Fatos políticos desta semana parecem demarcar um fortalecimento da burguesia na correlação de forças com a classe trabalhadora brasileira, mas na verdade representam um conjunto cada vez maior de contradições.
O governo Temer pareceu se fortalecer. Rodrigo Maia, do DEM, atual presidente da Câmara dos Deputados, citado na Lava-Jato, foi reeleito para a mesma função, com ampla margem, num processo que todos os analistas apontam como uma desarticulação do “centrão”. O “centrão” é o suprassumo do fisiologismo, que cresceu em estufa nos anos do lulismo. Enquanto refém do centrão, a presidência da república não poderia exercer sua função ideal numa democracia burguesa – a função de servir ao conjunto da classe capitalista. Enquanto refém do centrão, a presidência serviria antes de tudo aos medíocres interesses privados de nulidades parlamentares coligadas, para só depois servir aos interesses da classe burguesa. Livrar-se do centrão – a tarefa para a qual Maia foi supostamente eleito desde a primeira vez – era questão de vida ou morte para Temer, caso não quisesse repetir Dilma. Mas cabe perguntar: Temer livrou-se realmente do “centrão”? Quanto tempo será preciso para que este se manifeste novamente? Evidentemente, Temer está longe de acabar com o fisiologismo da política brasileira, pois seu partido é a essência histórica do fisiologismo.
Eunício Oliveira e Renan Calheiros apenas trocaram de cadeiras no Senado, evidenciado que tudo muda para continuar igual. Eunício agora é presidente; Renan, líder do governo. Todos têm inúmeras citações na Lava-Jato (e outras investigações/acusações em diversas varas). Secundados por Romero Jucá, manterão a submissão (corrupta) da câmara alta brasileira às necessidades do grande capital.
Edson Fachin foi eleito relator da lava-jato no STF. Melhor Fachin do que os demais? Em certo sentido, sim. Lewandovsky, Toffoli, Gilmar Mendes, como relatores, seriam obviamente um desastre para a operação Lava-Jato. Seriam enterrar a operação. Fachin, apesar de ter chamado votos em Dilma em 2010, assumiu posições independentes no STF, que se contrapuseram às dos mais subservientes a Dilma (veja-se o caso do rito do impeachment, no qual Fachin divergiu de Barroso, que buscava blindar a presidenta). Mas esse “em certo sentido melhor o Fachin” é bastante limitado, afinal, trata-se da suprema corte jurídica nacional, arquitetada exatamente para a autodefesa da elite política e econômica nacional. Também ela precisa de um “juiz técnico” ou “independente” para legitimar-se, dado que o STF foi absorvido pela crise e está desmoralizado (sobretudo depois do affair Renan Calheiros ao final do ano passado). Enquanto, na primeira instância da Lava-Jato, Sérgio Moro já condenou 126 pessoas a 1307 anos de prisão, no STF a calmaria reina: 109 investigados (42 deles, parlamentares) e nenhuma acusação. Eis o caráter de classe do órgão, que só “funciona” (contra os que realmente merecem) sob muita pressão.
Temer, apesar de ajudar a “moralizar” o STF, em seguida zombou da eleição de Fachin: dois dias depois desta, transformou em ministro seu amigo pessoal, 34 vezes citado na Lava-Jato, Moreira Franco. Fez exatamente o que Dilma tentou fazer com Lula, sem conseguir, para salvá-lo de Moro. Agora Temer zomba de toda a Lava-Jato e indica um novo ministro, político, sem qualquer carreira no judiciário, para salvá-lo de todas as acusações lá dentro, bem como para salvar o PSDB: o tucano Alexandre de Moraes, que doravante será o revisor da Lava-Jato e deverá agir sob a tutela de Gilmar Mendes. Temer cedeu no Fachin para empatar com o Moraes, e tanto o PMDB quanto o PSDB comprovaram, assim, que o máximo que sabem fazer em política é agir como o PT. Ou o PT sabe agir como eles. Tanto faz: todos agem de acordo com o script da lama burguesa.
Com a “mini-reforma ministerial” da semana, Temer deu mais espaço ao PSDB, o mesmo partido que homologou há quase dois anos um pedido de cassação da chapa de Temer. Eis o caráter insustentável e quase surreal em que se encontra a política brasileira. E tudo isso neste momento, quando tudo já aponta que as finanças da caixa eleitoral de Temer são tão limpas quanto as de Dilma – limpas como dinheiro recém-lavado.
Com a mini-reforma da semana passada, o PSDB ficou com 5 ministérios e o PMDB com seis. O tucano Antonio Imbassahy virou Secretário de Governo, cargo antes ocupado pelo derrubado Geddel Vieira, acusado de usar o cargo em proveito próprio. A articulação pela entrada de Imbassahy foi feita pelo próprio Aécio Neves, presidente nacional do PSDB. Ainda pra agradar o PSDB, a então secretária da Igualdade Racial, também tucana Luislinda Valois, tornou-se ministra no Ministério de Direitos Humanos. Mas a mini-reforma ministerial não durou três dias, e agora Temer terá de fazer a mini-mini-reforma: graças à pressão do PMDB, e unindo o útil ao agradável (para salvar-se no STF), Temer tirou Alexandre de Moraes da pasta da Justiça e o jogou na suprema corte. Assim o PMDB pegará o ministério da Justiça para si e não dará o braço a torcer ao PSDB. Assim se revela mais uma vez a “força” de Temer, que se equilibra na corda bamba e muda de posição em poucos dias, graças a qualquer pressão.
