Transição Socialista

[Cartaz] Volta ao normal? Balanço da greve dos estudantes da USP

Veja o cartaz aqui.

A GREVE QUE PODERIA TER SIDO

A greve estudantil da USP, na prática, chegou ao fim, a principal tarefa agora é se armar contra retaliações da burocracia da administração e nas unidades, defender os lutadores e organizar o refluxo. Além disso, é importante extrair as lições desse movimento.

Consideramos que a greve não concretizou todo seu potencial e poderia ter ido além em suas conquistas. Contudo, não há motivos para esmorecer, esse processo foi muito formativo para as novas gerações e para movimentos futuros!

Depois de um início explosivo, o movimento afrouxou com o primeiro recuo da reitoria e patinou durante semanas. Na medida em que os estudantes não viam perspectiva de aumentar a pressão sobre a reitoria, a greve deu espaço para desânimo e esgotamento.

Dois elementos foram fundamentais para essa desorientação: faltou centralidade na pauta e faltaram propostas de ação que pudessem acirrar o confronto com a burocracia acadêmica. Na medida em que a reitoria colocou suas primeiras propostas na mesa, o movimento se desmontou por conta dessas duas ausências estratégicas. 

GATILHO AUTOMÁTICO CONTRA OS PARÂMETROS DE SUSTENTABILIDADE

Desde o início da greve era preciso dar centralidade ao gatilho automático de docentes e funcionários, essa reivindicação combate na prática os “parâmetros de sustentabilidade” da reitoria, espinha dorsal de sua política administrativa. Esse será um avanço importante quando garantido, pois vai impor o uso do orçamento da universidade para as necessidades da maioria dos que aqui estudam e trabalham, contra os privilégios e o controle da minoria de gestores. 

A pulverização dessa pauta dentre as demais 23 reivindicações, por mais importantes que sejam, permitiu com que a reitoria conseguisse barganhar um pequeno número de docentes a mais nas contratações para quebrar o movimento. Tiveram relativo sucesso. A contratação de funcionários, imprescindível para concretização de várias das reivindicações de permanência e para as condições de estudo em geral, sequer estava na mesa de negociação. A centralidade nesta reivindicação poderia ter armado o movimento para ir além, como demonstraram alguns dos cursos que permaneceram em greve até o final, como Letras, Geografia e Psicologia.

TÁTICAS DE PRESSÃO APÓS AS PRIMEIRAS NEGOCIAÇÕES

A maioria dos grevistas não se deu por satisfeita com o acordo inicial proposto. Era natural que parte do movimento recuasse com esse acordo na mesa, é sempre assim. Qualquer greve na USP deve antever a possibilidade de recuo dos docentes que apoiavam a greve, assim como de cursos mais difíceis de mobilizar com o Direto e as engenharias. Esses recuos não podem ser decisivos.

Na medida em que a primeira proposta de acordo não foi aceita, contudo, era necessário “dobrar a aposta”, reorganizar o movimento e suas ações para emparedar a burocracia, dar vitalidade e sentido para a continuidade da greve. 

A experiência de greves anteriores de estudantes e funcionários da universidade, nos dão alguns caminhos. O movimento ainda estava grande, era possível organizar o trancaço dos três portões da USP simultaneamente, ou ocupações de prédios importantes para o funcionamento da administração central, ou ao menos piquetar as entradas da reitoria com um acampamento. Ações como essas poderiam acirrar o conflito e dar novo ânimo para os lutadores, empenhados em permanecer com a greve.

Quando o movimento começou a ter suas primeiras perdas, era fundamental concentrar forças e centrar fogo na reitoria. A greve, contudo, parece ter mantido certo rotineirismo, com muitos atos dispersos, inofensivos para a burocracia e desgastantes para os estudantes. Por exemplo, por que raios se manteve o Áquario (espaço estudantil na FFLCH) ocupado durante toda a greve? O diretor da faculdade não tinha a menor condição de ameaçar aquele espaço no contexto de greve, e enquanto isso o reitor esperava confortável pelo fim do movimento. Muitos atos, várias iniciativas, mas pouca estratégia.

Após semanas de enfraquecimento, a Reitoria se sentiu à vontade para intimidar os grevistas com faltas nos dias parados. No dia seguinte, um grupo de estudantes ocupou a Administração Central. Uma ação tão tardia na greve só faria sentido se unificasse o movimento em resposta à retaliação da Reitoria. Mas a falta de foco, o autonomismo e o sectarismo condenaram a ocupação ao isolamento no seu começo.

Uma greve que radicalizou e se espalhou mais rápido do que qualquer outra nas últimas décadas, como fogo de palha, infelizmente refluiu tão rápido quanto ascendeu. Que essa experiência fortaleça as greves futuras dessa geração!

