Transição Socialista

Derrota na GM-SJC é alerta a revolucionários do PSTU


A semana foi extremamente dura para a luta de classes no Brasil. A negativa da Vale em assumir a sério qualquer responsabilidade pelo desastre em Brumadinho é expressão das empresas capitalistas medindo sua força contra a população trabalhadora brasileira. Mas o salto na qualidade do ataque foi testado na semana que passou pela GM contra os trabalhadores da sua planta em São José dos Campos (SP). Infelizmente, para a classe trabalhadora, a empresa saiu-se muito bem em seu ataque e abriu um flanco para que outras plantas da GM e outras empresas capitalistas aumentem a intensidade de exploração utilizando técnicas de chantagem.

Esse ataque foi gestado pela empresa desde o final do ano de 2018, quando Carlos Zalenga, presidente da GM Mercosul, anunciou que a CEO da empresa mundial considerava fechar as operações da GM na América do Sul, devido à suposta falta de lucratividade. Que a empresa em seguida tenha fechado o ano de 2018 com um lucro líquido (isto é, descontados impostos, perdas e outros gastos) de mais de 8,1 bilhões de dólares (quase 30 bilhões de reais), pareceu não importar. Oportunamente, no relatório anual que anunciou esse lucro exorbitante foram omitidas as informações sobre a lucratividade da empresa na América Latina (pois, do contrário, derrubaria a farsa da “não-lucratividade” das plantas instaladas no Brasil).

A verdade é que a empresa buscava um meio de acelerar seu processo de reestruturação produtiva no Brasil. Por aqui, ainda tateando e sem saber o quanto confiar nele, foi primeiro bater à porta do governo trapalhão de Bolsonaro, acordando com ele todo o teatro e a ameaça que levaria publicamente aos trabalhadores. Eis por que o governo de Bolsonaro, na figura de Carlos da Costa (secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia), afirmou o seguinte: “se precisar fechar, fechem!”. A narrativa foi combinada entre a empresa e o governo para, assim, melhor aterrorizar os trabalhadores.

Com aval do governo, a GM assim procedeu: preparou os passos da sua reestruturação produtiva, multiplicou as piores condições por três, e apresentou o pacote de maldades ao Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, contendo 28 pontos de graves ataques. Ao mesmo tempo, disse aos operários: aceitem, ou iremos embora e levaremos conosco seus empregos; aceitem, ou destruiremos suas vidas. 

O sindicato, em vez de pedir truco diante do blefe da empresa, caiu na chantagem. Ele poderia ter sido audacioso e apresentado um discurso tão direto como o do governo Bolsonaro: “não aceitaremos piora em nossas condições de vida. Se precisar fechar, fechem, mas nós não sairemos daqui; ocuparemos, se preciso, para defender até o limite nossos empregos e salários atuais”. Todavia, o sindicato, caindo na chantagem, optou por trabalhar segundo a lógica do sindicalismo de resultados. Em vez de conceber os interesses dos trabalhadores como inconciliáveis com os interesses dos capitalistas (o que corresponde à realidade), o sindicato tentou encontrar um ponto médio, um meio termo, uma conciliação; acreditou que, em vez dos 28 pontos absurdos da GM, seria possível chegar em alguns pontos mais aceitáveis, em algo que, ainda que ruim, ao menos “garantiria” os postos de trabalho. Os trabalhadores concederiam em direitos históricos e a empresa concederia, supostamente, no não fechamento da fábrica.

Assim, infelizmente, para o acordo os trabalhadores ofereceram sua carne pra ser cortada e seu coro para ser arrancado: ficarão sem reajuste salarial no ano de 2019, substituído por um abono de R$ 2.500,00; terão um reajuste de no máximo 60% do INPC em 2020, com um abono de R$ 1.500,00; terão salário reajustado novamente de acordo com o INPC apenas em 2021; verão reduzir enormemente o piso da categoria (que necessariamente levará a demissões); perderão o adicional noturno; verão as horas extras se multiplicarem; perderão, na prática, a estabilidade dos lesionados, que as máquinas da GM devora cotidianamente.

Em contrapartida a empresa “ofereceu” a continuidade da exploração cotidiana, a violação da vida dos trabalhadores, mas agora num grau mais elevado, sob o nome de “novos investimentos” e “a produção da S10”.

