A última pesquisa eleitoral do Datafolha (divulgada dia 15/04) é interessante pois mostra algumas tendências da atual conjuntura. Todavia, o que apresentaremos abaixo nos parece apenas uma tendência geral; está sujeito a alterações. A conjuntura é explosiva, como sempre reafirmamos, e muitas variáveis novas podem surgir.
Pensamos que a conjuntura tende a se encaminhar para uma situação sem Lula. Ainda que este possa ser solto, sua condenação em segunda instância torna-o ficha suja. As chances da revisão da condenação em segunda instância no STF parecem agora mínimas. As chances de Lula ser absolvido por uma terceira instância judicial — STJ — ou mesmo quarta instância — STF — também são pequenas. Se solto, graças a algum HC ou outro recurso, Lula pode fazer campanha e talvez até participar da eleição, mas seus votos seriam impugnados, dado que é ficha-suja.
A probabilidade de o próprio Lula apostar numa via dessas — tentar ser eleito como ficha suja — nos parece pequena, seja pelo seu histórico de respeitar decisões judiciais, seja por uma possível ação incisiva do TSE contra Lula. Lembremos que o TSE será presidido por Luiz Fux no período de registro das candidaturas. Fux afirmou ser contra até mesmo a discussão da admissibilidade da candidatura de Lula. Para ele, a candidatura será negada de antemão em agosto.
O PT, pragmático como é, já se prepara para uma eleição sem Lula; já deve trabalha os candidatos que apoiará, visando a não ver seu espólio tão destruído rapidamente.
Chama-nos a atenção na pesquisa Datafolha o fato de que sem Lula há um arrefecimento dos polos antagônicos — a oposição Lula-Bolsonaro desaparece — e uma tendência ao chamado “centro” na política. Claro, como já discutimos, essas noções usuais de esquerda, centro e direita são equivocadas, mas o que queremos reafirmar é uma tendência a arrefecimento, uma tendência de apaziguamento e diluição geral.
Lula registrou 31% na pesquisa, feita pouco após sua prisão. Na pesquisa anterior, marcava 37%. Em que pese as duas pesquisas serem feitas com variáveis diferentes — sobretudo porque a anterior à prisão não tinha Joaquim Barbosa como um elemento definido —, pensamos que é possível afirmar que Lula sai seriamente prejudicado pela prisão. Nos parece ser possível afirmar que há uma tendência geral a Lula se enfraquecer diante do eleitorado, à medida que sua condenação e prisão aparecem não só como fato consumado, mas também como crime a ser repudiado.
Sem Lula, Bolsonaro fica praticamente intacto; não é favorecido. Vale lembrar que Bolsonaro tem uma reprovação recorde, o que o faz aparecer como perdedor em todos os cenários de segundo turno, contra todos os demais grandes candidatos. Enfim, sem Lula, Bolsonaro não se mexe e demais candidatos sobem. Marina Silva vai a 15% (e em alguns cenários a 16%), empatando tecnicamente com Bolsonaro (17%). Em seguida aparecem empatados Joaquim Barbosa e Ciro Gomes, ambos com 9 ou 10%.
Os que mais se beneficiam com a saída de Lula são Marina Silva (que vai de 10% a 15%) e Ciro gomes (que vai de 5% a 9%). Joaquim Barbosa aparece com 8% no cenário com Lula e 9% no cenário sem. Ou seja, os votos de Joaquim praticamente não migraram dos lulistas; são, possivelmente, votos de Alckmin e talvez até de Bolsonaro.
Em linhas gerais, se a tendência atual se confirmar, as candidaturas de Marina, Joaquim e Ciro devem se erguer, no mesmo processo em que a de Bolsonaro e Lula afundam. Cogita-se até uma candidatura combinada de Marina e Barbosa (como ocorreu em 2014, quanto Marina foi vice de Eduardo Campos, do PSB). Ou seja, uma dobradinha PSB-Rede. Não se sabe ainda quem encabeçaria, mas uma chapa assim se tornaria forte. Por outro lado, confirma-se a tendência de Lula e o PT aproximarem-se de Ciro Gomes. Cogita-se até a entrada de Haddad como vice de Ciro (e, nesta última segunda, dia 23, Ciro e Haddad encontraram-se sob os auspícios de… Delfim Netto e Bresser-Pereira! Faltou apenas FHC).
