Peter Schwarz
Este artigo, publicado em três partes no wsws.org, é baseado numa palestra apresentada no verão de 2007.
Em 1923, uma situação revolucionária extremamente favorável se desenvolveu na Alemanha. Em 21 de dezembro, o Partido Comunista Alemão (KPD), em estreita colaboração com a Internacional Comunista (Comintern ou, ainda, III Internacional), preparou uma insurreição e a cancelou no último minuto. Trotsky tratou o conjunto dos eventos como “um clássico exemplo de como é possível perder uma situação revolucionária excepcional de importância histórica e mundial”.1
A derrota de 1923 teve consequências duradouras. Graças a ela, a burguesia alemã consolidou seu domínio e estabilizou a situação por seis anos. Quando a grande crise seguinte irrompeu, em 1929, a classe trabalhadora foi totalmente desorientada pela direção stalinista do KPD. Isso conduziu diretamente aos eventos fatais que culminaram na ascensão de Hitler ao poder. Em âmbito mundial, a derrota do Outubro Alemão aprofundou o isolamento da União Soviética e se constituiu, portanto, num importante fator psicológico e material do fortalecimento da burocracia stalinista em sua ascensão.
A palestra de hoje se concentrará nas lições estratégicas e táticas do Outubro Alemão, lições que se transformaram rapidamente em um assunto polêmico de disputa entre a Oposição de Esquerda e a Troika liderada por Stalin, Zinoviev e Kamenev. Antes de tratarmos desses assuntos, faz-se necessário um relato dos eventos de 1923.
Todas as questões básicas que empurraram o imperialismo à Primeira Guerra Mundial em 1914 — acesso a mercados e matéria-prima para sua indústria dinâmica, a reorganização da Europa sob sua hegemonia — continuaram sem solução em 1923. A Alemanha, além de ter perdido a guerra com um tremendo custo de vidas humanas e recursos materiais, foi obrigada pelo acordo de Versalhes a pagar quantias imensas em reparação ao seu maior rival, a França, assim como a outras potências imperialistas.
Os anos do imediato pós-guerra, 1918 a 1921, são marcados por uma série de levantes revolucionários que somente puderam ser abafados pelos esforços conjuntos da social-democracia e das forças paramilitares de direita. Em 11 de janeiro de 1923, as tropas francesas e belgas ocuparam o Ruhr e reacenderam a crise social e política na Alemanha.
O governo francês justificou a ocupação militar do centro industrial alemão de aço e carvão declarando que a Alemanha não havia cumprido com suas obrigações históricas, deixando de pagar as reparações de guerra. O governo alemão — um regime de extrema direita liderado pelo industrialista Wilhelm Cuno e tolerado pelo Partido Social Democrata — reagiu chamando a resistência pacífica. Na prática, isso significava o boicote das forças de ocupação pelas autoridades locais e companhias do Ruhr. O governo continuou a pagar os salários da administração local e ofereceu subsídios aos barões do carvão e aço para compensar suas perdas.
O resultado desses enormes gastos e do corte do suprimento de carvão e aço vindos do Ruhr, produtos de extrema necessidade para o país, foi o colapso completo da moeda alemã. O marco, já altamente inflado, era negociado a 21.000/dólar no início de 1923. Ao final do ano, quando a inflação alcançou seu ápice, a taxa de câmbio chegou a quase 6 trilhões de marcos por dólar — um número com 12 casas decimais!
O impacto social e político da hiperinflação foi explosivo. A sociedade alemã foi polarizada de forma jamais vista. Para os trabalhadores, a inflação era uma ameaça à existência. Quando recebiam o pagamento ao final da semana, descobriam que a quantia mal cobria o valor do papel sobre o qual as notas eram impressas. As esposas aguardavam seus maridos nos portões das fábricas para correr ao mercado mais próximo e comprar algo antes que, no dia seguinte, o dinheiro se tornasse inútil.
Por exemplo: um ovo custava 300 marcos no dia 3 de fevereiro. Em 5 de agosto, custava 12.000 marcos e, três dias depois, 30.000. Mesmo com a adaptação dos salários à inflação, o salário médio calculado em dólares caiu 50% ao longo de 6 meses. Ao mesmo tempo, o número de desempregados crescia — menos de 100.000 no início do ano para 3,5 milhões ao final do ano, com 2,3 milhões de trabalhadores em empregos temporários.
Mas os trabalhadores não foram os únicos arruinados pela hiperinflação. Aqueles que viviam em pensões perderam todos os meios de subsistência, e os que haviam economizado um pouco de dinheiro se viram falidos da noite para o dia. Para sobreviver, muitos tinham de vender suas casas, jóias e todos os seus bens pessoais, apenas para descobrirem, no dia seguinte, que seu dinheiro já não valia mais nada.
Arthur Rosenberg, que escreveu a primeira obra respeitável sobre a história da República de Weimar em 1928, afirmou:
A expropriação sistemática das classes médias alemãs, não por um governo so- cialista, mas por um Estado burguês dedicado à defesa da propriedade privada, foi um dos maiores roubos da história mundial.2
Do outro lado do abismo social estava um grupo de especuladores, oportunistas e industrialistas que fez enorme fortuna com a inflação. Qualquer um que obtivesse acesso a moedas estrangeiras ou ouro podia exportar mercadorias alemãs ao exterior e colher lucros enormes, devido aos baixos salários. Tais eram as forças por detrás do governo Cuno. O mais famoso dos industrialistas foi Hugo Stinnes, que nesse período comprou
1.300 fábricas e fez bilhões. Stinnes também foi, nos bastidores, um grande articulador político.
A polarização social e a falência das classes médias fez surgir uma aguda polarização política.
O Partido Social Democrata Alemão (SPD) perdeu rapidamente seus membros e eleitores e desintegrou-se. Desde a derrubada do Kaiser pela Re- volução de Novembro de 1918, o partido se aliou ao alto comando militar e às forças paramilitares de direita, as Freikorps, para reprimir a revolução proletária e assassinar seus líderes mais destacados — Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht.
O SPD era o único partido na Alemanha que defendia a República de Weimar incondicionalmente. Todos os outros partidos burgueses preferiam formas mais autoritárias de dominação. Friedrich Ebert, líder do SPD, foi o primeiro presidente da República de Weimar. Ele ocupou o gabinete presidencial até sua morte, em 1925, ou seja, durante todo o período que abordamos nesta palestra.
O papel contra-revolucionário do SPD afastou muitos trabalhadores e os levou ao Partido Comunista Alemão, o KPD. Mas, no início de 1923, os sindicatos e camadas de trabalhadores mais conservadores ainda apoiavam o SPD. Com o impacto da inflação, isso mudou rapidamente.
