Transição Socialista

A carne nossa de cada dia

A Operação Carne Fraca desencadeada pela Polícia Federal nesta semana mostrou nos fatos aquilo que Marx já mostrara logo nas vinte primeiras páginas do Capital: que o capital não produz valores-de-uso, coisas úteis e saudáveis para o uso humano, mas que o capital produz capital, valores-de-troca, dinheiro, úteis à ambição inescrupulosa e desmedida do empresário capitalista. Não é necessário ir além destas primeiras vinte páginas de O Capital para se compreender esta lição básica e elementar do marxismo clássico.

Porém, enquanto a Polícia Federal, um órgão repressor do próprio Estado capitalista, desmascara a essência econômica do sistema capitalista, essência que afeta e determina a vida de todo mundo, a esquerda brasileira, marxista e não-marxista, fala de coisas estranhas para a absoluta maioria da população, fala de liberdade para beijar, de liberdade para fumar maconha, de liberdade para escolher sua sexualidade, de liberdade para mudar de sexo e de liberdade para ter liberdade.

Enquanto as contradições mais elementares e fundamentais da vida econômica da absoluta maioria da população brasileira são desvendadas pelos fatos rotineiros do mercado, enquanto a crise econômica, o desemprego, a falta de dinheiro e o desespero afetam a vida de milhões de brasileiros, enquanto o Governo e o Congresso mais corruptos da historia brasileira discursam abertamente em plenário a favor de uma Reforma da Previdência que jogará na miséria e na morte milhões de trabalhadores no futuro, enquanto o trabalhador brasileiro é chamado de vagabundo em plenário, enquanto os deputados mais corruptos do parlamento brasileiro discursam ferozmente contra os direitos mais elementares do trabalhador, como o direito a uma velhice e a uma morte seguras, enquanto o conjunto da burguesia brasileira e seus trapos parlamentares tramam abertamente contra o Direito do Trabalho, a esquerda brasileira discute a pauta do velho programa da Revolução Francesa e dos Direitos da Pessoa Humana.

A Polícia Federal já desmascarou o placebo dos medicamentos, a soda cáustica do leite, o açúcar e o sabão em pó da erva-mate dos gaúchos, a água da gasolina e agora o farelo da carne nossa de cada dia. Falta ainda denunciar aberta e publicamente, com todo o alarde da imprensa, como aconteceu agora com o caso da carne, o farelo do café, a gordura do chocolate, o sal adulterado dos medicamentos, a nicotina do cigarro, a segurança dos automóveis, a adulteração de peças mecânicas, a água mineral que vem da torneira, o pãozinho da manhã que vem com excesso de bromato, a ração adulterada de nosso cãozinho, a adulteração de nossa cerveja, os transgênicos, as substâncias cancerígenas usadas indiscriminadamente e tantos outros incontáveis bens de consumo humano adulterados pela indústria capitalista que nos são oferecidos como bens seguros e saudáveis para a vida humana. Até mesmo as armas empregadas pela polícia já foram denunciadas como inseguras para a vida do próprio policial.

O capital não possui nenhuma dose de amor pela humanidade, seja esta humanidade formada pela classe trabalhadora ou pela própria classe capitalista. Diante do capital ninguém é livre e ninguém está seguro. O capital não produz bens de consumo seguro para a classe capitalista e bens de consumo duvidoso para a classe trabalhadora. O capital produz capital, não se importando de modo algum sobre quem serão as vítimas da sua indústria e de sua ambição descontrolada por dinheiro. O capital faz tudo por dinheiro, como sempre fez e sempre fará, por isso, novas denúncias e escândalos surgirão com toda certeza.

Não é hora de pensarmos em eleições. É hora de avançarmos na luta e tomar as fábricas denunciadas pela Polícia Federal. Se o ramo da produção de carnes e a propriedade privada deste ramo se mostraram incompatíveis com os interesses da sociedade, então que este ramo seja transformado em ramo social da produção, em ramo de propriedade social, em ramo de propriedade dos trabalhadores e da sociedade em geral.

Os operários deste ramo deveriam tomar para si a propriedade e a direção destas indústrias e colocá-las efetivamente a serviço da produção da saúde e da vida da sociedade. O mesmo deveria ter sido feito pelos operários daquela mineradora assassina de Minas Gerais após o rompimento da barragem de lama, assim como o mesmo deveria ter sido feito com todos aqueles ramos da produção que se mostraram, e se mostrarão ainda certamente, contrários à vida e aos interesses da sociedade.

Não é hora de pensarmos com a cabeça dos liberais do século XVIII. Não é hora de levantarmos aquelas velhas pautas dos Direitos Humanos e da Revolução Francesa. É hora de levantarmos e reafirmar a pauta do Direito do Trabalho. É hora de pensarmos com a cabeça daquele velhinho barbudo que dedicou sua vida à luta pela emancipação da classe trabalhadora mundial. É hora de levantarmos a pauta moderna dos séculos XIX e XX. É hora de abandonarmos a pauta pós-moderna das liberdades individuais e levantar as bandeiras da Revolução Russa e da expropriação dos expropriadores, as únicas bandeiras capazes de garantir a saúde, a vida e a liberdade individual de todo mundo.