Não se deve desconsiderar o fato de que 2/3 dos eleitores de Lula, segundo eles próprios declararam à pesquisa, votariam em qualquer candidato apresentado pelo ex-presidente. Ou seja, há 20% de votos a crescer ainda sobre o candidato que tiver o beneplácito de Lula. Ciro, se essa tendência se confirmar — com possível apoio do PT —, representará o apoio do nordeste a Lula. Já Barbosa-Marina representarão mais a posição do sudeste-sul anti-lulistas. Essas duas regiões — esse polo sudeste-nordeste — representam uma complementação econômica da realidade brasileira, um desenvolvimento desigual e combinado de nosso capitalismo, que se completa assim e assim se representa na política.
Deve-se considerar ainda que o PSDB e o MDB tendem a naufragar. O PSDB pagará caro por ter apoiado Temer. Assim como em 2016 foi a vez de o PT ser praticamente varrido em prefeituras e governos, agora será a vez do PSDB. Alckmin não se mexeu nas pesquisas eleitorais, desde janeiro. Na realidade, em alguns cenários (com Lula), Alckmin chega a perder 1% de voto (talvez para Barbosa, o único elemento oficialmente novo na campanha). Claro, tudo dentro da margem de erro de 7%, da qual Alckmin não sai. Sobretudo Joaquim Barbosa parece ser um empecilho para seu crescimento, mas não o único. Também Álvaro Dias (Podemos) aparece relativamente bem localizado, com 4% dos votos. O que vale notar é que Álvaro Dias (ex-deputado, ex-governador e senador pelo Paraná) é ex-tucano de proeminência. Álvaro Dias come os votos de Alckmin no Paraná, uma das principais bases eleitorais do tucanato depois de SP e MG.
Além disso, Alckmin afunda nos casos de corrupção que lhe perseguem os calcanhares, bem como com o cheiro putrefato da entourage tucana. O que mais fede podridão é Aécio Neves, agora piada nacional. Mas também Beto Richa (governador do Paraná pelo PSDB) é agora investigado na Lava-Jato, por irregularidades (corrupção) na concessão de rodovias em seu estado. E, lembremos, há todo o caso diretamente às voltas de Alckmin tratando da corrupção na CPTM, bem como o crime de caixa-dois eleitoral (R$ 10 milhões da Odebrecht), e o caso do operador financeiro dos tucanos, Paulo Preto, ex-diretor da DERSA, acusado de envolvimento com desvios no Rodoanel. O caso chega a todo o grupo paulista, com destaque a Ackmin e Serra.
Os tucanos pagarão caro por executarem, nos últimos anos, uma das táticas políticas mais burras já vistas na história do Brasil. Depois de tentarem impugnar a chapa Dilma-Temer, apoiaram a queda apenas de Dilma e coligaram-ao governo que, com um processo na justiça, buscaram impugnar. Agora afundam com esse governo nefasto. Alckmin acha que uma aliança PSDB-MDB lhe dará grande tempo de televisão e grandes oportunidades. Não percebe que uma aliança com o MDB lhe retirará ainda mais votos? Esses sujeitos pensam que se faz eleição neste ano como se fazia nos anos anteriores!
Por fim, é preciso notar que os tucanos se afundarão junto com o PT, revelando a falência do eixo político estruturante do atual ciclo democrático burguês. Agora devem se estabelecer reproduções desse eixo, figurações desse eixo, dessa polarização. Ou melhor, deve se estabelecer uma figuração mais amena, light, da polarização “coxinhas” e “mortadelas” (que ao final de 2014 e início de 2015 ainda era Dilma x Aécio). A forma mais branda dessa oposição, parece-nos, tende a ser a já apresentada, entre Ciro-Haddad de um lado e Barbosa-Marina de outro.
Ciro é uma figuração de Lula, mas mais branda, pois ao mesmo tempo não representa Lula. Ciro, que já passou por sete partidos, iniciou sua carreira na ARENA, passou um bom estágio no PSDB e depois virou satélite lulista. Trata-se de um lulista atucanado (como tantos outros, como o próprio Haddad). Do outro lado, como representação do atual maior antagonista nacional de Lula, ou seja, como representação de Sério Moro, aparece cada vez com mais destaque outro juiz, Joaquim Barbosa. Este, como sabem, foi responsável pela relatoria do caso do mensalão após 2005. Mas, ao mesmo tempo, em parte graças a Barbosa, o julgamento do mensalão se arrastou por muitos anos, esfriando a indignação nacional. Dos presos lá, praticamente todos estão livres hoje, ainda que de forma restrita (a exceção é Marcos Valério). Além disso, Barbosa apoiou Dilma contra o impeachment (o qual, entretanto, não chama de “golpe”).
