Hoje, dia 30/04, assistimos ao prelúdio da guerra civil na Venezuela. Trata-se de uma guerra civil que aparece deformada, ou seja, aparece como sendo entre dois setores burgueses, mas na verdade estão por trás as contradições entre classes na Venezuela.
O violento conflito de hoje foi desatado pela convocatória ridícula de J. Guaidó, mas, ainda assim, no final das contas, o que se viu não foi propriamente “levante militar” (ou “Golpe de Estado financiado pelos EUA”), mas sim conflitos latentes de massas populares contra as forças de repressão do Estado burguês venezuelano. Provavelmente amanhã, no primeiro de maio, se passará algo ainda maior e mais violento. Grandes setores da população devem aceder às ruas no feriado. Assim, em última instância, trata-se de mais uma manifestação da revolta popular legítima que, infelizmente – por falta de opção é direção –, aparece deformadamente, seguindo líderes políticos burgueses que não deveriam ser representantes de nada.
Essa guerra civil que se abre é produzida pelas próprias contradições do governo burguês e autoritário de Maduro. É a violência desse próprio governo burguês – que sequestra e mata seus opositores, inclusive legítimos representantes sindicais da classe trabalhadora – que retorna contra esse mesmo governo.
Assim, o que se vê por trás da crise é uma revolta social de gigantesca dimensão, totalmente legítima, embasada materialmente nas necessidades econômicas do povo trabalhador venezuelano, mas que, por sua vez, é apropriada politicamente por um setor burguês minoritário do Estado venezuelano, dado que não há representantes legítimos dos trabalhadores. Ou seja: esse setor burguês minoritário só ganha a dimensão que ganha porque os maiores setores da chamada “esquerda” da Venezuela (bem como no resto da AL) se venderam, isto é, são e estão interessados materialmente nas riquezas burguesas que passam pelo Estado venezuelano/petroleiro de Maduro. A chamada “esquerda” venezuelana apoia Maduro ou porque já está diretamente comprometida com grande parte das riquezas burguesas de seu Estado ou porque pretende estar.
No resto da AL dá-se algo bastante parecido com a maioria da chamada “esquerda” de seus países, por dois motivos:
1) ou ela já tem relações diretas e corruptas com o Estado de Maduro – como o caso do PT brasileiro, que, nos governos de Lula e Dilma, viabilizou contratos milionários de empresas brasileiras na Venezuela, como se sabe, por meio de propinas. O PT brasileiro apoia Maduro porque, se este cair, virão ainda mais à tona contratos corruptos das “campeãs nacionais” brasileiras com o governo caribenho.
2) ou porque a suposta “esquerda”, sem vinculação direta com a Venezuela, realiza um tipo de solidariedade internacional dos charlatães, daqueles que já estabeleceram ou pretendem estabelecer relações umbilicais com os Estados burgueses de seus próprios países. Um bom exemplo é a “esquerda” que capitula ao parlamentarismo (passando a depender dele), ao reformismo estatal; a “esquerda” que, no fundo, quer ser uma nova “alternativa” de poder para a própria burguesia, quer gerir o Estado burguês. No Brasil, são as cópias mal-feitas do PT, aquelas que buscam ocupar seu espaço vazio, como os setores dirigentes do PSOL e outros.
De resto, infelizmente, há também um pequeno setor ainda mais à esquerda, bastante minoritário, não vinculado diretamente ao Estado burguês venezuelano ou aos Estados burgueses de seus próprios países, mas que capitula à pressão dos setores majoritários da “esquerda”, e, assim, ou apoia Maduro ou fica em cima do muro, numa posição neutra, sem ter coragem de falar ampla e claramente “Fora maduro”. Esse setor minoritário, pressionado e sem clareza teórica ou tática para enfrentar o grave problema, capitula também ao senso-comum de “esquerda” de seus países.
Nenhuma dessas posições serve à classe trabalhadora venezuelana e latino-americana.
A saída para a classe trabalhadora da Venezuela não é para trás, mas para frente. Não adianta pedir que a roda da história pare, que a guerra civil latente se paralise. Não adianta tentar buscar qualquer caminho pacifista, de meio termo, abstrato, de “nem… nem”. As contradições gigantescas, econômicas e sociais da Venezuela seguirão se movendo. Elas levarão ou à queda de Maduro (e à abertura de uma situação imprevisível, onde muitas possibilidades estão colocadas) ou a um aumento ainda maior da violência da ditadura burguesa de Maduro contra a maioria da população.
Deve-se entrar no bonde da história. Há um caminho certo e um incerto. O caminho certo é o do aumento da ditadura burguesa de Maduro, que mostrou neste dia 30 estar bem armada, com novos equipamentos. O incerto é o que pode se abrir com sua queda (produzida pelas suas próprias contradições). Os revolucionários, em situação assim, não podem titubear; têm de ter ousadia e trabalhar sobre uma situação onde tudo é possível, onde a massa social ainda está desforme e pode ser moldada em nome de algo novo – por mais que haja riscos enormes! Por mais que a esquerda revolucionária já esteja muito atrasada! A covardia pacifista de não enfrentar riscos e assim torcer em silêncio por Maduro não serve para a luta de classes.
A primeira tarefa é focar todas as energias na derrubada de Maduro. Mesmo que isso passe por fazer frente pontual com o setor burguês minoritário que quer derrubar Maduro. Bater juntos e marchar separados. Mas ao mesmo tempo deve-se preparar a derrubada desse setor burguês opositor.
Esse setor burguês opositor e minoritário é pouco consistente socialmente, mas ganha consistência a cada dia em que a “esquerda” trai os trabalhadores e apoia Maduro (ou se cala abstratamente). Guaidó e L. López não têm respaldo da maioria da população trabalhadora venezuelana, mas, na ausência de uma esquerda revolucionária, esta população não verá opção – dado que as contradições econômico-sociais gigantescas seguirão se movendo – senão apoiar esse setor burguês. Esse é o risco. Ou seja: negar-se a disputar as massas com esse setor (apoiando Maduro) é uma política traidora à classe trabalhadora.
Ainda que se bata contra Maduro ao lado desse setor burguês, deve-se esclarecer a população desde já sobre seus interesses burgueses nefastos. Esse setor burguês deve ser denunciado desde já, amplamente, como aquele que quer manter o conflito em tons pastéis, pacíficos, aquele que não quer armar a população, aquele que quer somente usar a população como bucha de canhão para em seguida chegar num acordo meramente eleitoral e burguês com o grosso da boliburguesia e da cúpula do exército madurista. O que Guaidó mais teme, assim como Maduro, é a guerra civil (ou seja, a guerra aberta entre classes). Eis por que sempre defende que as manifestações sejam “pacíficas”. Guaidó atuará ao máximo para impedir que a guerra civil estoure. Seu setor burguês deve ser denunciado como aquele que quer o Estado chavista sem o Maduro; aquele que quer o miserável capitalismo boliburguês mas com novos sorrisos falsos.
Na Venezuela, hoje, na verdade, há só um caminho possível para os trabalhadores. Seu ponto imediato é o “Fora Maduro”. Mas, como defendemos há dois anos, ele só pode ser garantido, no interesse da população trabalhadora, por meio do armamento da maioria da população que agora começa a entrar numa guerra civil. Armamento de que tipo? De todo tipo possível: aproximando o exército da população trabalhadora (por meio de Conselhos de Base no exército, que afastem a influência do setor de Guaidó e L. López); criando milícias de bairro, que atuem (mesmo que com armamentos rudimentares) para garantir a segurança das iniciativas populares contra as investidas do Exército de Maduro e da milícia proto-fascista (os “Coletivos”).