Transição Socialista

Congresso socialista na Argentina

Reproduzimos abaixo a convocatória da I Jornada Internacional “A esquerda ante a crise mundial”, importante iniciativa dos companheiros argentinos da organização política Razón y Revolución. Trata-se de evento – congresso – voltado à praxis revolucionária, ou seja, com discussão fundamental para organizar a luta socialista no presente. Divulgamos em português para que os socialistas brasileiros se informem e participem ao máximo possível. Notamos que a atividade ocorrerá na Argentina; as inscrições vão até o dia 15/02 e os resumos devem ser enviados ao email congresoryr@gmail.com.

Sabem nossos leitores que temos diferenças com a convocatória em mais de um elemento. Aqui destacamos apenas a questão das “Sagradas Escrituras”. Cremos que falta à nossa “esquerda” hoje, sobretudo, um retorno a elas; um retorno sobretudo ao método dialético expresso em O Capital de Marx e em O Programa de Transição, de Trotsky. Basta ver que nenhuma organização internacional trotskista no mundo luta para aplicar de verdade o programa da IV Internacional, O Programa de Transição (e, assim, nem podem ser chamadas de trotskistas). Como já expusemos em nossos textos fundamentais, cremos que o marxismo, em sua expressão mais alta e avançada, vive no método dialético dessas obras. Isso não significa que devam ser tomadas como grafadas na pedra e não possam ser atualizadas. Entretanto, deve-se compreender que a maioria das “atualizações” tem levado a esquerda a aproximar-se da sociologia burguesa (reformismo, social-democracia, keynesianismo), aprofundando o problema histórico da crise da direção do proletariado.

Apesar das diferenças, os companheiros da organização Razón y Revolución são, sem dúvida, aqueles com quem mais temos concordância prática hoje. O repúdio à “esquerda” sempre pronta a se vender ao Estado burguês (com reivindicações para gerí-lo), bem como – o que dá no mesmo – o repúdio à esquerda sempre pronta a capitular a um setor da burguesia nacional (aquele que fala de si mesmo como de “esquerda”), são pontos sobre os quais temos e teremos uma frutífera frente de ação internacional. Assim, sem dúvida, o avanço dos companheiros na Argentina é o avanço da frente de luta dos revolucionários contra os reformistas e os traidores do socialismo na AL e no mundo. Que tenham um ótimo congresso!

TS, 30/02/2020

I Jornada Internacional “A esquerda ante a crise mundial”

Dias 13 e 14 de março, na Universidade de Buenos Aires, Argentina.

Organizam:
Centro de Estudios e Investigaciones en Ciencias Sociales (CEICS)
Razón y Revolución

A incapacidade mundial da burguesia em dar saída à crise capitalista levou a explosões políticas em países dos mais diversos tamanhos e importância. Diante da pressão das contradições no interior de sua classe e da mobilização operária, governos dos mais diversos espectros caem ou ficam numa situação precária. Da Primavera Árabe ao impeachment de Trump, passando pela destituição do governo de Rajoy na Espanha e pelos protestos na Grécia, a burguesia parece cada vez menos capaz de estruturar um regime político estável.

As guerras travadas pelos Estados Unidos na década passada não conseguiram (nem podiam) resolver o problema da hegemonia mundial. O enfrentamento econômico com China e Alemanha expressa os resultados políticos da exacerbação da competição. Trata-se de uma verdadeira crise da política imperialista, que já não pode estruturar um ataque amplo (que permita uma reestruturação econômica e um disciplinamento social capaz de restabelecer sua taxa de lucro). Neste contexto, a política burguesa flutua na impotência e no desespero.

O elemento mais importante da década que passou, e que se acentua nestes anos, é a entrada da classe trabalhadora no cenário político: “indignados”, “coletes amarelos”, “mileuristas” são formas que assume a presença do proletariado, cada vez menos institucionalizadas. Ainda que no início tenham aparecido como intervenções de tipo econômico e defensivo – que buscavam resistir aos golpes do capital –, pouco a pouco adquiriram um traço marcadamente político, exigindo uma reestruturação geral da política burguesa, seja através da luta contra “a velha política”, a “corrupção”, a “constituição” ou a “União Europeia”. A reivindicação que se oculta sob tais múltiplas propostas é, entretanto, claramente defensiva: fora todos! Não há uma proposta própria da classe trabalhadora, nem ao menos uma direção, frente ao desastre.

