O que significaria no médio prazo uma eleição de Lula em 2018?
Chances há: Lula está bem nas pesquisas, se comparado aos demais candidatos, que se apagam na diluição geral do sistema político brasileiro. E Lula dificilmente será condenado à prisão, pois tende a ser salvo pelo STF.
A diluição geral do sistema político pede Lula; produz logicamente Lula. Aventureiros como Bolsonaro não são levados a sério pela burguesia, pois não têm base e trariam instabilidade demais. A burguesia e a “classe política” começarão a perceber que terão de se entregar a Lula. Alguns hesitam, tentam tirar Lula da cabeça, iludem-se com seu próprio poder, mas a sombra lulista lhes persegue e cresce a cada dia. É o caso de Aécio Neves. Deve ser também de alguém inteligente como FHC.
Alguém puxou um fio há três anos, numa investigação sobre desvio de verbas num Lava-Jato de posto, vinculado a políticos, e o novelo não parou de se desdobrar. Desde 2014, uma investigação inicialmente despretensiosa da PF avança: chegou nas empreiteiras, no petrolão, e agora nas grandes empresas de alimentação. Todas altamente vinculadas à forma de acumulação de capital no Brasil e de controle do sistema político. Tudo ruiu. O “PIB” brasileiro está na cadeia ou investigado, diz-se.
E não à toa foi em 2014. Um reflexo superestrutural (no Estado) da pressão que se iniciou em 2013, e que se desdobra ainda. Na política, o processo começou em junho de 2013, depois virou o ódio contra Dilma na passagem de 2014 para 2015, agora está virando o ódio contra as reformas de Temer. Cada ponto desses de luta do proletariado foi marcado exatamente por um ápice em paralisações nas fábricas e locais de trabalho (sempre forçando as burocracias sindicais a se mexer). As massas tomaram o palco da política e não sairão tão cedo.
O país está ingovernável por causa da luta de classes. A forma da inserção do Brasil no mercado mundial se esgotou; o rebaixamento do nível de vida do proletariado brasileiro chegou num patamar limite, além do qual fica explosivo e incontrolável demais pra burguesia. A entrada em cena das massas em 2013 embaralhou e diluiu o sistema político burguês, bem como dividiu e abriu enormes contradições entre os setores burgueses, mandando importantes empresários e políticos para o xilindró.
Não se via algo assim neste país há muito tempo. Talvez nunca antes na história deste país tenha havido uma combinação tão explosiva de ingovernabilidade política, desmoralização da burguesia como classe e crise econômica.
É isso que ergue Lula como o salvador da pátria burguesa. Nessas condições, o conjunto da classe burguesa precisa de um Estado forte. É tudo o que ela não tem hoje. A pressão da classe trabalhadora está diluindo os pilares do sistema burguês. A burguesia não quer, mas precisa se unificar no Estado para combater a classe trabalhadora. Ela não quer, porque sabe que parte dela perderá com isso. O Estado forte, para combater a poderosa classe operária brasileira, exige que as contradições entre setores burgueses diminuam, o que só é possível calando e submetendo setores menores aos maiores. A burguesia não quer, mas, como salientamos sempre, é obrigada a aceitar isso e grita “antes um fim com terror do que um terror sem fim”.
Muitas vezes, na história, um Estado forte se funde com a figura de uma pessoa. Uma presidência de Lula seria o que? Liberdade e civilidade para todos os setores burgueses? Não, para combater o proletariado, o maior setor, mais umbilicalmente ligado ao grande capital, terá de submeter os demais. Lula avançará, inclusive, quebrando todas as oposições no Estado que lhe cercam. Ministério Público, Polícia Federal, Judiciário — todos os órgãos por meio dos quais o Estado burguês mantém certa liberdade de frações burguesas, todos os setores que abrem contradições inter-burguesas na dominação burguesa, todos serão vigiados e, se possível, limpados de alto a baixo. Ou vocês acham que Lula deixará impunes os que hoje perseguem-no? Só ficarão os alinhados. A mídia será cada vez mais combatida e controlada, pois ela representa a liberdade de voz dos diversos setores burgueses.
