A organização Transição Socialista apoia a greve dos caminhoneiros na medida em que pode dar impulso a mais lutas da classe trabalhadora brasileira contra o governo burguês de Temer.
Esse “na medida em que”, todavia, evidencia que nosso apoio é crítico. O movimento deve ser analisado, antes de tudo, de um ponto de vista material, marxista. Nesse sentido, vemos limites no movimento. Até o momento ele não se mostrou hegemonicamente proletário, mas subordinado à pequena-burguesia e à burguesia da indústria do transporte (lembremos: transporte não é meramente circulação de mercadoria; é propriamente indústria, é um setor produtivo de mercadoria, extrai mais-valia, agrega valor, como ensina Marx na primeira seção do Livro 2 de O Capital). A greve foi iniciada pelo setor mais desesperado diante da alta do petróleo, o setor autônomo, pequeno-burguês, bem como pelo setor de pequenos empresários do transporte. Apenas agora (24/05) receberam oficialmente o apoio das grandes empresas transportadoras de carga.
A maioria do setor de transportes no Brasil, 70%, está na mão de empresários (grandes, médios e pequenos). Cerca de 30% está na mão de motoristas autônomos. O primeiro setor, na medida em que explora trabalho assalariado, é a burguesia; o segundo, na medida em que não explora, é a pequena-burguesia (detentora de sua pequena propriedade privada, seu próprio meio de produção, seu próprio caminhão). A reivindicação principal, dada a forma com que se iniciou o protesto, até agora está alheia ao caráter propriamente de classe do proletariado: reivindica-se diminuição nos custos produtivos (diminuição no valor do diesel, especificamente). As reivindicações propriamente proletárias, que giram em torno de estancar a extração de mais-valia na produção (ou seja, reajuste salarial e diminuição das horas de trabalho), praticamente inexistiram ou foram secundárias até agora. Ou seja, não é propriamente a classe operária do setor de transportes que está à frente do movimento, mas pequenos-proprietários (que merecem todo o nosso apoio) ou grandes proprietários. Esse caráter contraditório explica porque a movimentação recebeu o apoio da Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL, patronal que conduz o varejo brasileiro).
Somente esse caráter contraditório explica que o movimento é, de parte dos motoristas autônomos, propriamente uma greve, e, ao mesmo tempo, de parte dos grandes empresários do transporte, um lockout. Esse caráter contraditório tem de ser compreendido pela vanguarda da classe trabalhadora se quer realmente apoiar o movimento e explorar suas contradições internas no sentido de uma estratégia revolucionária.
O fundamental para se apoiar o movimento atual é o seguinte: não são propriamente os trabalhadores das grandes, médias e pequenas empresas que param, mas os proprietários, arrastados pelo setor proprietário pequeno-burguês, autônomo, desesperado diante da alta do diesel. O fato de ser este setor pequeno-burguês aquele à frente da manifestação até agora torna o conjunto do movimento progressista, na medida em que a pequena-burguesia pode assumir posições progressistas. Todavia, como sabemos, a pequena-burguesia, em última instância, não é capaz de dirigir nenhum movimento político – ou ela é dirigida pelos proletários (pelos trabalhadores das grandes empresas dos transportes e pelo conjunto da classe trabalhadora nacional) ou é dirigida pela burguesia (os grandes empresários do transporte).
O nosso apoio crítico à greve, como expressamos, é com a esperança de que esse contraditório movimento despertado pela pequena-burguesia possa, nesta conjuntura tão explosiva, ser endossado por lutas da classe trabalhadora pelo resto do país, tomando a frente da batalha contra o governo burguês de Temer!
Não podemos deixar de comentar que a maioria da esquerda brasileira hoje apoia a greve com um programa absolutamente errado: nacionalista e pequeno-burguês. Veja-se as posições de Guilherme Boulos, PSOL, PCB e… mesmo o PSTU – todos defendem que a saída é a “Petrobras ser nossa”, 100% estatal etc. Devemos questionar: que Estado é esse para o qual a Petrobras tem de ser “nossa”? Quem é esse “nós”? A abstração numa sociedade profundamente dividida em classes não serve para uma política revolucionária (na verdade, neutraliza-a) e é a expressão legítima de uma política pequeno-burguesa (que vê-se acima das classes). O Estado é burguês, a Petrobras estatal serve à burguesia nacional e, antes de tudo, internacional. Se a empresa for privatizada, seu caráter de classe não mudará.
Para boa parte da pequena-burguesia dita de esquerda (Boulos, parte do PT, PCB e parte do PSOL), o desastre teria começado na política de Pedro Parente. Assim, fazem uma defesa velada da política desastrosa de controle de preços executada por Dilma Roussef. Não à toa, são os mesmos grupos que defenderam contra o impeachment da presidenta. Fingem que o PT, que realizou uma das políticas mais submissas ao grande capital já vistas no Brasil, seria nacionalista, nacional-desenvolvimentista etc. Nada mais falso (basta ver o leilão do campo de libra). É essa mentira petista que esses grupos ajudam a alimentar hoje, como têm feito, aliás, em todas as ocasiões possíveis nos últimos anos. A essência de sua política é gerar confusão pequeno-burguesa no seio da classe trabalhadora.
A política nacionalista dessas organizações ditas de esquerda não é nada marxista, mas keynesiana: defendem que o fundamental é o Estado regular os preços artificialmente das mercadorias. Sua lógica de gestão pequeno-burguesa (neutra) do Estado burguês, não à toa, vai tão facilmente ao encontro das políticas da pequena-burguesia do transporte.
Já para parte da burguesia e seus comentadores na mídia, o desastre não seria resultado das políticas liberalizantes de Parente, mas ainda resultado das políticas de Dilma e sua claque corrupta petista-emedebista à frente da estatal.
Ora, tanto os comentadores pequeno-burgueses quanto os burgueses estão certos: o desastre é ao mesmo tempo resultado das políticas de Pedro Parente e de Dilma Roussef!
Mas nenhum desses pontos de vista oferece caminho à classe trabalhadora. A esta não cabe escolher entre os liberais ou os keynesianos, as duas almas absolutamente necessárias ao capital. À classe trabalhadora – independentemente de saber se é explorada pelo grande capital articulado pelo Estado burguês brasileiro ou diretamente pelo capital internacional – à classe trabalhadora importa saber se seu emprego e poder de compra estarão garantidos amanhã. À classe trabalhadora não importa o preço do diesel, nem das demais mercadorias, mas o preço da sua mercadoria força de trabalho (o seu salário). Para ela, todas as mercadorias podem subir, portanto que suba na mesma proporção seu salário. A ela é muito mais fácil controlar o próprio salário do que todas as outras mercadorias do mundo.
O que é necessário neste momento é desenvolver uma política salarial revolucionária entre os proletários do transporte (sobretudo das grandes empresas), e não deixá-los, com um discurso nacionalista, reféns da burguesia e pequena-burguesia do transporte. Ainda que isso não seja possível nesta mobilização específica, deve ser destacado desde já, para se preparar corretamente as demais lutas da categoria proletária do transporte amanhã.