O TETO DAS DIREÇÕES

As direções do movimento estudantil, sobretudo as organizações que estão à frente do DCE e da maioria dos CAs (MES/PSOL, PCB-RR e UP) desde o início desta greve ficaram a reboque do movimento, acompanhando seus desenvolvimentos, mas sempre sob determinados limites. 

É preciso reconhecer, porém, que agiram melhor do que o PT que esteve no DCE e outras entidades nos últimos anos. Esse sim não puxou greve alguma, e criava ainda mais entraves no movimento; sem falar que esse partido faz parte, ele mesmo, dos quadros da burocracia que dirige a USP. Paulo Martins, atual Diretor da FFLCH, e muitos outros membros do alto escalão da USP são filiados ao PT. Qualquer retórica radical da juventude petista durante a greve, visava tão somente o desgaste das forças políticas com as quais disputa o controle das entidades, pura politicagem.

Porém, o DCE também não se apoiou na sua legitimidade e tamanho para propor qualquer radicalização, suas propostas recuadas foram superadas e o movimento explodiu apesar dessas organizações. Os estudantes ultrapassaram o DCE quando reagiram ao absurdo autoritarismo dos gestores da USP, principalmente na FFLCH quando o Paulo Martins ordenou a suspensão das aulas para impedir os piquetes.

Na medida em que a reitoria recuou de sua intransigência e colocou suas primeiras propostas na mesa, o DCE recuou junto, com discursos de “grandes vitórias” puxando o movimento a baixar a guarda. Mas os grevistas, em sua maioria bastante insatisfeitos com as conquistas que foram superestimadas pelo DCE,  demonstraram importante reserva de energia. O resultado foi o mal estar em que o movimento parecia mais fraco do que estava devido a desmoralização por sua própria entidade.

As direções do movimento estabeleceram um teto para greve de antemão. Para elas desde o início os limites da greve coincidiram com a margem de manobra da própria reitoria para realizar concessões, com seus orçamentos e parâmetros. Tampouco as pautas inicialmente elencadas consideraram os trabalhadores da universidade. O movimento transbordou esse limite, sem contudo ainda ultrapassá-lo de vez. Infelizmente, as oposições ao DCE, tampouco deram um horizonte estratégico para o movimento que possa reerguê-lo. O PSTU e o Caell tiveram um papel fundamental para construção e expansão da greve, mas adotaram a mesma linha de recuo do DCE a partir das negociações e das “vitórias” supostamente atingidas.

O TETO DO MOVIMENTO ESTUDANTIL

Por fim, é importante ressaltar que as lutas internas à universidade expressam contradições de classe que a extrapolam. Embora sejam maioria numérica e representem a vitalidade da juventude, os estudantes sozinhos não vão superá-las. Para enfrentar a burocracia acadêmica é imprescindível a unidade com os trabalhadores, a começar pelos funcionários efetivos e terceirizados da USP, mas não só!

A unidade das três categorias é fundamental para a disputa do poder na universidade e para a construção do poder da maioria que coloque o poder oficial dos gestores em cheque.  É importante a disputa pelo controle do orçamento bilionário da universidade. Contudo, esse próprio orçamento é proveniente da exploração do trabalho da classe operária externa à comunidade universitária.

Dentro da universidade, em última instância sempre ficaremos correndo atrás do próprio rabo, reagindo aos desmandos de uma burocracia subserviente à burguesia e ao capital, uma burocracia acadêmica cujos interesses privados se sobrepõem a qualquer projeto mais progressivo para universidade, em consonância com as leis do mercado e com os interesses capitalistas de acumulação.

A possibilidade de um futuro duradouro para a maioria dos que aqui estudam só existe dentro de uma perspectiva de luta revolucionária nos setores produtivos de toda a riqueza, particularmente no operariado industrial. Os estudantes em luta devem sempre buscar vincular-se às lutas da classe trabalhadora, como corretamente buscaram na paralisação do Metrô, CPTM e Sabesp contra as privatizações. A única possibilidade de dar um fim à exploração capitalista e ao caráter burguês da universidade é aliando-se aos trabalhadores produtivos que não estão nela. 

Parte das deficiências desta greve advém da inexperiência das atuais direções, e como dissemos, serviram de aprendizado para as próximas lutas. Mas há também uma deficiência geral na “esquerda” que carece de teoria revolucionária e de um programa consistente. A lógica que orienta a maior parte das organizações não aponta para qualquer norte estratégico que nos conduza do presente capitalista à construção de uma nova sociedade. A aceitação prévia do acordo só expressa uma concepção imediatista  que permeia a maioria das organizações, restritas à miséria do possível, às pequenas melhorias, às concessões que os gestores e governos podem dar com a mão esquerda, para depois tirar em dobro com a mão direita. A longo prazo, essa lógica só leva à desmoralização dos lutadores. A teoria revolucionária e a síntese das experiências históricas de luta da nossa classe são fundamentais para que rompamos esse ciclo infernal de lutas parciais, avanços e retrocessos.