A verdade está mais uma vez com a classe operária. Esta semana ela desmontou uma farsa montada pelos pelegos sindicais da CUT no ABC, e, para não deixar dúvidas, apontou novamente o caminho para a esquerda socialista nesta conjuntura.
Rafael Marques, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (o sindicato que deu base histórica à formação da CUT), passou parte da semana visitando grandes fábricas de sua base sindical. Seu intuito era conversar com operários na linha de montagem, sentir o ânimo da classe operária e encontrar palavras para uma formulação que desse a aparência de que os operários defendem o governo do PT. Marques vestiu sua camiseta vermelha (não do PT, claro), para ter ar combativo, e conversou com dezenas ou mais de uma centena de operários. Assim ele e seu grupo de pelegos conseguiram bolar uma formulação, a ser aprovada depois em assembleias metalúrgicas, que consistiria no seguinte: “os operários do ABC são contra um golpe (contra o fim da democracia) e contra a retirada de direitos”. Uma formulação abstrata o suficiente para ser aprovada em praticamente qualquer lugar no mundo em qualquer situação.
A farsa começou na assembleia dos operários da Ford, onde tal proposta abstrata e absurda foi aprovada. Deveria então seguir para Volkswagen, depois Mercedes, Scania, e grandes autopeças de Diadema, São Bernardo e Ribeirão Pires. Todavia, já na Volkswagen tudo veio abaixo. Após falar que a conjuntura é muito preocupante e exige união de todos, Rafael Marques começou uma defesa velada de Dilma; falou que era hora da união, independentemente de quem apoia o governo ou não: “Votar na Dilma ou não, é direito de qualquer um aqui; gostar do Lula ou não, é direito de qualquer um aqui”. Entretanto, ao ouvir o nome de Dilma e Lula, a massa irrompeu em gritaria e xingamentos (“cala a boca!”, “panelaço!!”), impossibilitando Marques de falar no caminhão de som.
Marques não se deu por vencido. Esperou a gritaria baixar e resolveu falar grosso. Fez um discurso sobre como todos que haviam votado em 2014, seja na Dilma, Aécio ou Marina, não votaram pela retirada de direitos, pois nenhum desses candidatos havia prometido retirar direitos, com reformas como a da previdência, a trabalhista, etc. Mas ao finalizar esse comentário, afirmou que esse consenso nacional acabou se concretizando na vencedora final, Dilma. Ao ouvir novamente o nome “Dilma” a massa irrompeu em revolta novamente, sincronizadamente, para acabar de vez com tramoia pelega: “Fora! Fora! Fora! Fora!”. Ouvia-se também: “Fora Dilma! Fora Dilma!”. Seguiu-se longa gritaria, que não parou mais. Marques tentou falar sobre unidade e um operário gritou: “Se unir pelos outros?”. Perdido, contra a voz da massa, questionou Marques: “Mas nós queremos defender os nossos empregos, ou não queremos? Queremos defender o nosso salário, ou não queremos? Queremos defender as nossas conquistas, ou não queremos?”. Com essas sintomáticas e reveladoras dúvidas acabou, frustrado, o teatrão que Marques e seus burocratas sindicais tentaram montar.
É claro que a classe operária quer defender os seus empregos e salários, mas ela já constatou, e há muito tempo, que não é possível defender empregos e salários apoiando ao mesmo tempo este governo, ou se calando sobre ele; que o governo do PT não é a solução, mas parte do problema; que o “econômico”, na verdade, não se separa hoje do “político”.
Foi com base na constatação desse ânimo operário que nós do MNN defendemos — e propusemos a toda a esquerda socialista que o fizesse — a bandeira do “Fora Dilma” em 2015, e agora propusemos também a bandeira do “Lula na prisão”. É preciso saber ouvir a classe operária pois ela é o único setor social capaz de dirigir a luta pelo controle e socialização dos meios de produção (e exatamente por isso é ela a vanguarda objetiva do conjunto do proletariado e demais setores explorados). A primeira determinação da linha política de uma organização revolucionária tem de ser na relação com a classe operária.
Todavia, a maioria da chamada esquerda parece ainda incapaz de ouvir a classe operária. A esquerda prefere falar e falar; sobrepor sua voz à da classe operária; calar a classe e criar um monólogo dogmático. Ela prefere ouvir os setores dissociados dos meios de produção: a pequena-burguesia ou frações miseráveis do proletariado, materialmente dependentes do Estado. A esquerda dita socialista brasileira teme acompanhar o descontentamento popular contra este governo, a favor do impeachment de Dilma e a favor da prisão de Lula, afinal, uma política ousada como essas poderia resultar num desarranjo de seu longo trabalho de construção política, de formiguinha, de doutrinação e conscientização, de ensinamento de seus pequenos dogmas sobre um “mundo melhor”, reformado e livre. O movimento da luta de classes, todavia, não permite tal tipo de política pequeno-burguesa.
A classe operária, apesar de sua enorme revolta, não consegue avançar pois esbarra na traição ou vacilação de seus “dirigentes”. A força da história é maior que a dos aparelhos burocráticos, e em pouco tempo a classe avançará sobre eles. Os que ficarem a meio do caminho, vacilando no semi-petismo, serão tragados pela falência do PT. Há exceções louváveis entre a esquerda socialista na atual conjuntura, como a dos companheiros da CSP-Conlutas que paralisaram importantes fábricas em São José dos Campos (EMBRAER, GM) contra o governo. Tais companheiros já constatam que não há outra via senão a da revolta operária e popular contra o governo e a crise. É preciso adentrar essa via e avançar, pois dela renascerá, em nível superior, a esquerda socialista brasileira no próximo período. Sobretudo se a classe operária tiver um papel relevante na derrubada deste governo, uma nova vanguarda se consolidará politicamente nos locais de trabalho, colocando em novo patamar a resistência contra o desemprego e a inflação.