Em meados deste mês de outubro, realizou-se o 3º Congresso da Central Sindical e Popular – Conlutas, central dirigida pelo PSTU e composta por parte das organizações da chamada esquerda socialista presentes nos movimentos sindical, popular e estudantil.
Este congresso, que reuniu 2 mil delegados, ou seja, parte importante da vanguarda da classe trabalhadora brasileira, tinha a tarefa de organizar e definir os fundamentos para a atuação da CSP nos próximos anos. De início, consideramos que nesse sentido o congresso consolidou importantes posições a respeito da conjuntura política nacional e internacional. O PSTU, com apoio da CST-PSOL e outros companheiros, conduziu o congresso a rejeitar qualquer apoio ou conciliação com os governos ditos “de esquerda” e a reafirmar a oposição a esses charlatões burgueses. As posições de que não houve um golpe contra o governo petista no Brasil e pela derrubada do governo “socialista” de Maduro na Venezuela, são essenciais para o fortalecimento de uma via revolucionária dos trabalhadores, já que grande parte da esquerda, desmoralizando-se diante da classe, sai em apoio a esses partidos burgueses e traidores.
Nós da Transição Socialista participamos do congresso com delegados eleitos pelo SINTUSP, e buscamos debater com os revolucionários como devemos nos preparar estratégica e programaticamente para os combates que virão com o acirramento da luta de classes, com o aprofundamento da crise do sistema político burguês no Brasil e sobretudo com o iminente novo choque cíclico da economia mundial. (Leia o panfleto distribuído aqui: https://goo.gl/GJJwfx)
A comemoração do centenário da Revolução Russa marcou o congresso, e nessa torrente, o PSTU buscou reafirmar a estratégia da tomada do poder pelo proletariado para a edificação de uma sociedade socialista, o que é importante. O centro da discussão poderia ser, então, como nos armar do legado revolucionário de 1917 para a preparação de uma crise revolucionária no presente.
No entanto, as plenárias foram mais marcadas por uma polarização superestrutural entre a maioria dirigida pelo PSTU e o novo bloco de oposição “Somos tod@s CSP-Conlutas”, um bloco sem princípios que reúne diversos pequenos agrupamentos reformistas ligados ao PSOL, e que se fortaleceu neste congresso com a incorporação do MAIS (ruptura recente do PSTU).
A polarização se dava primordialmente em torno da denúncia de um suposto sectarismo por parte do PSTU, que estaria conduzindo a CSP-Conlutas a um isolamento cada vez maior. Tratava-se de, por meio desta crítica, defender a aproximação da central dos setores organizados em torno do MTST, Frente Povo Sem Medo e a plataforma Vamos!, ou seja, os setores que ora tem servido de base de sustentação “pela esquerda” para o projeto de poder do PT e de Lula, ora tem se apresentado como um nova alternativa política, inspirados nas novas organizações reformistas como Syriza grego ou o Podemos espanhol, parodiando na verdade o próprio PT e seu reformismo histórico, dando-lhe uma cara nova. Mas, felizmente, sob direção do PSTU o congresso rejeitou tal aproximação, reafirmando a independência política da central frente aos braços do lulismo na esquerda e nas entidades dos trabalhadores. Isso, evidentemente, não implica em abandonar a tática da Frente Única adotada tantas vezes pela CSP-Conlutas para pressionar as centrais pelegas a mobilizarem suas bases por meio do chamado à unidade de ação contra as reformas do governo. A propósito, este último fato desmonta a frágil acusação de sectarismo.
Este bloco de oposição defendia também insistentemente, a construção de um “terceiro campo” para as eleições de 2018 que englobasse todos os partidos à esquerda do PT, ao que o PSTU respondia não estar no horizonte imediato dos revolucionários, contrapondo à via eleitoral a luta direta da classe trabalhadora e a construção de uma greve geral. Embora seja verdade que os reformistas sobrevalorizem uma saída eleitoral para a classe trabalhadora, consideramos que neste aspecto o PSTU nega unilateralmente a preparação para as eleições e incorre em certo esquerdismo.
As organizações do bloco de oposição, criticavam também o que chamavam de “política hegemonista” do PSTU. Essa crítica vazia não significa nada, apenas que o fato do PSTU ser maioria e dirigir a CSP-Conlutas as incomoda; expressa apenas uma disputa vazia por espaço no aparato por parte dessas correntes. Contra a predominância do PSTU, a oposição aventou uma série de mudanças no funcionamento da central, algumas que de tão absurdas não foram levadas adiante para deliberação nas plenárias. Por exemplo, pensaram em restringir a representação de delegados dos sindicatos de acordo com o número de filiados e não de acordo com a totalidade da base que representa, ou ainda, em regras que excluíssem do universo de representação forças políticas de cada categoria que não reivindicassem a CSP-Conlutas. Em suma, uma série de deformações burocráticas e restritivas que diminuiriam a relação dos organismos da CSP com camadas mais amplas do proletariado, e assim, quem sabe, aumentariam as possibilidades da oposição obter maioria.
