Para o próximo dia 05/12, as centrais sindicais brasileiras preparam um dia de paralisação nacional da classe trabalhadora contra a reforma da previdência e contra a retirada de alguns de seus direitos históricos (como os retirados pela reforma trabalhista). A data surgiu de uma reunião repentina chamada pela Força Sindical na última sexta, dia 24/11. A paralisação é uma iniciativa importante e necessária, dado que a reforma visa a limitar a previdência pública da esmagadora maioria da população brasileira. Portanto, os lutadores devem não só apoiar essa iniciativa das centrais sindicais — por mais ressalvas que se possa ter a elas —, mas devem também lutar com todas as suas energias para que esse dia de luta seja forte.
É preciso refletir sobre o porquê de a classe burguesa — por meio de seu governo — desferir esse ataque contra a classe trabalhadora neste momento. A verdade é que a burguesia precisa destruir hoje grande parte dos serviços fornecidos pelo Estado à população. Essa tendência é mundial. Tais serviços, no Brasil, são uma cópia malfeita daqueles fornecidos pelo Estado burguês às populações de outras nações capitalistas avançadas, onde, por tradição histórica, há antiga concentração de capital. Falamos dos chamados “Estados de Bem Estar Social”, erguidos sobretudo no pós-segunda guerra mundial como forma de neutralizar ou conter o movimento revolucionário da classe trabalhadora. Atendeu-se a algumas reivindicações do movimento dos trabalhadores, sempre com a preocupação de que não fugisse dos limites de reformas dentro dos quadros da sociedade burguesa.
Pois bem, esse período acabou. Isso é o que anunciam todos os dados de crise capitalista elencados em âmbito mundial. Todos eles retomam elementos da crise pela qual passamos — crise de 2007 — como de magnitude que nos faz retornar à década de 1930. No Brasil, como se viu, a crise que se manifestou com atraso, sobretudo a partir de meados de 2013, representou uma queda na produtividade da economia só equiparável à crise de 1929 e 1930. Ou seja, o que queremos dizer é: tudo o que foi criado pelo capital nos últimos setenta anos, tendo como ponto de referência a reconstrução do pós segunda-guerra, é hoje destruído em patamar não visto (nem mesmo nas crises cíclicas que precederam a de 2007).
O grande capital internacional tem de devastar esses serviços, esses espaços relativamente neutros do Estado, criados a partir da pressão da classe operária mundial na primeira metade do século XX. A burguesia buscará sim privatizar tudo o que puder da produção energética nacional, da indústria de transportes, da indústria da saúde e seguridade social (previdência) e outras. O que não for lucrativo para ela, será simplesmente destruído como serviço do Estado burguês e transformado em atividade das (em geral suspeitas) Organização Não-Governamentais (ONGs), que atuarão nos vácuos e franjas do Estado falido.
Mas essa expressão “Estado falido“ é perigosa. Falido, para quem? Do ponto de vista de quem? Na verdade, o Estado nunca funcionou tanto e tão bem para o que deve funcionar — reprimir, roubar a classe trabalhadora e manter um setor social miserável permanentemente na miséria, numa instabilidade suficiente para que pressione sempre o proletariado produtivo. É para isso que serve, essencialmente, o Estado. Ele é falido, portanto, do ponto de vista da classe trabalhadora, mas não é falido do ponto de vista dos capitalistas. Do ponto de vista dos capitalistas, ele nunca esteve tão próximo de sua essência racional, de sua realização na história.
É preciso entender mais a fundo por que o Estado necessita, hoje, privatizar mais elementos e destruir serviços sociais que prestava. Estão corretos os companheiros que dizem que isso é para “pagar as dívidas públicas interna e externa”. Todavia, em geral isso é apresentado como algo a ser combatido meramente porque mantém um grande setor de “rentistas” vivendo às custas da dívida pública e porque tal situação impede necessariamente a ampliação de “direitos sociais”. Em parte isso é verdade e em parte é mentira. Ao delinearem esse eixo de análise, em geral os companheiros desenvolvem um discurso vazio de mera demonização do capital financeiro e, por outro lado, desenvolvem a perspectiva de luta dos trabalhadores pelo aumento de “direitos” no Estado burguês (ampliação do sistema de saúde, de educação, de moradia, etc). A análise simplista de que o problema está no pagamento da dívida pública encobre um problema de fundo mais relevante para o próprio capitalismo, bem como, no campo político da ação, ao ater-se apenas à esfera da circulação do capital — ao capital financeiro, à função de capital-monetário para o capital-industrial —, não apresenta uma perspectiva real de superação do problema dado propriamente na instância de exploração da força de trabalho pelos capitalistas.
Os burgueses não precisam cortar serviços para simplesmente pagar mais a “dívida”. Analisar até esse limite nos coloca também um limite político, um limite de luta apenas na perspectiva da circulação capitalista — o limite de lutar por mais “direitos”. Ora, nenhuma luta por “mais direitos” resolverá a situação da classe trabalhadora no atual momento histórico. É verdade que temos de impedir que os direitos atuais sejam retirados, mas lutar por “mais direitos” é outra coisa, que limita a real perspectiva de mudança. O problema é mais profundo, tem de ser compreendido como mais profundo e a estratégia de luta, revolucionária, do proletariado, tem de ser muito mais profunda para resolver as contradições reais colocadas no seio da sociedade capitalista.