Sem opção, a maioria dos trabalhadores (90%), reféns da lógica da chantagem e do terrorismo da GM (já aceita por sua própria direção sindical), não soube o que fazer senão aceitar a proposta da empresa. O sindicato, que não se contrapôs frontalmente à proposta da empresa como um todo, que não deixou claro que a proposta era um blefe da empresa para se chegar num meio termo ruim para os trabalhadores, ainda teve a pachorra de dizer, na assembleia final, que era contra a proposta “mas respeitaria a decisão da maioria”. Vimos, infelizmente, o velho teatro da burocracia sindical, que quebra a resistência, não mobiliza os trabalhadores para a luta verdadeira e, ao final, se isenta, paga de democrática ou neutra (respeitando a “democracia operária”), e faz a proposta ruim da empresa aparecer como de própria responsabilidade dos trabalhadores, como se brotasse da vontade da maioria dos operários, “dadas as condições difíceis de resistência”, a “correlação de forças”.

Assim, no site do sindicato, o vice-presidente, Renatinho Almeida (numa matéria ilustrada com uma foto da maioria da assembleia votando feliz pela proposta da empresa), falou o seguinte:

“O Sindicato é contra qualquer medida que penalize os trabalhadores, mas respeitamos a decisão da assembleia, que é soberana. Agora vamos nos manter firmes na cobrança para que a GM cumpra o acordo e traga o investimento de R$ 5 bilhões para a fábrica local”.

O resultado foi comemorado por Rafael Marques, ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, vinculado à mafiosa CUT. Pelo jeito, a aprovação da proposta em SJC pela Conlutas favorecerá traições da burocracia sindical em outras plantas e empresas.

No que consiste a responsabilidade do PSTU nessa derrota?

O PSTU dirige a central CSP-Conlutas, responsável pelo Sindicato dos Metalúrgicos de SJC. Embora tenha quadros de valor, dirigentes sindicais com vontade de luta, há muito a prática sindical desse partido circunscreveu-se à lógica do programa mínimo da burocracia sindical, em detrimento da única concepção propriamente revolucionária, a concepção do Programa de Transição e suas reivindicações transitórias (a escala móvel de salários e a escala móvel das horas de trabalho, combinadas). Desenvolveremos isso adiante. Essa adaptação ao programa reformista faz com que se legitime o rebaixamento das condições de vida dos trabalhadores no médio e longo prazos, e que tal legitimação tenha de ser encoberta com um discurso falso de “vitórias”. Por isso, necessariamente, no âmbito sindical (ou seja, para as bases operárias), o PSTU é obrigado a:

1) Trabalhar na lógica do “sindicalismo de resultados”;

2) Não dizer a verdade amarga às massas.

O “sindicalismo de resultados” acabou com os resultados dos sindicalistas

As táticas defendidas no Brasil pelo chamado “sindicalismo de resultado”, praticado pelas direções petistas e outros pelegos, são apenas uma derivação do programa mínimo reformista da antiga social-democracia. Há muito tempo, tais “reformas”, “ganhos”, “pequenas melhorias” servem apenas para mascarar o rebaixamento das condições de vida dos trabalhadores. 

Hoje, as “táticas” do sindicalismo de resultados revelam sua face mais danosa. Elas inicialmente funcionavam mais ou menos assim: os sindicalistas pediam um reajuste salarial bem acima da inflação. Os patrões ofereciam menos, sempre menos que o exigido. Chegava-se então num meio termo, num reajuste menor do que o pedido e maior que o oferecido. Muitas vezes esses aumentos eram pouco acima da inflação momentânea, o que permitia que líderes sindicais saíssem relativamente legitimados em suas bases. No médio prazo, é claro, os salários ficavam defasados novamente, com as perdas anuais não compensando os ganhos que se mantiveram “acima da inflação” por poucos meses. Além disso, a empresa se valia de todas as práticas para aumentar o grau de exploração – práticas muitas vezes chanceladas nos próprios acordos de fim de greve, como “concessão” dos trabalhadores para que a empresa “concedesse” um aumento pouco acima da inflação. Ou seja, em última instância, o sindicalismo de resultados na maioria dos casos levava, no médio prazo, ao rebaixamento das condições de vida e ao aumento do grau de exploração da classe operária.

Agora, quando mesmo sindicatos que têm direções que se propõem de luta estão bem amarrados a essas práticas e a essa lógica sindical, e a crise do capital permite que os patrões apertem mais os trabalhadores sem dar nada em troca, a tática é usada no sentido inverno, pelos capitalistas, em toda a sua potência contra a classe trabalhadora: os patrões anunciam os piores ataques às condições de trabalho (fechar uma empresa, por exemplo), e sempre conquistam alguma piora assustadora nessas condições de vida, ainda que não sejam todas as pioras anunciadas no primeiro momento. 