Rosenberg, membro dirigente do KPD em 1923, escreve:
Durante o ano de 1923, o SPD perdeu forças de forma constante… Os sindicatos, em especial, que sempre foram o principal pilar de influência do SPD, estavam em total desintegração… Milhões de trabalhadores alemães não queriam mais ouvir falar das velhas táticas sindicais e abandonaram as associações… A desintegração dos sindi- catos era sinônimo de paralisia do SPD.3
Enquanto o SPD se desintegrava, trabalhadores social-democratas ouviam atentamente o que os comunistas tinham a dizer. Dentro do SPD desenvolveu-se uma ala esquerda pronta para colaborar com o KPD. Como veremos, governos de coalizão da ala esquerda do SPD e KPD foram formados na Saxônia e Turíngia por um breve espaço de tempo em outubro. Enquanto o número de filiados do SPD diminuía, a influência do KPD crescia. Seu número de filiados cresceu, em um ano, de 225 para 295 mil.
Não houve eleições nacionais entre 1920 e 1924, portanto, não há estimativas confiáveis sobre o apoio dos eleitores ao KPD. Mas uma eleição ocorrida no pequeno Estado rural de Mecklenburg-Strelitz nos dá uma ideia. Em 1920, o SPD recebeu 23.000 votos e o SPD-Independente (USPD, que mais tarde juntou-se ao KPD) 2.000. O KPD não participou. Em 1923, o SPD e o KPD receberam juntos aproximadamente 11.000 votos. No Saar, uma região mineradora antes dominada pelo catolicismo, o KPD aumentou sua votação entre 1922 e 1924 de 14.000 para 39.000 votos.
Nos sindicatos, a influência comunista crescia proporcionalmente à diminuição da influência do SPD. Quando os delegados do congresso da União dos Trabalhadores Metalúrgicos da Alemanha foram eleitos em Berlim, o KPD juntou muito mais votos do que o SPD. Foram 54.000, enquanto que o SPD obteve 22.000 — menos da metade dos votos do KPD. De acordo com um líder do KPD, em junho o partido tinha 500 seções nos principais sindicatos. Aproximadamente 720.000 metalúrgicos apoiavam os comunistas. O historiador da Alemanha Ocidental, Hermann Weber, comenta em seu livro sobre a história do KPD: “O ano de 1923 mostrou uma crescente influência do KPD, que tinha provavelmente a maioria dos trabalhadores socialistas atrás de si”.4
Em 1923 o KPD era tudo, exceto um partido unificado. Tinha apenas quatro anos de existência, mas já passara por eventos tumultuosos, diversas mudanças no seu corpo dirigente, rachas e fusões. Se encontrava, assim, em um estado de intensas divisões internas.
Seu líder teórico e político mais brilhante foi, sem dúvida, Rosa Luxemburgo, assassinada apenas duas semanas antes da fundação do partido — uma perda irreparável. Luxemburgo era uma revolucionária de enorme coragem e integridade. Seus escritos sobre o revisionismo e contra a guinada para a direita da social-democracia — que vislumbrou antes e mais precisamente que Lênin — fazem parte dos melhores textos da literatura marxista ainda hoje.
Mas, assim como Trotsky — e por mais tempo que ele — Luxemburgo não retirou do revisionismo as mesmas conclusões organizativas que Lênin. Mesmo depois de 4 de agosto de 1914, quando formou o Gruppe Internationale, mais tarde chamado de Spartakusbund [Liga Espartaquista], Luxemburgo não rompeu formalmente com o SPD. Seu slogan era: “Não abandone o partido, mude o rumo do partido”.
Em 1915, os espartaquistas rejeitaram o chamado de Lênin por uma nova internacional na Conferência de Zimmerwald e, mais tarde, em março de 1919, o delegado do KPD para o primeiro congresso da Terceira Internacional, Hugo Eberlein, absteve-se na votação para a fundação da nova Internacional. Havia recebido do KPD a instrução de votar contra, mas foi persuadido em Moscou de que a decisão de fundar uma nova Internacional era correta — então se absteve.
Quando o SPD-Independente (USPD) foi formado em 1917 por membros do Reichstag [Parlamento Alemão] que haviam sido expulsos do SPD ao se recusarem a votar por novos créditos para a guerra, Luxemburgo e a Liga Espartaquista uniram-se a essa organização centrista, formando uma facção. Fizeram isso apesar de estarem entre os líderes mais proeminentes do USPD Karl Kautsky e Eduard Bernstein, líder teórico do revisionismo alemão.
Luxemburgo justifica isso em um artigo declarando que a Liga Espartaquista não se uniu ao USPD para diluir-se em uma oposição enfraquecida:
A Liga se uniu ao novo partido — confiante num agravamento cumulativo da situação social e trabalhando por isso — para impulsionar o partido adiante, para ser sua consciência encorajadora… E para tomar a direção do partido.5
Luxemburgo atacou severamente a Esquerda de Bremen — liderada por Karl Radek e Paul Frölich (posteriormente biógrafo de Luxemburgo) —, que se recusou a entrar para o USPD afirmando que isso seria uma perda de tempo. Ela caracterizou o partido independente defendido pela Esquerda como um Kleinküchensystem [“sistema de pequenas cozinhas”, sistema fragmentado] e escreveu:
É uma pena que esse sistema de pequenas cozinhas esqueceu-se do principal, as condições objetivas, que, em última análise, são decisivas e serão decisivas para a ação das massas… Não é suficiente que um punhado de pessoas tenha a melhor receita em seus bolsos e saiba como conduzir as massas. O pensamento das massas deve ser libertado das tradições dos últimos 50 anos. Isso só é possível com um grande processo de contínua auto-crítica interna do movimento como um todo.6
Foi somente em dezembro de 1918 — um mês após três líderes do USPD entrarem no governo provisório liderado pelos líderes de direita do SPD Friedrich Ebert e Philipp Scheidemann — que os espartaquistas romperam com o USPD. O governo de Ebert tornou-se o executor da Revolução de Novembro e, pouco depois, se aliou ao comando militar. O USPD, que já tinha cumprido seu papel, não era mais necessário.
Ao final do ano, em meio a violentas lutas revolucionárias, o KPD foi finalmente fundado pela Liga Espartaquista, pela Esquerda de Bremen e outras organizações de esquerda.
O atraso na fundação de um verdadeiro partido revolucionário, independente dos social-democratas e dos centristas, se deu por conta, até certo ponto, das muitas tendências ultra-esquerdistas que surgiram na Alemanha do início da década de 1920. A traição do SPD — primeiro em 1914, quando apoiou a guerra e, depois, em 1918, quando afogou a revolução em sangue — levou a uma reação entre os trabalhadores que, na ausência de uma organização resoluta de cunho bolchevique, buscaram diferentes formas ultra-esquerdistas ou mesmo anarquistas. Esse problema atormentaria o KPD por um longo tempo.
