foi aprovada por unanimidade pelo Conselho de Administração da Petrobrás – então chefiado por Dilma.

A aprovação é ainda mais suspeita porque duas consultorias contratadas na época para avaliar o negócio levantaram sérias restrições à compra, e deixaram evidente que não tinham informações suficientes para dar um parecer completo e independente. Uma listou 40 tópicos questionáveis em relação à avaliação dos valores da refinaria; a outra fez um relatório de três páginas de ressalvas.

Ainda assim, a aprovação foi unânime no Conselho.

Ninguém poderia acreditar tratar-se apenas de um ‘mal negócio’: após a compra dos primeiros 50%, foi criado um comitê de proprietários, em que o representante da Petrobrás era Paulo Roberto Costa, ex-diretor da empresa indicado pelo PP e preso há duas semanas na operação Lava Jato da PF, por envolvimento em superfaturamento e lavagem de dinheiro em outros contratos da própria Petrobrás.

Nas palavras de Lula, Dilma deu ‘um tiro no pé’ ao tentar justificar seu voto culpando o então diretor internacional da Petrobrás Nestor Cerveró. Segundo a presidente, ela só apoiou a compra porque se baseou num ‘resumo’ feito por Cerveró, que omitiu cláusulas do contrato.

Ao invés de conter a crise na empresa, o efeito da declaração foi o contrário: o principal alvo se tornou Dilma. Como membro do Conselho, à época ela tinha acesso a todos os documentos e informações sobre a compra que aprovou. Além disso, duas questões sem resposta emergem da versão da presidente: se ela só tomou conhecimento das reais condições da compra em 2008 como diz, por que após assumir a presidência em 2011 manteve Gabrielli na presidência da Petrobrás por um ano, até 2012? E, pior, por que manteve Cerveró, que ela acusa de ser o maior culpado, na Petrobrás até semana passada?

A mesma crise

A crise da Petrobrás expõe mais uma vez, de maneira aberta, que o Estado brasileiro não passa de um balcão de negócios.

Como lembrou um comentarista, há menos de um mês, quando a crise do PT era a luta com o PMDB que exigia mais um ministério, o presidente do partido Rui Falcão declarou: ‘Não vamos ceder um novo ministério para o PMDB. Agora, concessão para discutir projeto de lei, espaço em estatal, para isso estamos abertos à negociação.’

O ‘espaço em estatal’ e tudo o mais que é barganhado em troca do apoio do partido que está sempre na situação revela que as duas crises, a do PMDB e a da Petrobrás, são a mesma. Aquilo que agora pode colocar Dilma contra a parede numa CPI é exatamente a mesma coisa que garante sua base de apoio no Congresso. Para manter-se no poder, o PT ou qualquer outro partido que governe para a burguesia não precisa mais de nenhum programa político, nenhum projeto nacional, nenhum processo ideológico… Basta se apropriar cada vez mais do Estado e com ele comprar diretamente o apoio dessa casta corrupta sempre à venda.

Não por acaso, nessa situação frágil e em véspera de eleição, Dilma acaba de empossar Ricardo Berzoini no Ministério das Relações Institucionais, com um discurso conciliador e falando em concessões. Em relação à base aliada, ele disse: ‘Acho que precisamos melhorar a interlocução.’ Ou seja, ‘naquilo que seja possível e compatível com o senso republicano, a nomeação de pessoas que têm relação com o projeto político.’

Para livrar-se de um escândalo de corrupção, o PT prepara mais escândalos corrupção.

A mudança de forma da crise; que apenas ontem era luta com o PMDB e hoje já é concessão desesperada a ele; foi captada com ironia por um dos ilustres dirigentes desse partido:

‘Até ontem, a presidente pregava o enfrentamento com o PMDB. De repente, está nas mãos do mesmo PMDB a decisão de instalar ou não uma CPI que terá Dilma como figura central, a poucos meses da eleição presidencial. Na política, como na vida, a roda gira —às vezes numa velocidade impressionante!’