Na semana passada, Bolsonaro concluiu sua minirreforma ministerial. O resumo dela é o seguinte: para não cair por impeachment, o presidente entregou completamente o governo ao “centrão”. O senador Ciro Nogueira, presidente do PP, foi nomeado para o comando da Casa Civil, antes sob direção do general Luiz Eduardo Ramos. Também o Ministério do Trabalho foi recriado. Ainda que sob direção de Onyx Lorenzoni, o novo ministério abrirá mais espaço para cupinchas do centrão.
A primeira coisa curiosa a se notar é o fato de que militares têm de ser desalojados do poder em nome do centrão, como no caso da Casa Civil. A nossa “esquerda”, que falava tanto de “golpe militar” e “fascismo”, agora se cala. O suposto risco alardeado aos quatros ventos por anos é hoje debelado pelas incríveis forças de resistência antifascistas do… centrão! Isso comprova quão falaciosa era a tese do “golpe”, cujo objetivo real era alçar a imagem de Lula como “salvador da democracia” (pelas urnas, é claro).
A segunda coisa a se notar – muito mais importante – é que a nomeação de Ciro Nogueira representa já a transição ao governo Lula dentro do próprio governo Bolsonaro. Como assim?
O Ministério da Casa Civil é de longe o mais importante dentro do Poder Executivo. É ele que articula todos os demais e, inclusive, a relação do Executivo com o Legislativo. Por isso, é um ministério-chave também em processos eleitorais. Ele de fato controla grande parte da máquina, da alavanca do Poder Executivo; é o diferencial na hora de o Executivo intervir pesadamente a favor de um candidato ou outro. José Dirceu, ministro da Casa Civil, ia suceder Lula, não fosse o mensalão. Dilma, ministra da Casa Civil, sucedeu o grão-petista. Nogueira, entretanto, não vai suceder Bolsonaro, pois não tem hoje pretensões eleitorais-presidenciais. Nogueira servirá como alavanca a outro candidato, não a si mesmo. A questão central é: quem?
Bolsonaro quer lua de mel com Nogueira, para que o apoie em 2022. Inclusive, como é agora público, Bolsonaro tenta se refiliar ao PP (do qual fez parte entre 2005 e 2016, como base de apoio de Lula e Dilma). Mas, como tem sido amplamente noticiado, há muita resistência no PP contra o retorno de Bolsonaro. O PP quer ter as mãos livres para apoiar outro candidato (mesmo que no meio do processo eleitoral). Ter Bolsonaro como candidato próprio significa, para o PP, não poder compor imediatamente a base de outro governo, caso o atual presidente perca. E as chances de Bolsonaro perder crescem a cada dia. O PP pode até se coligar com Bolsonaro, mas quer ter as mãos livres para mudar de posição, de facto.
Quem será que o novo ministro da Casa Civil, Nogueira, apoiará num processo eleitoral? Na última semana, em meio à própria CPI, o senador Renan Calheiros – hoje escudeiro-mor de Lula – deu a letra. Ele disse o seguinte: “Eu quero também cumprimentar este amigo querido Ciro Nogueira, grande líder, amigo dileto. Para além de eventual qualquer divergência, eu sou amigo de muita gente aqui no Senado Federal, nesta comissão [CPI] também muito mais, mas nenhum é mais meu amigo quanto meu amigo é o senador Ciro Nogueira”. Lembremos que Nogueira é o mesmo que, serviçal a Lula, chamou Bolsonaro de “fascista” na eleição de 2018 e “genocida” não há muito tempo.
Bolsonaro está numa sinuca de bico. Ele nomeou Nogueira. Supostamente pode demiti-lo. Mas se o fizer, perderá a base de sustentação que o salva do impeachment. Bolsonaro não nomeou Nogueira porque quis, mas porque foi forçado. Ao que tudo indica, Bolsonaro verá dia a dia a campanha eleitoral por Lula crescer dentro do seu próprio governo. Parte significativa da máquina de seu governo – a Casa Civil – tenderá a ser usada para favorecer outro candidato. E é assim que a transição ao petista já começou, dentro do próprio governo Bolsonaro. É uma lição prática de bolsolulismo.
Claro, tudo isso depende de o governo continuar sangrando. Se repentinamente retomar alguma popularidade, muito poderá mudar. Mas manter Bolsonaro sangrando, sem cair, é a especialidade dos petistas. Agora, inclusive, facilitada por mais um agente interno ao próprio governo.
Bolsonaro, impotente e incompetente, é tutelado de todos os lados por petistas, para melhor realizar a transição ao governo Lula. Só uma ação independente da classe trabalhadora pode rasgar o script do bolsolulismo.