O mesmo ocorre nos EUA — Trump caça e ameaça juízes, demite procuradores, ataca a mídia; faz populismo trabalhista apoiado na massa miserável crescente dos EUA, que perdeu seus empregos na esteira da última crise.
Esse tipo de governo populista-ditatorial é algo muitas vezes visto na história capitalista e é uma necessidade objetiva da luta de classes, da burguesia para conter o proletariado. O termo certo é “bonapartismo”, já descrito por Marx no 18 de Brumário de Luis Bonaparte. Basta ler o livro para entender o risco que ronda o Brasil. Embora não amem tanto assim Lula, a burguesia e seus representantes políticos veem-se sem opção e entregam-se a ele como a única salvação.
O bonapartismo é o fenômeno da ditadura burguesa amparada em outros setores ou frações de classe. Isso porque a burguesia é uma classe ínfima e não tem força de massa contra o proletariado. Ela não confia no exército nem na polícia oficiais (pois são proletários relativamente bem remunerados, e podem mudar de lado). Então ela prefere usar o Estado para comprar setores ultra-conservadores ou degradados, para manter grupos de combate contra o proletariado.
O nome disso na Alemanha ou Itália da década de 1930 era fascismo. Hitler e Mussolini, com a força do Estado, apoiavam-se em setores ultra-conservadores do campesinato. O campesinato é uma classe conservadora por natureza pois quer conservar sua pequena propriedade privada (e depende do Estado para isso, pois este aparece ao campesinato como algo que dá a unidade de classe que ele naturalmente não tem). Os setores mais altos do campesinato tendem a ser ultra-reacionários (e os setores mais pobres tendem a se unir à classe trabalhadora). Hitler e Mussolini criaram o fascismo mobilizando os setores altos dos camponeses contra o proletariado e o comunismo.
No Brasil, como praticamente não há camponeses, o bonapartismo apoia-se tradicionalmente na massa miserável e dependente de políticas do Estado, e a mobiliza contra os setores organizados da classe trabalhadora. O integralismo (fascismo, mobilização reacionária de “classes médias”) nunca teve grande força no Brasil. O “trabalhismo” ou o “populismo” sempre apoiaram-se na massa miserável para estabelecer um Estado forte, que paralisasse os setores organizados da classe trabalhadora. Isso, quando não criou, por meio desses setores, grupos de combate ao proletariado. Getulio Vargas e seu trabalhismo estabeleceram uma ditadura feroz para combater a classe operária e o comunismo. Em geral, é sobre as massas miseráveis do norte e nordeste, bem como sobre a massa miserável das favelas das grandes cidades, que as ditaduras brasileiras melhor se estabeleceram. A massa dependente do Estado é usada para paralisar o movimento dos setores mais dinâmicos do operariado fabril. O novo programa econômico de Lula traz grande preocupação a esse respeito.
O “queremismo” (a campanha de “queremos” Getulio de volta) está sendo reeditada por Lula. O primeiro ato da farsa foi a atividade deste domingo, 20/03, na Paraíba, sobre a transposição do Rio São Francisco. Um neo-sebastianismo. E no ato do dia 15/03, onde Lula fingiu que era contra a reforma da previdência, a CUT contratou bandos de bate-paus para “bater em black blocs” (como os próprios grupos contratados falaram). Não à toa em “black blocs”… É para bater em algo que simboliza 2013 e parte do movimento autônomo nascente do proletariado.
Em síntese:
1. Diluição do sistema político e erguimento de uma figura, Lula, como necessidade lógica; 2. fim do regime do Estado Democrático de Direito (no qual todas as frações burguesas estão representadas) em nome de um regime de Estado mais centralizador e repressor dos menores setores burgueses; ou seja: migração do regime democrático burguês para um regime ditatorial burguês (uma forma mais explícita e direta da ditadura da classe burguesa); 3. criação e mobilização de bandos de combate à classe trabalhadora, a partir da estrutura das burocracias sindicais (CUT, CTB e outros), bem como dos movimentos que trabalham com proletários empobrecidos (MST, MTST e outros), dependentes de políticas do Estado burguês.
Eis o esquema geral da possível forma futura de ditadura da classe burguesa.