No congresso de fundação do KPD, Luxemburgo defendia, em minoria, a participação do partido na Assembléia Nacional. A maioria era contra. Também havia muitas outras tendências ultra-esquerdistas fora do partido.
Em abril de 1920, depois de uma revolta armada dos trabalhadores do Ruhr, a esquerda rachou e formou o KAPD [Partido Comunista Operário da Alemanha], promovendo ideias ultra- esquerdistas, anti-parlamentaristas e anarquistas. O KAPD levou consigo uma considerável parcela dos membros do KPD — de acordo com algumas fontes, a maioria. Mas, sem um programa coerente, desintegrou-se em pouco tempo. A Internacional Comunista, com algum sucesso, tentou reaver as seções ainda sãs do KAPD e até mesmo as convidou para um de seus congressos.
Entretanto, em 1919 foi principalmente o USPD que se beneficiou da guinada para a esquerda da classe operária. Na eleição de 1920 ao Reichstag, o SPD recebeu seis milhões de votos, o USPD cinco milhões e o KPD seiscentos mil.
O USPD foi um clássico partido centrista. A direção caminhava para a direita, cruzando com os trabalhadores, que caminhavam para a esquerda. Muitos trabalhadores que apoiavam o USPD admiravam a União Soviética. Os líderes de direita do USPD encontravam- se cada vez mais isolados. Com suas 21 condições para associação, o Segundo Congresso da Internacional Comunista aprofundou os rachas dentro do USPD.
Em dezembro de 1920, a maioria finalmente se uniu ao KPD — ou VKPD [Partido Comunista Unificado da Alemanha], como ficou conhecido por algum tempo. A minoria mais tarde voltou ao SPD. A fusão com o USPD multiplicou por cinco a quantidade de membros do KPD e transformou-o num partido de massas. Mas os novos membros trouxeram consigo muitos vícios do passado, vindos das tradições centristas do USPD.
Em março de 1921, uma revolta fracassada na Alemanha Central — a chamada Märzaktion [Ação de Março] — provocou uma nova crise nas fileiras do KPD. Depois que o governo nacional enviou unidades policiais às fábricas para desarmar os operários, o KPD e o KAPD chamaram a greve geral e a derrubada do governo nacional. Esse levante foi claramente prematuro e acabou numa derrota sangrenta.
Aproximadamente 2.000 trabalhadores foram mortos na luta e na violenta repressão que se seguiu. Por conseguinte, Paul Levi, amigo próximo de Rosa Luxemburgo e um dos principais líderes do partido, que corretamente se opôs ao levante desde o começo, atacou impiedosamente o partido em público. Ele foi expulso da organização e depois voltou ao SPD.
A Ação de Março na Alemanha foi o foco de todo o debate no Terceiro Congresso da Internacional Comunista, realizado de 22 de junho a 21 de julho de 1921, em Moscou. Trotsky mais tarde descreveu o Congresso como um “marco” e resumiu sua significância da seguinte forma:
Ele apontou o fato de que os recursos dos partidos comunistas, tanto política quanto organizativamente, não foram suficientes para a conquista do poder. Ele promoveu o slogan ‘Às massas,’ isto é, a conquista do poder através de uma conquista anterior das massas, realizada com base na vida e lutas cotidianas. As massas continuam vivendo sua vida cotidiana em uma época revolucionária, mesmo que de uma maneira de algum modo diferente…7
O Terceiro Congresso desenvolveu reivindicações transitórias, a tática da Frente Única e a palavra de ordem de governo operário para ganhar a confiança dos trabalhadores que ainda apoiavam os social-democratas. Insistiu também na importância da atuação dentro dos sindicatos.
Isso se chocou com a resistência furiosa das tendências de esquerda e ultra-esquerda do KPD, que promoviam a chamada “teoria ofensiva” e rejeitavam qualquer forma de compromisso, assim como o trabalho no parlamento e nos sindicatos. Eles eram apoiados por Nikolai Bukharin, que seria mais tarde o líder da Oposição de Direita, defensora de uma “ofensiva revolucionária ininterrupta”. Foi em resposta a essas tendências que Lênin escreveu seu folheto Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo.
Ao estudarmos esses conflitos, é notável que Lênin, assim como Trotsky, tenha tentado uma abordagem extremamente paciente em relação às diferentes facções do KPD. Eles tentaram educar, explicar, unir e prevenir rachas prematuros. Contiveram os esquentados que queriam expulsar do partido seus oponentes. Tentaram manter Levi no partido até que seu comportamento provocativo tornou isso impossível.
Durante o Terceiro Congresso, eles passaram horas discutindo em pequenos grupos com diferentes facções do KPD. Embora fossem intransigentes em relação à esquerda infantil, perceberam certo conservadorismo na direção do partido, que esses setores de esquerda atacavam. Em outras palavras, Lênin e Trotsky tentaram desenvolver uma direção balanceada e experiente, treinada para lidar com as contradições e reagir rapidamente assim que a situação se alterasse — o que entra em choque com as práticas que o Comintern desenvolveu sob a liderança de Stalin.
Um ano e meio após o Terceiro Congresso da Internacional Comunista, os conflitos internos ao KPD ainda não estavam resolvidos. Após a ocupação do Ruhr pelo exército francês, os conflitos entre a direção majoritária do partido e a oposição de esquerda irromperam novamente e com toda a força. As diferenças emergiram sobre a questão do apoio dado pelo KPD ao governo da ala esquerda do SPD na Saxônia, bem como sobre a política a ser adotada na região do Ruhr, ocupada pelos franceses.
Naquele momento, o partido era dirigido por Heinrich Brandler, membro fundador da Liga Espartaquista. Enquanto muitos dos esquerdistas passavam para a direita, uma nova facção de esquerda se agrupava sob direção de Ruth Fischer, Arkadi Maslow e — em menor grau — Ernst Thälmann. Fischer e Maslow eram ambos jovens intelectuais que ingressaram no movimento após a guerra. Tinham a maioria da seção de Berlim em seu apoio. Thälmann era um trabalhador que ingressara no KPD por meio do SPD-Independente (USPD), e era dirigente do partido em Hamburgo.
No dia 10 de janeiro caiu o governo do SPD na Saxônia e o KPD conduziu uma campanha pela Frente Única e por um governo dos trabalhadores. Enquanto isso, a maioria do SPD defendia uma coalizão com os partidos burgueses e apenas uma minoria de esquerda era a favor da aliança com o KPD. Este, por sua vez, desenvolveu uma forte e vigorosa agitação e apresentou um “Programa dos Trabalhadores”, que incluía as seguintes demandas: confisco das propriedades da antiga família real; armamento dos trabalhadores; desmantelamento do judiciário, da polícia e da administração governamental (parlamento); realização de um congresso de conselhos de fábricas e controle dos preços por comitês eleitos.