Os capitalistas precisam cortar os serviços, para em seguida ampliar o pagamento da dívida e, assim, ampliar os bancos… Mas tudo isso porque há hoje um limite, em dimensão do capital financeiro e do crédito fornecido por este, que dificulta a reprodução global do sistema na gigantesca escala de que necessita hoje. Não há a potência social do capital, em sua forma de capital-dinheiro disponível, para a reprodução global do sistema. Por isso é necessário roubar toda a nação em escala ampliada. Isso se dá não apenas internamente, mas em todos os países. Sabe-se que os maiores bancos europeus estão no limite da quebradeira. Se eles caem do dia para a noite, que será do dinheiro inicial dos capitalistas industriais associados para iniciarem seus investimentos produtivos?
Assim, não se trata de fazer uma mera demonização do “capital financeiro” — eles são apenas instrumentalizados pelo capital-industrial (e bem remunerados para isso). Não se trata também de conduzir uma perspectiva de mudança meramente a partir da esfera da circulação, de lutar por direitos. Trata-se de compreender que há uma crise fundamental e profunda despontando, em âmbito mundial, entre a insuficiência de capital-dinheiro para a dimensão do investimento produtivo que hoje se coloca como necessidade social do capital. O capital-industrial, que demanda esse crédito, evidentemente não é mais “bonzinho” — como pregam há décadas os petistas e alguns dos seus variantes — do que o terrível capital financeiro. Todos estão associados, mas o problema dado é de reprodução do capital em escala ampliada, e a possibilidade de estouro de uma crise no processo de metamorfose do capital de seu ciclo de dinheiro para o seu ciclo produtivo. O problema, para o sistema, é o risco de incapacidade de extrair mais-valia na dimensão necessária amanhã para combater a tendência à queda da taxa de lucro do sistema.
Bom, tudo isso ocorre por um lado — por cima da classe trabalhadora, digamos. É assim a forma “por cima” como a burguesia resolve a coisa na sociedade capitalista. Por cima da classe trabalhadora, esmagando-a por meio de modificações no funcionamento de seu Estado, retirando direitos históricos, cortando seguridade social. Mas há também a outra forma, por baixo. Por baixo, rouba-se o terreno do chão da fábrica — é a mexicanização das relações trabalhistas no Brasil. É a reforma trabalhista, cujo eixo é a flexibilização das relações de trabalho, permitindo ampliar as jornadas e quebrando a ação e representação coletivas da classe trabalhadora. A ideia é colocar o trabalhador frente a frente com o patrão, em “comissões especiais”, para negociar com a burguesia, sem a intermediação de seus sindicatos. O trabalhador individual, como falamos, não existe. Aliás, o próprio capital ignora a sua existência na hora do trabalho, e explora o trabalhador coletivo, a potência comum dos trabalhadores associados por meio da cooperação no trabalho. O trabalhador individual, isolado, fraco, só existe para a burguesia na hora da negociação, na hora do contrato, na hora de definir salário e horas de trabalho, e quanto menos intermediários houver — sobretudo aqueles que representam, mesmo que contraditoriamente, a potência comum da classe trabalhadora, como os sindicatos — quanto menos intermediários houver, melhor para o capital.
Assim, por baixo, por cima, por todos os lados, o trabalhador é esmagado pelo capital. O próprio teto dos gastos públicos do Estado, aprovado há alguns meses no Brasil, já preparava o terreno para esses dois ataques — a reforma da previdência e reforma trabalhista. Portanto, esses dois ataques não devem ser pensados como desconexos — um como da circulação, voltado a meramente fortalecer rentistas nacionais, e outro como da produção, voltado a piorar as condições de trabalho. Isso é superficial. Esses dois ataques têm de ser pensados como duas mãos que agem ao mesmo tempo, por cima e por baixo, visando a esmagar a classe trabalhadora, visando a ampliar a exploração no local de trabalho, a resolver os problemas de extração de mais-valia que o capital, no âmbito fundamental da produção, não consegue mais resolver. A reforma da previdência não é um problema do longínquo “Estado”, mas da reprodução do capital-produtivo.
As duas reformas são uma coisa só e devem ser combatidas como uma coisa só pela ação comum, unificada e consciente da classe trabalhadora. Contra elas, neste momento, devemos fazer unidade com o diabo e a avó do diabo. É preciso saber participar do convite à luta feito pelo único setor capaz de colocar em movimento hoje os batalhões da classe trabalhadora, as centrais sindicais. Estariam elas mais preocupadas com o seu? Com garantir o imposto sindical? Pode ser. Tende mesmo a ser. É estranho a Força Sindical chamar de supetão todas as centrais sindicais para negociar um dia de paralisação? Sim, é estranho, mas a contradição é dela e não nossa. O que importa é que as centrais são obrigadas a se mexer alegando que são contra as reformas e ataques da burguesia. É nessa brecha que devem entrar os revolucionários; eles aproveitam-na para se relacionar com o movimento real da classe trabalhadora.
Neste dia 05/12, será o momento de erguer, da forma mais forte e ampla possível, a frente única da classe trabalhadora. Paralisar os locais de trabalho e tomar as ruas contra a vontade do capital, expressas por seu governo de plantão. Será o momento de dizer, em alto e bom som:
NÃO À REFORMA DA PREVIDÊNCIA!
REVOGAÇÃO DA REFORMA TRABALHISTA!