Assim temos uma representação do pólo já diluído PT x PSDB. Já houvera diluição dos partidos quando deixou de ser Dilma x Aécio para se tornar Lula (maior que seu partido) x Sérgio Moro. Então virou “mortadelas” x “coxinhas” (para usar o infeliz jargão corrente). Agora nem mesmo essa expressão do pólo aparece mais; em seu lugar surge um quase lulista atucanado (Ciro), de um lado, e um jurista punitivista anti-lulista e favorável ao PT (Barbosa), do outro. É isso que falamos hoje de se tratar de uma versão light da polarização nacional, ou seja, de uma diluição.
Se se confirma essa análise, ela significa que o ciclo democrático-burguês – cujo eixo foi em grande medida o PT, tendo por antagonista o PSDB – se fecha em velocidade branda, com mediações, níveis intermediários. A velocidade do fechamento do atual ciclo histórico de dominação da burguesa dependeria, como falamos, da luta de classes. A ausência de direção política (revolucionária) da classe trabalhadora é ainda um elemento determinante para demarcar a velocidade dessa transição. Tudo fica mais brando, pois processos espontâneos tendem a arrefecer. Caso não haja uma reviravolta na conjuntura nacional, como já afirmamos, e Lula não seja chamado novamente para salvar a burguesia, a tendência maior é que este seja descartado finalmente após a eleição. Isso significará uma velocidade mais branda na mudança de regime, pois Lula seria peça-chave para encarnar (representar) a transição de regime para uma forma mais autoritária (populista). Esta forma mais autoritária, como falamos, é uma necessidade atual da dominação da burguesia, mas também esta classe, dada a sua crise política, pode ter dificuldades para realizar suas vontades.
A única coisa que poderia dar base a certa estabilidade temporária seria uma mudança na situação econômica nacional — ou seja, uma retomada da economia, que poderia dar base à manutenção mais longa do regime democrático-burguês, mesmo que sob figurações da velha política, do velho eixo partidário. Isso permitiria até, dentro de certos limites, uma regeneração do quadro partidário sob sua forma democrático-burguesa, mas não mais sob a polarização PT x PSDB. Algo relativamente novo seria instaurando, mas tenderia a não ter grande duração ou estabilidade, como teve o eixo da polarização anterior.
A tendência principal, parece-nos, ainda é de que essa possível etapa de fôlego do regime democrático-burguês sem o PT (e os tucanos) seja temporária. A situação econômica nacional não aparece apontar seriamente para recuperação. Pelo contrário, a economia se debate no fundo do poço, sem encontrar saída. E, para piorar, ainda que haja projeções de agências internacionais para crescimento da economia global e mesmo do Brasil, pensamos, como já analisamos algumas vezes, que há uma chance grande de paralisia da economia internacional capitalista e estouro desta em nova crise, puxada sobretudo por uma futura paralisia da economia norte-americana, altamente instável hoje.
Esse elemento, de não estabilidade econômica nacional (e agravamento graças à possível piora internacional) estará por baixo de uma não estabilidade burguesa no próximo período, mesmo sob candidatos “ilibados” e não envolvidos em corrupção. Isso faz, portanto, com que uma possível nova etapa de manutenção da ordem democrática, se houve, seja curta e instável. Ou seja, condições favoráveis para a luta da classe trabalhadora tenderão a se manter no próximo período (ainda que a velocidade de abertura das lutas possa ser mais branda, seguindo certo ritmo da política nacional). O enfraquecimento relativo dos aparatos de contenção da classe trabalhadora — sobretudo dos sindicatos lulistas — também deve ser um fator positivo, no próximo período, para o aumento das lutas de nossa classe, em defesa de suas condições de vida, de seus empregos e salário.
Tudo o que falamos, é claro, deve ainda ser confirmado cautelosamente nos próximos meses.