Tais reivindicações ganharam apoio dentro do SPD, onde a ala esquerda tornou-se maioria. Ela aceitava o “Programa dos Trabalhadores” com ressalvas: não admitia a dissolução do parlamento e a convocação de um congresso de conselhos de fábricas. Retirados esses pontos, um governo do SPD foi criado com o apoio do KPD.
Esse passo foi apoiado pela maioria do KPD, inclusive por Karl Radek, na época uma importante figura dirigente da Internacional, mas bastante denunciado pela esquerda do KPD. Estes viam seu apoio ao governo da Saxônia não como uma tática momentânea para ganhar os trabalhadores social-democratas, mas como uma adaptação aos social-democratas de esquerda, que consideravam iguais aos de direita. Suas suspeitas não eram infundadas, como mostraram os eventos ulteriores. Em 21 de outubro Brandler desmantelou a insurreição em preparo porque os social-democratas diziam não estar prontos para apoiá-la.
No Ruhr, o KPD distanciava-se bastante do SPD, que dava amplo apoio à campanha de “resistência passiva” do governo de Wilhelm Cuno. O gover- no Cuno, por sua vez, colaborava com gangues paramilitares — apoiadas secretamente pelo exército e compostas de elementos claramente fascistas — encorajando-as a realizar atos de sabotagem contra os franceses. Tais medidas atraíam reacionários e fascistas de toda Alemanha para o Ruhr. O SPD encontrou-se, portanto, em verdadeira aliança com essas forças.
O KPD denunciou o nacionalismo do SPD como uma repetição de sua política de 1914, quando votou pelos créditos da guerra imperialista, e opôs-se fortemente a ele. Chamava a luta tanto contra a ocupação francesa quanto contra o governo berlinense. Uma edição do Rote Fahne [Bandeira Vermelha, jornal do KPD] trazia a manchete “Lutar contra Poincaré e Cuno no Ruhr e em Spree”. Tal linha logo confirmou-se diante dos acontecimentos, quando os trabalhadores começaram a se rebelar contra as insuportáveis condições sociais, protestando contra a ocupação francesa, os industrialistas locais e o governo de Berlim.
Mas logo os líderes da esquerda do KPD assumiram uma posição diferente, que começaram a agitar nos encontros do partido em Ruhr. Ruth Fischer defendia a tomada das fábricas e minas pelos trabalhadores, a tomada do poder político e o estabelecimento da República Proletária do Ruhr. Essa República poderia, então, se tornar a base para um exército dos trabalhado- res que, por sua vez, “marcharia até a Alemanha Central e tomaria o poder em Berlim, destruindo de uma vez por to- das a contra-revolução nacionalista”.8
Sua linha era, na verdade, aventureira — uma repetição da Ação de Março de 1921. Um levante no Ruhr teria permanecido isolado e sem apoio no resto da Alemanha. Além disso, o Ruhr estava cheio de organizações fascistas e paramilitares que não aceitariam passivamente um levante operário. Os franceses, por sua vez, olhavam com bons olhos os protestos contra o governo alemão, mas assumiriam outra posição em relação a uma insurreição operária.
Diante do crescimento da briga entre as facções do KPD, Zinoviev, então secretário da Internacional Comunista, convidou os dois lados para Moscou, onde assumiram um compromisso. A Internacional concordava com o apoio dado ao SPD na Saxônia, embora criticasse algumas formulações, indicando que aquela era mais do que uma tática momentânea. Em relação ao Ruhr, rejeitou os planos de Fischer.
A resolução acordada, aprovada por unanimidade, não dava indicações de que a direção da Internacional estava atenta à velocidade dos eventos na Alemanha, ou mesmo que tirava quaisquer conclusões de tais eventos. Pelo contrário, a resolução dizia:
As diferenças surgem do lento desenvolvimento revolucionário da Alemanha e das dificuldades objetivas às quais isso conduz, alimentando, simultaneamente, divergências na direita e na esquerda.9
Em junho, Radek introduziu uma nova linha política que, posteriormente, confundiu e desorientou o KDP — era a chamada “Linha Schlageter”.
O KPD preocupava-se, há algum tempo, com o crescimento do fascismo na Alemanha. Em 22 de outubro, Mussolini tomou o poder em Roma, após uma campanha violenta de seus destacamentos armados, os fasci, contra as organizações operárias e trabalhadores militantes.
Na Alemanha, anteriormente, a remanescentes do exército imperial e a pequenos partidos anti-semitas. Mas, em 1923, começava a crescer e ganhar base social, embora muito menor que a de Hitler na década de 1930. Atividades contra os “criminosos de novembro”, os judeus e os estrangeiros encontravam apoio entre elementos déclassé da pequeno-burguesia, bem como entre alguns trabalhadores pauperizados pelo impacto da inflação. No Ruhr, membros da extrema-direita apresentavam-se como heróicos combatentes contra a ocupação francesa.
A Baviera, em particular, com suas largas áreas rurais, tornou-se praticamente um baluarte da extrema-direita. Após a repressão sangrenta à República Soviética de Munique, em 1919, a região tornou-se antro de organizações nacionalistas, fascistas e paramilitares.
Em 7 de abril, Albert Schlageter, um membro da Freikorps, foi preso pelo exército francês em Düsseldorf porque tinha participado de ataques a bomba contra as estradas de ferro. Foi sentenciado à morte por uma corte militar e executado em 26 de maio. A direita imediatamente o transformou num mártir. Na reunião do Comitê Executivo da Internacional Comunista (ECCI), em junho, Radek propôs que o KPD disputasse trabalhadores e elementos pequeno-burgueses seduzidos pelo fascismo, juntando-se à campanha de martirização de Schlageter e adaptando-se ao nacionalismo dos fascistas.
As massas pequeno-burguesas, diz Radek, os intelectuais e técnicos que desempenharão um importante papel na revolução, assumem a posição de um antagonismo nacional ao capitalismo, que os está relegando.
Se nós queremos constituir um partido dos trabalhadores, capaz de empreender a luta pelo poder, precisamos achar um caminho que possa nos aproximar das massas, e devemos encontrá-lo não por meio da diminuição de nossas responsabilidades, mas declarando que somente a classe trabalhadora pode salvar a nação.10
Mais tarde, na reunião, elogiou solenemente Schlageter que, embora fosse “um valente soldado da contra-revolu- ção”, ainda merecia “sinceras homenagens de nossa parte, como soldados da revolução”. “O ocorrido a esse mártir do nacionalismo alemão não deve ser esquecido ou meramente honrado com breves palavras”, afirma Radek. E defende ele:
Faremos de tudo para assegurar que homens como Schlageter, que estiveram prontos para dar suas vidas por uma causa comum, não se tornem viajantes no vazio, mas viajantes na direção de um futuro melhor para toda a humanidade.