O “sindicalismo de resultados”, ao qual o PSTU infelizmente se adaptou, comprova-se, em última análise, como um “capitalismo de resultados” das grandes empresas contra a classe operária.

A necessidade de dizer a verdade às massas, por mais amarga que seja

Uma das características do PSTU entre a vanguarda socialista é a sua incapacidade de chamar as coisas pelo seu nome. Isso acontece, via de regra, para ver uma situação como algo mais agradável do que ela realmente é. Assim, conjunturas de pequenos ascensos, em que a classe começa a testar sua força novamente, passam a ser chamadas de situações pré-revolucionárias; paralisações nacionais se tornam greves gerais; a realização de assembleias, operárias ou estudantis, são cantadas como vitórias.

Pintar uma situação com as melhores cores pode servir para aumentar o moral da militância, pontualmente. Mas, no longo prazo, os efeitos são enormemente prejudiciais. O hábito de dizer a verdade amarga a aqueles que não desejam ouvi-la é uma das melhores vacinas contra a adaptação reformista ao humor atrasado das massas; é a única forma de preparar lutas de verdade; é condição para se vencer. Esse exercício foi pouco utilizado durante a assembleia que aprovou o acordo, e seguiu sendo pouco utilizado até a publicação deste texto. Os sindicalistas vinculados ao PSTU não tiveram coragem de dizer, senão de canto de ouvido, que se tratou de uma verdadeira derrota para os trabalhadores.

Ora, por que não ser derrotado denunciando essas condições criminosas de negociação? Por que o PSTU não trocou a linha de elogio à “vontade da maioria” pela denúncia da injustiça e pela defesa do programa de luta correto? Não teria sido melhor dar combate sem trégua, dando um exemplo à classe trabalhadora de todo o país, em vez de conciliar e ainda jogar a culpa da derrota sobre as costas dos trabalhadores? O mínimo que se espera é que reconheçam amplamente, e sobretudo para  a sua base operária, que o acordo foi uma grande derrota. Assim ele cria condições para se fortalecer na categoria.

PSTU ainda na encruzilhada

Apesar do racha do PSTU em julho de 2016, motivado pela rica e explosiva conjuntura brasileira, esse partido parece manter os elementos que produzem, internamente, a adaptação ao reformismo, à aristocracia operária (burocracia sindical) e à pequena-burguesia urbana. O que parece diferenciar a atuação sindical do PSTU da atuação da burocracia sindical – apesar de algumas tentativas honestas de luta –, é que a atuação do PSTU é mais contraditória (e portanto menos “coerente” dentro da lógica rasa do sindicalismo). Ainda que a prática sindical tenha uma lógica muito similar (o “sindicalismo de resultados”), a prática do PSTU tenta às vezes ser mais combativa; busca discursos sobre o socialismo, necessidade de socializar meios de produção (programa máximo). Assim, traçado por essa grande contradição interna, o PSTU corre o grande risco de ser derrotado em SJC pelo PT e a máfia da CUT, pois esta ao menos é mais coerente em sua peleguice; é a verdadeira e genuína representante do sindicalismo de resultados em sua forma mais baixa e pura; ela não fala de socialismo, é absolutamente pragmática. É possível que os trabalhadores de lá comecem a acreditar que com outra central sindical, “maior”, terão melhores condições para manter seus direitos. A prática do PSTU, que teme ser radical para não perder o sindicato, pode revelar-se em seu contrário.

O PSTU talvez não perceba o tamanho da crise por que passa nesta conjuntura tão explosiva. O partido perderá de vez o fundo partidário, o que será um enorme baque em sua estrutura partidária. E, além disso, corre sério risco de não mais conseguir construir seu partido em cima de importantes estruturas sindicais (eis por que as eleições sindicais em SJC serão novamente um grande motivo de desespero para esse partido). Tomara que não perca para a CUT, mas se ocorrer é devido às suas próprias limitações.

O PSTU entrará numa encruzilhada: será obrigado a decidir se se adapta de vez à burocracia sindical e sua lógica, ou se avança rumo a um programa revolucionário, de outra lógica, para outra atuação.

O programa revolucionário: o Programa de Transição

Não existem atalhos na luta de classes. Para se construir no movimento sindical, um partido como o PSTU colocou de lado o programa socialista, contido no sistema de reivindicações transitórias, apresentado por Trotsky no Programa de Transição. No lugar da defesa da escala móvel de salários, apresenta-se, como falamos, uma reivindicação de aparência radical, de ajuste mais alto que o da burocracia sindical. No fim, como esclarecemos, aceita-se uma suposta conciliação (na qual a empresa sempre retoma o que perdeu, e apenas os trabalhadores, em última instância, perdem). No lugar da defesa da escala móvel das horas de trabalho, apresenta-se reivindicação de redução fixa, que nunca é atingida e sempre tem por resultado final a ampliação das horas (via banco de horas e aumento das horas extras).