Se, por seu lado, o PSDB ganhou mais espaço dentro do governo, é sintomático que quando os tucanos resolveram agir sem vacilar foram, ao mesmo tempo, tragados para dentro da crise política, que só espera um momento certo para explodir em maior grau contra todos eles. Não só Temer é frágil, como o conjunto do ordenamento político está mais fraco. Todos os gatos viraram pardos.
É verdade que o fato de Cármen Lúcia ter homologado às pressas a delação da Odebrecht e o fato de seu preferido, Fachin, ter sido eleito no dia seguinte – dois elementos que contrastam, por exemplo, com a nomeação de Moreira Franco ou de Alexandre de Moraes –, revelam contradições existentes dentro desse órgão-mór do judiciário brasileiro, que existem também nas instituições burguesas em geral. São essas contradições que permitem o avanço da Lava-Jato. Por trás delas está a pressão do descontentamento do proletariado brasileiro com a situação da crise econômica e o descalabro político nacional. Como já explicamos algumas vezes, esse descontentamento geral reverbera em setores menores, mais plebeus, do judiciário ou do Ministério Público, forçando tais instituições a agir com base em interesses corporativos, o que abre contradições num Estado democrático burguês.
Temer agora pensa que acumulou um conjunto formidável de cartas nas mãos – eleição fácil de um fiel escudeiro na Câmara, manutenção da quadrilha no comando do Senado, resguarda dos seus queridos no foro do STF, contrapeso dentro do STF com a nomeação de um agente seu, uma base política mais sólida graças à “diluição” do centrão na Câmara e o namoro com o PSDB –; Temer acha que agora pode fazer as jogadas decisivas contra a classe trabalhadora: aprovar as reformas da previdência e trabalhista. E é isso mesmo que ele tentará fazer agora. Tudo será perfeito para todos eles: o mercado irá à loucura, o que supostamente fortaleceria a tendência de aquecimento capitalista da economia; Temer salvará sua foto histórica, como o sujeito que tirou o país da crise política e econômica; o PSDB se posicionará, com máquina pesada, como o principal partido para a eleição em 2018. Tudo parece perfeito; tudo parece ir bem e no melhor dos mundos possíveis… Mas alguém combinou com os russos?
Na verdade, todas as cartas de Temer são um baralho de contradições abertas, passíveis de explodir diante do movimento do proletariado. Assim como o governo se posiciona para atacar, a classe trabalhadora está bastante ciente das suas posições. Ela só aparentemente está adormecida. Ela pode muito bem entrar em ação contra essa turma que vive numa realidade à parte em Brasília, adormecida. É verdade que muita coisa depende da confirmação dos dados de retomada econômica, que parecem ainda muito modestos. Uma pujança econômica pode paralisar a classe trabalhadora e dar o timing certo para o governo agir. A estabilidade do governo Temer é muito frágil e super-estrutural. Diferentemente do PT, Temer não tem base de controle na classe trabalhadora. O PT, com seus braços sindicais de controle do operariado fabril, queria aplicar as mesmas medidas nefastas que Temer e não conseguiu – ou seja, nada garante que Temer e seus aliados demo-tucanos conseguirão. Até nessas horas Lula é mais esperto que Temer: recomendou-lhe esperar a economia “bombar” para fazer a reforma da previdência; disse-lhe que fazer a reforma agora dará a entender que somente os aposentados e pensionistas pagarão a conta.
Essa recomendação terminou por pintar o quadro da semana, com as cores sombrias e mórbidas da asquerosa política burguesa nacional. Lula fez tal recomendação diante do corpo da própria mulher recém-falecida. Após receber FHC, Lula, em pleno hospital, recebeu uma nobre comitiva: Michel Temer, Renan Calheiros, José Sarney, Romero Jucá, Eunício Oliveira, José Serra, Cássio Cunha Lima, Moreira Franco e Helder Barbalho (só faltou o Collor!), todos devidamente xingados de “assassinos” e “golpistas” pela turbe petista aglomerada na entrada do hospital Sírio-Libanês. Dizia a turbe que a Lava-Jato, devido à pressão, assassinara Dona Marisa Letícia, mas teria ela essa pressão se não tivesse se envolvido diretamente na lama da corrupção burguesa com seu marido? Seja como for, Lula usou os holofotes produzidos pela morte da mulher para fazer política com o que há de pior na política morta brasileira.
A estabilidade do governo Temer é muito mais frágil do que aparenta, e costurada pela morbidez da sociedade capitalista. Só a força viva do movimento da classe operária pode abrir espaço para o futuro.