A Linha Schlageter foi aceita pelo Rote Fahne e predominou por diversas semanas. Ela criou uma grande confusão entre as fileiras comunistas, que tinham resistido até então às pressões nacionalistas. Por outro lado, não há a mínima indicação de que tenha enfraquecido as fileiras nazistas — com a exceção de alguns poucos e desorientados nacional-bolcheviques, que entraram para o KPD e criaram muitos problemas antes que fosse possível livrar-se deles. A campanha Schalageter proveu de ampla mu- nição a propaganda anticomunista do SPD e tornou muito difícil para o Partido Comunista Francês (PCF) organizar a solidariedade dos soldados franceses aos trabalhadores alemães.
Enquanto Radek desenvolvia a Linha Schlageter, a luta de classes na Alemanha se intensificou. Em junho e julho, agitações e greves contra a alta dos preços estouraram por todo o país. Participavam com frequência centenas de milhares de trabalhadores, entre eles setores que jamais haviam participado de uma luta social. No começo de junho, por exemplo, 100.000 trabalhadores rurais e 10.000 diaristas entraram em greve em Brandenburgo.
Em 8 de agosto, o Chanceler Cuno se dirigiu ao Reichstag. Exigia novos cortes e ataques contra a classe trabalhadora e combinava tais demandas com o pedido de um voto de confiança. O SPD buscou se salvar pela abstenção.
Desenvolveu-se em seguida uma onda espontânea de greves, com início em Berlim, exigindo a renúncia do governo Cuno. Em 10 de agosto, uma conferência de representantes sindi- cais, sob pressão do SPD, rejeitou o chamado pela greve geral. Mas, no dia seguinte, uma conferência de conselhos de fábrica, apressadamente convocada pelo KPD, tomou a iniciativa e fez o que a conferência não havia feito. Três milhões e meio de trabalhadores participaram da greve. Em diversas cidades aconteceram batalhas com policiais e dezenas de trabalhadores morreram. No dia seguinte, o governo Cuno renunciou. As leis burguesas foram profundamente abaladas. “Nunca houve um período na história moderna alemã tão favorável para uma revolução socialista quanto o verão de 1923”, escreveu Arthur Rosenberg. Momentaneamente, o SPD salvou a burguesia. Contra considerável resistência em suas próprias fileiras, entrou num governo de coalizão liderado por Gustav Stresemenn do Deutsche Volkspartei (DVP — Partido Popular Alemão), um grande partido do empresariado.
Somente após as greves contra Cuno, em agosto, o KPD e a Internacional Comunista perceberam a oportunidade revolucionária que havia se aberto na Alemanha. Em 21 de agosto — ou seja, exatamente dois meses antes da insurreição cancelada por Brandler — o Birô Político do Partido Comunista Russo decidiu preparar-se para uma revolução na Alemanha. Formou uma“Comissão de Assuntos Internacionais” para supervisionar o trabalho. Ela era composta por Zinoviev, Kamenev, Radek, Stalin, Trotsky e Chicherin — e, depois, Dzerzhinsky, Pyatakov e Skolnikov.
Os dias e semanas que se seguiram foram marcados por numerosas discussões e contínua correspondência do Comintern com os líderes do KPD, que frequentemente viajavam a Moscou. O suporte financeiro, logístico e militar foi organizado para armar os Centenas, uma milícia revolucionária preparada nos meses anteriores. Em outubro, Radek, Pyatakov e Skolni- kov foram mandados para a Alemanha para preparar o levante.
Mas foi Trotsky quem lutou incansavelmente para superar o fatalismo e a complacência existentes na seção alemã e no Partido russo. Enquanto isso, Stalin escrevia a Zinoviev: “Na minha opinião, os alemães precisam ser contidos e não encorajados” e “Para nós, seria uma vantagem os fascistas entrarem em greve antes”. Trotsky insistiu que a insurreição devia ser preparada em um período de semanas, e não de meses, e a data definitiva devia ser escolhida.11
O que à primeira vista parecia apenas uma proposta organizativa — a escolha de uma data — era, na realidade, uma grande proposta política. De acordo com a preocupação de Trotsky, a principal tarefa do momento era concentrar todas as energias e atenções do partido no preparo da revolução. De uma preparação propagandística mais geral, ela tinha de passar à preparação prática da insurreição.
Durante o encontro do Birô Político do Partido Russo, em 21 de agosto, Trotsky disse:
O quão longe vai o ânimo das massas revolucionárias alemãs? A sensação de que estão no caminho da revolução — tal sentimento existe. O problema posto é o problema da preparação. O caos revolucionário não pode ser selado com borracha. A questão é: ou começamos já a revolução, ou a organizamos.
Trotsky alertou sobre o perigo de que fascistas bem organizados esmagassem ações descoordenadas dos trabalhadores e exigiu: “O KPD precisa escolher um tempo limite para a preparação, para a preparação militar e — em ritmo correspondente — para a agitação política”.
Tal linha sofreu forte oposição de Stalin. Ele argumentava contra um cronograma, alegando que “os trabalhadores continuam acreditando na social-democracia” e que o governo poderia durar por mais oito meses.12
Brandler, em uma carta para o Comitê Executivo da Internacional datada de 28 de agosto, também argumenta em favor de um período de preparação mais longo:
Eu não acredito que o governo Stresemann vá viver muito mais, escreve. Entretanto, não penso que a próxima onda, que já se aproxima, vá decidir a questão do poder. (…) Nós devemos tentar concentrar nossas forças para que possamos, se for inevitável, assumir a luta em seis semanas. Mas, ao mesmo tempo, devemos fazer os preparativos para estarmos prontos, com um trabalho mais sólido, em cinco meses.
Ele acrescenta que um período de seis a oito meses é o prazo mais provável.13
Em discussões posteriores entre a comissão russa e a liderança alemã, um mês depois, Trotsky voltou ao assunto do cronograma. Interrompeu uma discussão sobre o problema do Ruhr e disse:
Eu não compreendo por que tanta relevância é dada para o caso Ruhr. (…) O problema, agora, é tomar o poder na Alemanha. Essa é a tarefa, o restante decorrerá disso.
Trotsky respondeu, então, à preocupação de que os trabalhadores alemães lutariam por reivindicações econômicas, mas não tão facilmente por objetivos políticos:
A inibição política é nada mais do que uma certa dúvida, consequência das marcas que as derrotas anteriores deixaram no cérebro das massas. O partido só pode ganhar a classe trabalhadora alemã para a luta revolucionária decisiva — e a situação está aqui, agora — se convencer uma larga seção da classe trabalhadora, sua direção, de que também é organizacionalmente capaz de liderar a vitória no sentido mais concreto da palavra… Na expressão de tendências fatalistas pelo partido é que se encontra o grande perigo.