Na ausência de uma direção revolucionária, este repúdio à política burguesa – que no entanto não traz uma proposta real para além disso – desemboca em diferentes saídas, que não superam o sistema, mas, ao contrário, reproduzem-no: separatismos, “políticas identitárias”, indigenismo, nacionalismos, regionalismos, populismos… Trata-se de formas nas quais se expressa a consciência burguesa frente ao desespero. Em todos os casos, a estratégia não apenas reforça as relações sociais vigentes, como também fomenta a fragmentação da classe trabalhadora e dificulta a ação coletiva. Trata-se de uma arma com a qual a burguesia neutraliza qualquer movimento contra si. O resultado é que grandes massas de trabalhadores saem à luta completamente desarmadas e/ou se convertem em massa de manobra das piores experiências de seu inimigo.

Na América Latina, estas tendências se manifestam de forma mais evidente e com maior grau de desenvolvimento. O esgotamento econômico do ciclo das commodities e a incapacidade de construção política da burguesia neste período culminou na decadência dos regimes políticos, bonapartistas ou não. Findo o período ascendente, se impõe um amplo ajuste e alguém precisa pagar. Nestes anos, caíram quatro governos (Brasil, Bolívia, Equador e Peru) e o continente inteiro enfrenta uma série de mobilizações proletárias que impede o desenvolvimento normal dos que entraram ou ficaram de pé. Não é uma crise do “neoliberalismo” nem do “populismo”. Experiências tão diferentes se encontram em completa decomposição: desde a Venezuela do “socialismo do século XXI” até o Chile conservador. Os levantes proletários são condenados (Bolívia, Brasil) ou apoiados (Chile, Equador) pelos capitalistas, de acordo com o sinal de seu funcionário de plantão. A investigação de atos de corrupção é transformada em “lawfare”, e uma mobilização de trabalhadores em “golpe”, de acordo com as preferências sobre tal ou qual facção patronal.

Neste caso, a intervenção da classe trabalhadora se realiza, majoritariamente, sob a direção de uma das duas alianças burguesas que percorrem o continente. No Chile e no Equador, sob a chamada “populista”, que reúne capitais locais menores em torno de uma estratégia que, a princípio, aparece como voltada ao mercado interno, e se associa aos bonapartismos da última década (Kirchner, Chávez, Evo Morales, Correa e Lula, ainda que este último não seja um bonapartista). Na Venezuela e, anteriormente, no Brasil, sob a chamada “direita”. Como ocorre com toda direção burguesa, em ambos os casos nega-se a classe trabalhadora enquanto tal e, então, surge uma série de identificações ligadas ao mundo da ideologia burguesa, com o objetivo de dividir: “indígenas”, “excluídos”, “cooperativistas”, “diversidades”, etc… Estas “identidades” operam como mecanismos de cooptação para amplas frações burguesas, trabalhando assim contra o surgimento de elementos realmente contestadores.

Definitivamente, o mundo assiste a uma contradição entre a envergadura da crise política e a intervenção da classe trabalhadora. Basicamente, entre a quantidade e a qualidade desta última. Isto é, entre a extensão no tempo e no espaço de sua atividade e seu nível de consciência. Dito de forma inversa: no momento, a incapacidade da burguesia e de seu Estado de ordenar as relações sociais e reestruturá-las de acordo com seus interesses imediatos é inversamente proporcional à sua fortaleza ideológica.

Qual é a causa desta contradição? Qual é o elemento que media uma e outra? A política revolucionária. Em outras palavras: a esquerda, a principal responsável pela evolução da consciência da classe trabalhadora. Na contradição entre a debilidade da burguesia e a impotência da classe trabalhadora subjaz a distância entre o ascenso das massas e o grau de participação dos partidos revolucionários. Milhões se mobilizam contra os governos, contra todo o sistema político. Ninguém fala de socialismo. Onde está, onde esteve, a esquerda?