De modo geral, umas mais outras menos, as organizações que compõem o bloco de oposição foram a correia de transmissão das pressões do petismo sobre a esquerda e o movimento dos trabalhadores para o interior da CSP-Conlutas, atrasando seu avanço, atrapalhando a construção de uma via dos revolucionários no Brasil.
Outros grupos minoritários no congresso, no entanto, fizeram críticas importantes à direção do PSTU, com destaque ao MRS. Foram propostas resoluções que buscavam combater de fato o recebimento de qualquer nova contribuição compulsória que substitua o imposto sindical pelas entidades filiadas. Embora formalmente a CSP defenda o fim desse tipo de financiamento das entidades, algumas até hoje recebem o Imposto Sindical.
Os companheiros denunciavam corretamente a “vista grossa” feita pela CSP-Conlutas com tal fato. Uma resolução simplesmente propunha que a CSP-Conlutas abrisse mão em suas receitas do dinheiro de qualquer nova versão do imposto advindo de entidades de base. Outra propunha restrições à participação nos organismos da central por aquelas entidades que recebessem esse tipo de contribuição. As defesas contrárias a essas propostas pelo PSTU foram desastrosas. A primeira dessas propostas foi absolutamente deturpada e rejeitada sem qualquer justificativa. Contra ambas as propostas, o PSTU defendeu o princípio da “autonomia dos sindicatos” para definir sua política de financiamento.
Ora, se todos acreditamos que esse tipo de contribuição compulsória é a base para burocratização dos sindicatos, que é a base material para a parasitagem dos pelegos à frente das entidades, que é a base do atrelamento material com o Estado e a burguesia, tal prática não pode ser combatida apenas em palavras como atualmente faz a Conlutas. A CUT desde sua fundação se dizia contra o imposto sindical, mas seguiu se sustentando dele para bloquear a luta da classe operária. Deixar que os sindicatos filiados decidam sobre o seu atrelamento material com o Estado burguês é contraditório com a independência de classe que supostamente diferencia a CSP-Conlutas das centrais pelegas. Os sindicatos que se filiam a essa central devem estar de acordo com os princípios que orientam sua política e seu funcionamento.
O marxismo não defende coisas abstratas, não trabalha com moral abstrata, portanto não defende o princípio da autonomia dos sindicatos de forma abstrata. Numa sociedade de classes, ideias abstratas servem na correlação de forças para o lado mais forte (hoje, a burguesia). A ideia de que a indeterminação pode ajudar a classe trabalhadora é uma ideia ultrapassada, segundo ensinou Leon Trotsky nos seus últimos textos sobre a questão sindical. Se foram importantes sindicatos “absolutamente independentes” (da burguesia e também dos partidos de esquerda), isso foi apenas até o final do século XIX, quando o capitalismo era progressista. Não há mais espaço para ação propriamente independente, portanto não há espaço para princípios abstratos. Ou os sindicatos se definem de forma clara, assumindo um programa lastreado num recorte realmente revolucionário, ou tendem a acabar apoiando o Estado burguês. Na pratica, defender a absoluta “autonomia” hoje só joga as coisas para a abstração, cria uma cortina de fumaça que serve para manter o imposto sindical e a submissão dos sindicatos ao Estado. Ou o que definimos na plenária serve efetivamente para dirigir os sindicatos, ou a plenária é um teatro.
Em meio às disputas entre as correntes políticas, que em geral expressavam seus interesses particulares por aparato ou divergências táticas, a discussão programática e estratégica ficou bastante escanteada. Até porque, no que diz respeito ao programa, as diferenças entre o PSTU e as organizações reformistas que compuseram o Congresso são pequenas. Via de regra, todos defendem reivindicações de melhorias no Estado Burguês por meio de reformas progressivas. Todos defendem também as mesmas formas de luta sindical que a burocracia das centrais pelegas. Em geral, defendem as mesmas reivindicações, nos seus fundamentos idênticas àquelas do petismo e dos parasitas da CUT, eventualmente pequenas variantes mais radicais. São variantes mais radicais dentro de um mesmo eixo ou lógica de atuação, lógica programática. Embora nos pareça que o PSTU tenha avançado nesta discussão, isso ainda não repercutiu como disputa na CSP-Conlutas.
Nós levamos à assembleia do SINTUSP que elegeu seus delegados, e depois junto a outros delegados deste sindicato para o congresso, propostas que buscavam diferenciar a CSP-Conlutas do programa reformista sustentado pela burocracia sindical e também determinar a estratégia dos revolucionários para a tomada de poder (leia aqui). Tais propostas foram aprovadas com o apoio do PSTU e de outros companheiros, no entanto em meio à imensidão de resoluções aprovadas e contraditórias entre si, tendem a cair no esquecimento.