Trotsky explicou, em seguida, que o fatalismo pode assumir diferentes formas: primeiro, se diz que a situação é revolucionária, o que é repetido dia após dia. Isso se torna corriqueiro e a política passa a ser esperar pela revolução. Então, são dadas as armas aos trabalhadores e se diz que isso levará ao conflito armado. Mas, ainda assim, é apenas o “fatalismo armado”.
Através da informação repassada por seus camaradas alemães, Trotsky concluiu que eles concebiam a tarefa como fácil demais:
Se a revolução é para ser mais do que uma perspectiva confusa”, disse ele, “se é para ser a tarefa principal, deve ser tomada por uma tarefa prática, organizativa… É preciso estabelecer uma data, fazer a preparação e lutar.14
Em 23 de setembro, Trotsky publicou o seguinte artigo no Pravda: “Pode uma Contra-revolução ou Revolução ser Feita com Tempo Marcado?” Trotsky discutia a questão em termos gerais, sem mencionar a Alemanha, já que o pedido de definição de uma data para a revolução alemã por um representante-chave da direção soviética, como ele, poderia provocar uma crise internacional ou mesmo uma guerra. Mesmo assim, o artigo é uma contribuição à discussão sobre a Alemanha.
Uma data para o levante foi finalmente definida: 9 de novembro. Mas os eventos ganhavam velocidade.
Em 26 de setembro, o chanceler Stresemann anunciou o fim da resistência passiva contra a ocupação francesa do Vale do Ruhr. Argumentou que não havia outra maneira de controlar a hiperinflação. Isso provocou a extrema direita. No mesmo dia, o governo da Baviera decretou estado de emergência e instalou uma ditadura liderada por Ritter von Kahr. Von Kahr colaborou com os nazistas de Hitler e, imitando a marcha de Mussolini sobre Roma, planejou uma marcha em Berlim para instalar sua ditadura nacional. Von Kahr tinha o apoio do comandante das tropas da Reichswehr, posicionadas na Baviera.
O governo de Berlim reagiu estabelecendo sua própria forma de ditadura. Todo o poder executivo foi transferido ao Ministro da Defesa, que delegou-o ao General Hans von Seeckt, comandante da Reichswehr. Seeckt simpatizava com a extrema-direita e se recusava a disciplinar os comandantes bávaros rebelados. Líderes industriais como Hugo Stinnes apoiavam o plano de uma ditadura nacional, optando por Seeckt como ditador.
Em 13 de outubro, o Reichstag, depois de vários dias de discussão, aprovou uma lei abolindo as conquistas sociais da revolução de novembro, incluindo a jornada de 8 horas. O SPD votou a favor da lei no parlamento. Enquanto os ministros do SPD e outros planejavam novos ataques aos direitos dos trabalhadores, um golpe que lhes poderia custar a vida era preparado.
A Saxônia e a Turíngia eram os centros da resistência da classe trabalhadora às preparações contra-revolucionárias. Nos dois Estados, em 10 e 16 de outubro, respectivamente, o KPD juntou-se aos governos da esquerda do SPD. Isso era parte do plano elaborado em Moscou. Com a entrada em um governo de coalizão, o KPD esperava fortalecer sua posição e ter acesso a armas.
Mas, apesar do fato de que ambos os governos eram formados de acordo com a lei existente e dirigidos por uma maioria parlamentar, o comandante da Reichswehr na Saxônia, General Müller, se recusava a reconhecer a sua autoridade. Em concordância com o governo berlinense, submeteu a polícia ao seu próprio comando.
Ameaçado pela Baviera, que faz fronteira com a Saxônia e a Turíngia ao sul, e pelo governo central em Berlim, situado ao norte, o KPD precisou adiantar seus planos para a revolução. Chamou um congresso de conselhos de fábrica em Chemnitz, Saxônia, no dia 21 de outubro. O congresso deveria convocar uma greve geral e dar o sinal para a insurreição em toda a Alemanha.
Mas, como os social-democratas de esquerda não concordavam, Brandler cancelou os planos e interrompeu o levante. A maioria dos delegados teriam apoiado a convocação da greve geral, como Brandler escreveu em uma carta privada a Clara Zetkin, sua confidente próxima. Mas, mesmo assim, ele não quis agir sem o apoio dos social-democratas de esquerda. Como escreve:
Durante a conferência de Chemnitz eu percebi que não poderíamos, sob quaisquer circunstâncias, partir para a luta decisiva, uma vez que não havíamos conseguido convencer a esquerda do SPD a assinar a decisão de greve geral.
Apesar da massiva resistência, mudei o curso e evitei que nós, Comunistas, entrássemos em combate sozinhos. É claro que poderíamos ter obtido uma maioria de dois terços em favor da greve geral na conferência de Chemnitz. Mas o SPD teria deixado a conferência… E seus slogans confusos — sobre como a intervenção do Reich contra a Saxônia tinha simplesmente o propósito de ocultar a intervenção do Reich contra a Baviera — teriam quebrado nosso espírito de luta. Então, eu lutei conscientemente por um compromisso desagradável.15
A decisão de cancelar a revolução não chegou em Hamburgo a tempo. Lá, uma insurreição foi organizada, mas permaneceu isolada e foi derrotada dentro de três dias.
Embora o congresso de Chemnitz ainda estivesse reunido, o Reichswehr começou a ocupar a Saxônia. Conflitos armados causaram a morte de vários trabalhadores. Em 28 de outubro, o presidente Friedrich Ebert — um social-democrata — deu ordens ao Reichsexekution contra a Saxônia. Ordenou a remoção forçada do governo da Saxônia — encabeçado por Erich Zeigner, também um social-democrata — pelo Reichswehr. A indignação pública foi tão massiva, que o SPD foi obrigado a retirar-se do governo Stresemann em Berlim. Alguns dias depois, o Reichswehr entrou na Turíngia e removeu o governo local.
A deposição desses dois governos de esquerda por Ebert e Seeckt encorajou a extrema-direita da Baviera. No dia 8 de novembro, Adolf Hitler proclamou a “Revolução Nacional” em Munique e ensaiou um golpe. Seu objetivo era forçar o ditador da Baviera, Kahr, a marchar em Berlim e, lá, tomar o poder. Hitler foi apoiado pelo General Ludendorff, um dos comandantes militares mais altos da Primeira Guerra Mundial.
O golpe Hitler-Ludendorff falhou. Berlim já tinha se movido tanto para a direita que a direita da Baviera não precisava mais de uma figura tão dúbia como Hitler. Ebert se acomodou ao golpe, delegando o comando sobre todas as forças armadas e o poder executivo a Seeckt. Embora as instituições da República de Weimar ainda existissem formalmente, a Alemanha seria governada, então, por uma ditadura militar de facto até março de 1924.