Nestas décadas, a esquerda, a nível mundial, não fez mais que retroceder. Dificilmente se encontra um partido revolucionário de massas e, nos casos mais avançados, seus membros não passam de alguns milhares, em países com mais de 50 milhões de habitantes. Logo, as internacionais são puras ficções: não são mais que uma reunião de “dirigentes” que bem cabe em uma mesa de café, sem capacidade de decisão real nem influência alguma. O curioso é que tem-se utilizado este mesmo argumento para abandonar o socialismo e adaptar-se a diversas formas de reformismo: mata-se o que se deve fazer crescer com a desculpa de que ele não cresceu. A este retrocesso quantitativo se soma outro mais preocupante: o qualitativo, que se desenvolve em dois níveis. A nível estratégico, a esquerda foi se adaptando à política do “possível”. Isto é, à política burguesa. Nenhum partido se anima a propor o socialismo, a chamar à unidade do proletariado, a combater os preconceitos nacionalistas, indigenistas e particularistas. Em seu retrocesso, adotou a estratégia do medo, e foi incorporando cada uma das modas que seu inimigo lhe impunha, sob a ameaça de desaparecer. O resultado, paradoxalmente, é seu desaparecimento.

A nível programático, abandonou-se a compreensão da realidade para substituí-la pelas Sagradas Escrituras. Em lugar de conhecer os problemas concretos com os quais se enfrenta a política revolucionária, se recorre aos clássicos para que – em um duvidoso exercício de ventriloquismo – respondam acabadamente sobre assuntos que não conheceram ou que não se colocaram, simplesmente porque viveram em um tempo e um espaço diferentes. A história da política revolucionária tem mais de 200 anos. O socialismo científico, mais de 150. Esta herança é irrenunciável. Mas não pode dar uma resposta adequada – e sobretudo eficiente – quando o que está em jogo é um conjunto muito grande e complexo de determinações. Curiosamente, enquanto se apela às Sagradas Escrituras, repudia-se as mesmas na hora de proclamar o que de mais importante há nelas: o horizonte socialista.

A derrota política, ideológica e moral dos anos 1970 e a queda do muro de Berlim tiveram um efeito histórico, não há dúvidas. Mas 40 ou 30 anos depois do fenômeno, segundo o caso, a desculpa “histórica” já não tem sentido. Há que buscar responsabilidades em outro lugar.

É hora de explicar, então, por que não pudemos, até o momento, estar à altura do que a classe trabalhadora necessita. O que fizemos em todo este tempo, e em que medida combatemos ou alimentamos as diferentes saídas burguesas. Aí é o programa para nossos países, que estratégia devemos construir, quais os nossos aliados e quais os nossos inimigos mais importantes. É hora de discutir as diferentes experiências que viveu a classe trabalhadora e nossa intervenção nelas. Fazer um balanço. Nos recompor. Olhar para o futuro e construir o porvir.

Para isso, o Congresso propõe as seguintes mesas iniciais:

– A crise econômica mundial;
– O ascenso dos separatismos (Brexit, Catalunha, plurinacionalismos);
– A política identitária como instrumento repressivo;
– A classe trabalhadora hoje;
– A esquerda frente a populismos latinoamericanos;
– A questão nacional;
– Kirchnerismo, ontem e hoje;
– O cenário Alberto (Argentina);
– Um balanço da FIT-U na Argentina;
– Como se organiza uma educação socialista?
– Os bonapartismos clássicos: Perón, Vargas, Cárdenas;
– Um programa socialista para a Argentina.

O Congresso não requer apresentação de palestras. Solicita-se um resumo da exposição, que deve conter no mínimo 5.000 caracteres (sem espaço), para sua avaliação pelo comitê organizador.

Envio de resumos: até dia 15 de fevereiro a congresoryr@gmail.com