Hoje, em uma conversa com qualquer militante do PSTU é comum escutar que as escalas móveis são impraticáveis, que elas não são acessíveis ao operário. Ou seja, a militância do PSTU foi convencida das práticas do sindicalismo de resultados, o sindicalismo praticado por Lulas, Paulinhos e outros tais. Mas o que as condições atuais mostram, cortando na carne, é que não há mais espaço para essa forma de sindicalismo. O que o capital dá com a mão esquerda, retira dez vezes mais com a direita. O único resultado possível para o sindicalismo de resultado são derrotas e retiradas da classe trabalhadora. Urge, aos revolucionários, demonstrar ao trabalhador que ele luta agora para não perder apenas o que é justo: que seu salário continue colocando a mesma quantidade de comida no prato, que o trabalho seja dividido igualmente para que não haja demissões.

As escalas móveis, partem, conforme explicou Trotsky no Programa de Transição, do nível de consciência das massas. Elas partem daquilo que aparece ao trabalhador como o mínimo: salário e emprego. A escala móvel de salários é o reajuste mensal dos salários (com um mínimo estabelecido) de acordo com a inflação básica. Apenas o justo: o poder de compra não se reduz mais diante da inflação. A escala móvel das horas de trabalho é o reajuste mensal da jornada de trabalho (com um máximo estabelecido) de acordo com a necessidade de produção social naquela fábrica ou ramo de produção. Ela garante que diante de mudanças na produtividade (a compra de maquinário mais eficiente, por exemplo) as horas sejam divididas igualmente, sem redução de salário. Em vez de trabalhadores serem demitidos, diminui proporcionalmente a quantidade de trabalho para todos.

Trotsky ensinou que essas reivindicações aparecem como mínimas para o trabalhador comum, mas, se defendidas de forma combinada e em uma grande região econômica, já são, na prática, a descrição do funcionamento da economia numa sociedade socialista: perda salarial zero, zero demissões, trabalho dividido racionalmente entre toda a sociedade. Elas, por isso, só podem se realizar além do mercado de trabalho capitalista, ou seja, numa economia planejada. Por isso, elas colocam o socialismo no presente, na sua forma mais simples (sem discursos falsos e doutrinação ideológica). Manter empregos e salários atuais é o socialismo, é algo que o capitalismo não pode garantir, pois seus interesses são inconciliáveis com os interesses da classe trabalhadora. As escalas móveis, combinadas, convidam o trabalhador a cruzar a ponte para o socialismo com suas próprias pernas (mas dirigidos pelo partido, é claro).

Ao não defender as escalas, os socialistas são obrigados necessariamente a produzir discursos sobre socialismo (em dias de festa, em Primeiros de Maio, etc.) que servem apenas para encobrir sua ação falsa. A defesa das escalas móveis não se traduz em vitória automática. Nem se pretende que os trabalhadores a aceitem de pronto. Como todo dirigente com alguma experiência sindical sabe, não existe fórmula mágica, o que existe é paciência e trabalho no seio da categoria, um trabalho constante na propaganda e preciso na agitação, para que a categoria vá se convencendo pela sua própria experiência.

O trabalho feito para que a militância do PSTU se convencesse das vantagens do sindicalismo de resultado cobra o preço agora. Um programa que desarma os trabalhadores só pode oferecer métodos e práticas sindicais que desarmam os trabalhadores, mesmo se esses métodos estiverem nas mãos de uma direção que se pretende de luta.

Vivenciamos um momento histórico de ruptura com o PT, onde as massas trabalhadoras buscarão um novo caminho, seja sindical, seja partidário. Este momento histórico não pode ser jogado fora com a repetição dos erros do PT. É preciso dar ao operariado, o quanto antes, as ferramentas que o permitam caminhar do agora até a conclusão sobre a necessidade da tomada do poder. É preciso travar uma luta aguerrida, para que essas ferramentas, as escalas móveis de salário e das horas de trabalho, sejam a referência de reivindicação entre os operários.

A vanguarda está atrasada nessa tarefa, e a partir de agora, cada minuto de atraso conta uma derrota amarga. O PSTU, por sua vez, está na encruzilhada, que pode significar sua existência e a continuidade de militância de muitos companheiros aguerridos, que buscam uma luta por socialismo nesse partido. A derrota em SJC deve servir como lição histórica a esse partido e à vanguarda da classe trabalhadora brasileira.