Na falta de ter-se estabelecido diretrizes estratégicas mais claras e consistentes, na falta de ter-se armado irrefutavelmente de um programa revolucionário que o diferenciasse dos reformistas, esforçando-se para dar algum devir do congresso para a luta, o PSTU inflou de forma histérica a tarefa de construção do dia 10/11.
Salta aos olhos que a grande orientação de um congresso que ocorre de dois em dois anos é uma atividade ocorrerá no prazo de um mísero mês. Quais são, afinal, as diretrizes para os próximos anos? Além do que, por mais que este dia 10 tenha sua importância tática, pois foi convocado pela Frente Brasil Metalúrgico e as centrais sindicais, sabemos que o relativo refluxo que vivemos desde a paralisação nacional de 28/04 não deve ser superado ainda este ano, a traição das centrais sindicais desde essa data quebrou as paralisações seguintes, e desmoralizou momentaneamente ações unitárias da classe operária.
Dificilmente as bases das demais centrais ultrapassarão seus dirigentes que estão se fingindo de mortos, apesar de retoricamente terem se incorporado a este “dia nacional de lutas.” Como todos sabemos as grandes centrais blindam o governo Temer enquanto se ocupam de negociar uma nova versão do imposto sindical, ou fazem campanha para o Lula em 2018. Em tal cenário de isolamento, mesmo as bases da CSP-Conlutas devem encontrar dificuldades em paralisar neste dia. A indignação entre a população trabalhadora contra o governo é gigantesca, mas ainda não somos capazes de canalizá-la sozinhos para uma ação organizada da classe operária.
Eletrizar a militância de forma artificial como tem feito o PSTU apenas o desmoralizará no futuro. Os companheiros precisam colocar os pés no chão quanto às tarefas imediatas para nossa classe. A classe trabalhadora muito provavelmente não vai parar o Brasil neste dia 10 e os companheiros sabem disso. Na maioria das fábricas, inclusive das bases da CSP-Conlutas, a campanha salarial já está se encerrando com a aprovação dos acordos coletivos. Há uma distância entre o que se diz e o que se realiza.
Este erro de abordagem do dia 10/11 está diretamente vinculado à agitação equivocada que os companheiros fazem por uma “Greve Geral,” que aparece como a solução mágica e abstrata para todos os problemas, conforme já abordamos em outra oportunidade.
A “Greve Geral” numa acepção ortodoxa do marxismo corresponde a uma grande medida de força do proletariado (que beira à insurreição), estando vinculada a organismos de poder dual consideravelmente desenvolvidos, contra o poder burguês. Tal agitação não corresponde à realidade. Embora as primeiras paralisações nacionais tenham sido importantes – seja por terem pressionado o governo, seja por ajudarem a desmascarar a burocracia sindical –, não foram greves gerais, e os companheiros sobrevalorizam o que foi realizado. Ações unitárias da classe abrem caminho mas não assentam por si mesmas mudanças na correlação de forças entre as classes. Não há atalhos, para derrotar o débil poder burguês é preciso dar passos mais consistentes (e mais “subterrâneos”) de organização do poder operário, conforme defendemos em nossa contribuição ao congresso.
Em resumo, nos próximos dois anos a CSP-Conlutas deveria focar todas as suas energias em inserir-se nas principais forças produtivas nacionais, organizar o operariado industrial em formas mais amplas e democráticas do que as estruturas sindicais, e diferenciar-se programática e materialmente das direções pelegas – ou seja, responder as necessidades mais imediatas das bases por emprego e salário de uma perspectiva revolucionária e socialista, além concretizar a independência financeira de suas entidades. Esta diferenciação é fundamental para preparação do futuro crescimento da via dos revolucionários sobre os escombros das velhas direções.
Caso os lutadores da CSP-Conlutas não realizem um balanço sério do congresso, correremos o risco de não armar a classe para a verdadeira luta amanhã. Se é verdade que o PSTU assumiu posições corretas e sóbrias quanto à conjuntura nacional e internacional, é verdade também que a política cotidiana, a mais importante, a política do chão da fábrica, ficou bastante debilitada, pois ficou indeterminada (graças a princípios abstratos diante do Estado ou à aprovação de propostas absolutamente contraditórias nas questões de salário e emprego). Se tudo vale na hora da ação sindical – se vale manter o imposto sindical e se vale lutar por propostas contraditórias às escalas moveis, aprovadas – então de pouca coisa valeu o que o congresso aprovou no que é o mais importante: armar a classe para o dia a dia. Então cada um seguirá fazendo em sua base o que quiser… e então o congresso só terá servido como “colateral” para construção partidária, e não para a democracia operária de fato.
Seguiremos com os companheiros com a esperança verdadeira de que as melhores expectativas serão atingidas.
Avante no combate operário! Criar o poder da classe trabalhadora!