Como falamos no editorial “Bolsolulismo versus Lava-jato“, esperávamos algo do STF a favor de Lula no dia 27/08. Ainda assim, achávamos difícil a soltura já de Lula por meio de um habeas corpus. Nossa expectativa se confirmou. No dia 27, o STF foi muito habilidoso; conseguiu fazer algo absolutamente favorável a Lula sem citar seu nome uma única vez. A Segunda Turma do STF, presidida por Carmen Lúcia, derrubou a condenação de Aldemir Bendine por Sérgio Moro. Bendine foi presidente da Petrobras e do Banco do Brasil em anos de governo do PT, e esteve metido em gigantescos casos de corrupção envolvendo a Odebrecht no Brasil e no exterior. Há já quanto a isso réus confessos…
Mas a condenação foi derrubada com um argumento falso da defesa de Bendine, rapidamente aceito pelo STF. Segundo os advogados de Bendine, seu cliente não teria tido prazo suficiente para defesa após as delações de outros réus. É mentira – as delações dos demais réus já estavam juntadas na peça de acusação do Ministério Público, já eram de conhecimento prévio da defesa e não foram alteradas até o fechamento do prazo dado a ambas as partes. Como revelou o jornalista Josias de Souza, o STF nem mesmo leu os autos do processo! Josias leu todas as páginas e não há alegações novas nas peças dos delatores! O argumento usado pelo STF para derrubar a condenação dada por Moro é absolutamente falso! Pelo contrário, como também demonstra Josias, Moro foi até generoso com a defesa, dando duas chances de inquirição ao réu.
Além disso, seria para possíveis situações de discrepância no prazo comum às partes que existem, por exemplo, diferentes instâncias judiciais. À primeira cabe, entre outras coisas, juntar provas (como as fornecidas pelos delatores), mas à segunda cabe reavaliar, se preciso, entre outras coisas, o timing geral do processo (e às demais cabe avaliar, entre outras coisas, erros de procedimento das instâncias anteriores). Bendine já havia sido condenado em segunda instância. Não houve portanto ilegalidade alguma (senão, digamos, da parte do STF, por flagrantemente ignorar os autos).
A despeito de tudo isso, três ministros da Segunda Turma – Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Carmen Lúcia – atenderam o pedido da defesa e derrubaram a condenação. Fachin posicionou-se pela manutenção da condenação (e Celso de Melo estava ausente, por licença médica). Carmen Lúcia, como se sabe, tem se aproximado cada vez mais de Gilmar Mendes.
Alberto Toron, advogado de Bendine, foi saudado em jantar com demais advogados de acusados da LJ como uma espécie de herói nacional. Todavia, o mérito não cabe tanto a ele, mas sobretudo à mudança de posição de Carmen Lúcia, que até ontem votava junto com Fachin, Barroso e Fux, puxando os indecisos – Rosa Weber e Celso de Melo – para o lado da LJ. Ainda assim, aguardava-se há tempos de Cármen a mudança de posição favorável a seu padrinho Lula e a seu tutor na corte, Gilmar Mendes. Realizou-se finalmente devido à mudança da correlação de forças no país, como resultado da crise da LJ por suas próprias contradições.
Trata-se, assim, de reviravolta fundamental, que abre espaço para queda da condenação de boa parte dos peixes-grandes condenados na LJ, entre eles o mais importante – Lula.
Apesar disso, elementos da crise política persistem. Houve novos dados da delação de Palocci, envolvendo Dilma e Márcio Thomaz Bastos na quebra da operação Castelo de Areia – espécie de pré-Lava Jato, que analisava a corrupção de grandes empreiteiras em todo o país, com destaque para a Camargo Correia. Palocci revelou que ajudou, junto a Dilma e Márcio Thomaz Bastos, em 2009, a subornar ministros do STJ, para afundar a operação. Obtiveram sucesso. Em parte, é o mesmo que hoje ocorre, mas com pressão de toda a “classe política” associada – Bolsonaro e os lulistas, Maia e os tucanos etc.
A crise continua. Novas revelações sobre Rodrigo Maia e suas relações com a Odebrecht aterrorizaram Bolsonaro, que teme que seja ampliada a instabilidade no parlamento. Bolsonaro necessita de Maia para se salvar, em caso de risco de impeachment. Motivos para um impeachment não faltam. Estima-se que Bolsonaro já tenha cometido cerca de 20 crimes de responsabilidade (dos quase 70 que cabem à autoridade suprema na constituição). A popularidade em queda rápida do presidente e a frágil base no Congresso criam condições perfeitas para a sua derrubada.
O caso mais grave envolvendo o presidente talvez seja o das denúncias em torno da hidrelétrica de Itaipu. A situação somente se complica a cada dia. Ao que tudo indica, o suplente do senador Major Olímpio (PSL), Alexandre Giordano (também PSL), atuava como lobista da família presidencial no novo acordo de venda de energia paraguaia de Itaipu para o Brasil. Nesse novo acordo, o Paraguai perderia o monopólio da venda e uma empresa pequena ligada a Giordano o faria. Da diferença do valor de compra e venda resultaria uma massa de quase um bilhão de reais, que seria repartida entre a família Bolsonaro, seus asseclas, e o alto escalão paraguaio. A própria sede do PSL de SP está no nome de Giordano, e este é próximo a Eduardo, filho de Bolsonaro. A questão está por trás, inclusive, da expulsão de Alexandre Frota do partido (e de discussões sobre a possível saída de Major Olímpio, que iria ao Podemos). Na última semana, o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), valendo-se da lei que obriga a publicidade de agenda do presidente, descobriu que Giordano reuniu-se com o presidente Bolsonaro um dia antes de este ir ao Paraguai…
Assim, fatos há de sobra e a possibilidade de desenvolvimento ou não de um processo de impeachment é meramente política. Resta saber se a “oposição” quer, mas o receio de entregar o poder a Mourão ou a Rodrigo Maia (mais habilidosos e inteligentes que o presidente) parece conduzir a “oposição” à tática do “quanto pior, melhor”: deixar Bolsonaro sangrando, para voltarem mais fortes. Seja como for, o discurso do “fascismo” cai completamente por terra.
Torcemos para que a crise entre os burgueses só aumente, para garantir a derrubada do presidente. Mas a paralisia da LJ e o não interesse da suposta “oposição” em derrubar o presidente diminuem a pressão sobre todos os ratos do navio que afunda.