Uma forma fácil de responder tal questão é lançar toda a culpa sobre Brandler. Essa foi a reação de Zinoviev e Stalin, que o transformaram num bode expiatório. Simultaneamente, acusaram o KPD (Partido Comunista Alemão) de ter fornecido informações erradas sobre a situação na Alemanha, exagerando seu potencial revolucionário. Desse modo, contestaram toda a avaliação sobre a qual havia se baseado o plano de insurreição.
Menos de três semanas após a insurreição ser abortada, Stalin e Zinoviev começaram a reinterpretar os eventos que transcorreram na Alemanha. Fizeram isso para encobrir seus próprios papéis no processo e iniciar seu combate fracional contra a Oposição de Esquerda, que começava a se articular (em 15 de outubro, surgia o primeiro documento importante da Oposição de Esquerda, a Declaração dos 46. Ao final de novembro, Trotsky escrevia O Novo Curso).
Trotsky rejeitou a abordagem simplista de Zinoviev e Stalin. Mesmo não concordando com a decisão de Brand- ler de abortar a insurreição, não a tomava como um evento isolado. Ao final do processo, Karl Radek, que esteve presente em Chemnitz como representante da Internacional Comunista, bem como o Zentrale alemão, a direção central do partido, também concordavam com Brandler.
A insistência de Brandler de que a revolução falharia — e de que os comunistas ficariam isolados caso começassem a insurreição sem o apoio dos social-democratas de esquerda — estava de acordo com erros anteriores atribuídos não somente a Brandler, mas à Internacional como um todo. Tanto a Internacional, dirigida por Zinoviev, quanto a direção do KPD (seu setor majoritário e seu setor esquerdista) desempenharam por longo tempo um papel passivo, tipicamente “centrista” diante dos eventos na Alemanha. Apesar das condições sociais e políticas terem mudado bastante após a ocupação francesa do Ruhr em janeiro, eles continuaram trabalhando com os métodos desenvolvidos no ano anterior, quando a revolução não estava imediatamente na agenda do partido.
Foi somente após longo tempo, no meio dos eventos de agosto, que mudaram de curso e começaram a preparar a insurreição. Isso deu-lhes apenas dois meses para o preparo, mas este era de caráter insuficiente, hesitante e deslocado.
Trotsky, num pronunciamento feito ao Congresso dos Trabalhadores Médicos e Veterinários da URSS, em junho de 1924, comentou a derrota. “Qual foi a causa fundamental da derrota do Partido Comunista Alemão?”, perguntou:
A seguinte: não apreciaram corretamente e no momento correto a crise revolucionária que se abriu com a ocupação do vale do Ruhr e, especialmente, com o final da resistência passiva (janeiro- junho de 1923). Perderam o momento crucial… Mesmo após o ataque ao Ruhr, continuaram com seu trabalho de agitação e propaganda com base na fórmula de Frente Única anterior ao ataque. Nesse meio tempo, a fórmula havia se tornado completamente insuficiente. A influência política do partido crescia automaticamente. Uma modificação tática era necessária.
Era necessário mostrar às massas, e acima de tudo ao partido, que se tratava, no momento, da imediata preparação para a tomada do poder. Era necessário consolidar e dar forma organizativa à crescente influência do partido e estabelecer as bases de apoio para a tomada direta do Estado. Era necessário transferir toda a organização do partido para a base das células operárias.
Era necessário formar novas células nas estradas de ferro. Era necessário suscitar o quanto antes a questão do trabalho dentro do exército. Era necessário, extremamente necessário, adaptar a tática de Frente Única total e completamente a essas tarefas, dar-lhe um ritmo mais decidido e resoluto, bem como um caráter mais revolucionário. Nessa base, um trabalho técnico-militar certamente poderia ter sido levado adiante…
A questão mais importante, entretanto, era esta: garantir dentro do tempo a mudança tática necessária e decisiva para a tomada do poder na Alemanha. O que não foi feito. Essa foi a principal — e fatal — omissão. Dela surgiu a contradição central. De um lado, o partido esperava uma revolução, enquanto que, de outro, por ter perdido os dedos nos eventos de março [Trotsky se refere a 1921], evitou, até os últimos meses de 1923, a ideia de organizar a revolução, ou seja, preparar a insurreição. A atividade política do partido estava carregada de uma atmosfera pacífica no momento em que a cena final se aproximava.
A data para a insurreição foi finalmente fixada quando, como um todo, o inimigo já havia usado do tempo perdido pelo partido para fortalecer sua posição. A preparação técnico-militar do partido, que começou numa velocidade febril, estava divorciada de sua atividade política, carregada anteriormente por uma atmosfera pacífica. As massas não compreendiam o partido e não marcharam junto com ele. O partido sentiu-se subitamente separado das massas e ficou paralisado. Disso resultou a imediata retirada da linha de frente, sem mesmo haver combate — a pior de todas as derrotas.16
Teria sido possível organizar, em 1923, uma insurreição vitoriosa em toda a Alemanha?
Há um grande número de relatos de dirigentes comunistas alemães, assim como de líderes e especialistas militares da III Internacional presentes na Alemanha naquele momento, que declaram haver um péssimo preparo para a insurreição. Os destacamentos de luta — os Centenas — estavam formados e treinados, mas mal possuíam armas. O aparato de propaganda do KPD — devido às perseguições e à repressão — estava em estado lastimável. A comunicação e a coordenação do partido entre as diversas regiões funcionavam muito mal.
Por outro lado, os trabalhadores que lutaram em Hamburgo demonstraram um alto grau de coragem, disciplina e eficiência. Apenas 300 trabalhadores lutaram nas barricadas, mas alcançaram uma ampla e positiva — embora passiva — resposta por parte da população.
Em seu pronunciamento aos trabalhadores médicos e veterinários, Trotsky ressaltou que a própria dinâmica do processo revolucionário deveria ser levada em conta. “Os comunistas tinham atrás de si a maioria das massas trabalhadoras?”, perguntou:
Essa é uma questão que não pode ser respondida por meio de estatísticas. Somente pode ser respondida pela dinâmica da revolução. As massas compartilhavam de um espírito de luta? Toda a história do ano de 1923 não deixa dúvidas sobre isso.
Sob tais condições, as massas apenas poderiam seguir adiante se existisse uma direção resoluta, auto-confiante, assim como uma confiança das massas nessa direção. Discussões a respeito do ânimo das massas, se era de luta ou não, possuem um caráter muito subjetivo e expressam essencialmente a falta de confiança que paira sobre os líderes do próprio partido.17
A capitulação sem luta foi certamente o pior resultado possível dos eventos transcorridos na Alemanha. Ela desmoralizou e desorganizou o KPD e criou as condições para que a elite dominante e os militares continuassem com a ofensiva e consolidassem o poder. Trotsky, então, insistiu que as lições da derrota alemã deviam ser tiradas duramente. Rejeitou os argumentos de bodes-expiatórios isolados, que surgiram somente para evitar as discussões políticas mais fundamentais. Tirar tais lições não era somente indispensável para preparar a direção alemã para as oportunidades revolucionárias futuras, que inevitavelmente surgiriam, mas também era crucial para todas as seções da Internacional, que se deparariam com desafios e problemas muito similares.
Trotsky notou que as lições da Revolução Russa de Outubro — a única revolução proletária bem sucedida da história — nunca tinham sido devidamente traçadas. No verão de 1924, publicou o livro Lições de Outubro, examinando o bem sucedido Outubro Russo à luz da derrota do Outubro Alemão.
Ele insistia na necessidade “de estudar as leis e métodos da revolução pro- letária”. Afirmou existirem questões que todo Partido Comunista enfrenta quando entra num período revolucionário:
Regra geral, as crises no partido surgem a cada mudança importante, como seu prelúdio ou consequência. É que cada período de desenvolvimento do partido tem seus traços especiais, exigindo determinados hábitos ou métodos de trabalho. Uma mudança tática acarreta uma ruptura mais ou menos importante nesses hábitos e métodos: aí reside a causa direta dos fracionamentos e das crises internas ao partido.
Trotsky então cita Lênin, que escreveu em julho de 1917:
Acontece muito frequentemente que, quando a história faz uma curva abrupta, até os partidos mais avançados não são capazes, por um espaço de tempo mais ou menos longo, de se habituar às novas condições. Continuam repetindo as palavras de ordem que, embora justas ontem, hoje perderam todo o sentido; coisa que acontece tão ‘subitamente’ quanto a própria mudança histórica.
Assim, conclui Trotsky, surge o perigo: se a mudança ocorreu de maneira demasiadamente brusca ou inesperada e se, no período precedente, o partido acumulou demasiados elementos de inércia e de conservadorismo em seus órgãos dirigentes, esse partido se revelará incapaz de assumir a direção no momento mais grave, para o qual se preparou durante anos ou dezenas de anos. O Partido se deixará corroer por uma crise e o movimento se processará sem objetivo, semeando a derrota.
Ora, a mudança mais brusca é aquela em que o partido do proletariado passa da preparação, propaganda, organização e agitação para a luta direta pelo poder, à insurreição armada contra a burguesia. Tudo o que há de irresoluto, cético, conciliador, capitulacionista — em uma palavra, menchevique — no interior do partido ergue-se contra a insurreição e busca fórmulas teóricas para a sua oposição, encontrando-as já preparadas nos adversários de ontem, os oportunistas. Ainda teremos de observar muitas vezes este fenômeno.18
Zinoviev e Stalin rejeitaram a análise de Trotsky. Guiados por motivos fracionários e subjetivos, falsificaram os eventos na Alemanha, cobrindo seus próprios rastros e fazendo de Brandler o bode expiatório para todos os erros. As consequências foram desastrosas. A direção do KPD foi substituída — pela quinta vez em cinco anos — sem qualquer lição ser retirada do processo.
Como Radek apontou — em uma disputa acalorada com Stalin na reunião do Comitê Central do partido russo, em janeiro de 1924 — quadros marxistas experientes foram trocados tanto por pessoas que possuíam experiência no centrista USPD (SPD-Independente) quanto por pessoas que mal possuíam experiência revolucionária. Heinrich Brandler, um membro fundador da Liga Espartaquista com uma história de 25 anos no movimento, foi substituído por Ruth Fischer e Arkadi Maslow, jovens intelectuais vindos de um rico ambiente burguês e desprovidos de passado revolucionário. O grupo que agora formaria a maior parte da nova direção entrara no KPD apenas em dezembro de 1920, quando a esquerda do centrista USPD se uniu ao KPD.
A mudança na direção “acertou” o caminho — após perseguições e novas modificações nos anos seguintes — para a total subordinação do KPD aos ditados de Stalin. Tal fato revelou ter consequências devastadoras 10 anos depois, quando a desastrosa linha do KPD pavimentou o caminho de Hitler ao poder. O alinhamento de Stalin com a esquerda de Fischer e Maslow foi particularmente cínico, uma vez que ele sempre apoiara as posições mais direitistas durante o andamento dos eventos. Stalin ganhou a aliança de Maslow — que estava sob investigação por ter fornecido informações à polícia durante os eventos de março de 1921 — livrando-o das acusações.
Até mesmo a teoria do social-fascismo, que iguala a social-democracia ao fascismo, achou sua primeira expressão num documento sobre os eventos alemães, esquematizado por Zinoviev e adotado pelo presidente do Comitê Executivo da Internacional contra a resistência da Oposição de Esquerda em janeiro de 1924. O documento diz:
As camadas dirigentes da social-democracia alemã apresentam nada mais do que uma facção do fascismo alemão sob uma máscara socialista.19
Depois que o partido falhou em passar a tempo da tática de Frente Única para a da luta pelo poder, Zinoviev e Stalin rejeitaram a Frente Única como um todo. A teoria do social-fascismo, que rejeitava qualquer forma de Frente Única anti-nazista com o SPD, foi ressuscitada em 1929 e teve um papel importante no desarmamento da classe trabalhadora em luta contra o fascismo.
Em 1928, Trotsky mais uma vez repetiu as lições básicas do Outubro Alemão. Criticando a esquemática do programa para o Sexto Congresso da Internacional Comunista, escreveu:
O papel do fator subjetivo em um período de desenvolvimento lento e orgânico pode permanecer um tanto subordinado. Assim, muitos provérbios sobre a graduação do processo podem surgir. Por exemplo: ‘devagar, mas certo’ ou ‘não adianta dar murro em ponta de faca’ e muitas outras máximas que resumem toda a sabedoria tática de nossa época, em sua repulsa ao ‘pular de etapas’. Mas, no momento em que as condições objetivas atingem a maturidade, a chave de todo o processo histórico passa para a condição subjetiva: o partido. O oportunismo, que consciente ou inconscientemente desenvolve-se com inspiração em épocas passadas, sempre tenta subestimar o papel do fator subjetivo, isto é, subestimar a importância do partido e da direção revolucionária. Tudo isso nos foi completamente revelado nas discussões a respeito do Outubro Alemão, do Comitê Anglo-Russo e da Revolução Chinesa. Em todos esses casos, assim como em outros de menor importância, a tendência oportunista evidenciou-se ao adotar uma via que cabia somente às ‘massas’, desprezando por completo o ‘topo’ da direção revolucionária. Tal atitude, que é errônea em geral, opera com conseqüências certamente fatais na época imperialista.20