Transição Socialista

Boulos: idiotização da política e petismo fora de época

Os apoiadores da chapa de Boulos e Erundina (PSOL) estão extasiados com as primeiras pesquisas eleitorais, nas quais seu candidato chega a pontuar quase 10% em intenções de voto e aparece tecnicamente empatado em 3º lugar. Assim, Boulos tenta desesperadamente uma vaga no segundo turno.

Embora qualquer previsão seja precoce demais, esse frenesi tem base no crescimento eleitoral do PSOL paulista nas eleições parlamentares de 2018 (dos 10 deputados federais eleitos, três foram por São Paulo. Na Assembleia Legislativa estadual fizeram 4 deputados). De todo modo, esse relativo crescimento do partido nos últimos anos se deu a despeito da diversidade de suas tendências internas, pois o partido foi completamente dominado por cima, por uma burocracia subserviente a Lula. A candidatura de Boulos à presidência, em 2018, já foi o coroamento desse processo de subordinação total do PSOL ao projeto burguês de Lula.

Quem é o eleitorado de Boulos?

O aparente sucesso de Boulos na largada da campanha se deve sobretudo à transferência de votos do que restou da base eleitoral pequeno-burguesa do PT (que não se identifica com o candidato Jilmar Tatto). Como todas as pesquisas mostram, trata-se de um voto concentrado na chamada “elite intelectual” paulistana, que recebe mais de 5 salários mínimos como renda familiar. Essa “elite intelectual” não é necessariamente burguesa, é claro, mas é composta em grande medida por pessoas com ideário pequeno-burguês, que creem ser possível atenuar as gritantes contradições do capitalismo por meio da “solidariedade” e do “amor”. É justamente para se adaptar a esse tipo de gente que a campanha de Boulos passa por uma infantilização completa, afastando-se de qualquer combatividade proletária. Caso chegue ao segundo turno, Boulos tentará mudar seu perfil, mas nem por isso chegará numa política proletária, devido a seu programa necessariamente pequeno-burguês.

Boulos representa em política aqueles que estão relativamente bem de vida em meio ao caos capitalista cotidiano, mas que se sentem mal – com culpa moral pequeno-burguesa – ao ver tanta contradição no mundo. São aqueles que gostariam de fazer melhorias para amenizar (e suprimir, se possível) a miséria, mas não consideram factível uma verdadeira revolução que corte os males capitalistas pela raiz. Não importa que toda a realidade aponte em sentido contrário há bem mais de um século, esse setor segue acreditando que melhorias em costumes, alimentação, gênero, redistribuição de renda etc. salvarão o mundo. O que lhes caracteriza é olhar para todas as relações possíveis, menos as realmente determinantes, as relações de produção. Por viverem nesse mundo delirante, nunca conseguem ter uma verdadeira dimensão da história para além do curto espaço de suas vidas (além do espaço de uma geração). Seguem por isso superconfiantes em seus planos utópicos.

O programa de Boulos: “quem quer dinheiro?”

Entre as panaceias de Boulos agora ganha destaque o programa “Renda Solidária”, uma cópia do auxílio emergencial de Bolsonaro, ou do “Renda Cidadã” deste, ou do “auxílio paulista” do Russomano, que por sua vez são cópias do “Bolsa Família” de Lula, que é só uma junção das bolsas que já eram dadas por FHC (“Bolsa Escola”, “Bolsa Alimentação”, “Programa de Auxílio-Gás”). O “Renda Solidária” de Boulos consiste numa bolsa entre R$ 200 e R$ 400 reais para 1 milhão de famílias da cidade. O dinheiro, diz Boulos, viria dos “R$ 17 milhões parados no caixa da cidade” (veja entrevistas dele após o debate de 01/10, na Band).

Boulos, como bom representante de sua base pequeno-burguesa, delira absolutamente. Caberia apenas lhe perguntar algo simples, para ver saltarem as contradições: Boulos, de onde vem o dinheiro? Ele certamente nos responderá que o dinheiro, se preciso de mais, virá do aumento de impostos sobre os ricos. Ou até, se radicalizar um pouco – mas mantendo-se na mesma lógica –, responderá que o dinheiro virá do não-pagamento de determinadas dívidas “injustas”. Mas, teríamos de retificar: não estamos perguntando de onde o dinheiro vai ser tirado, e sim de onde provém a forma social chamada dinheiro. Afinal, é isso que importa para uma política socialista. Gente como Boulos acha que dinheiro nasce em árvore, cai do céu ou é criado pelos bancos (a começar pelo Banco Central).

Apesar de Boulos e da pequena-burguesia, o dinheiro provém exatamente da exploração do trabalho pelo capital. O valor a mais, roubado da classe trabalhadora no processo de trabalho (exploração capitalista), é objetivado em mercadorias, transformado em preço e realizado na venda. Assim se torna dinheiro. Taxar os “ricos” com impostos mais altos não acaba com nada disso. O movimento do dinheiro (onde e como é investido) não suprime o fato de que ele já é mais-valia roubada da classe trabalhadora. Gerir dinheiro não suprime as contradições capitalistas. Em suma: Boulos não quer acabar com o capitalismo, mas geri-lo melhor. Como se isso fosse possível!

A “bolsa” de Boulos – e Bolsonaro e Russomano e Lula e FHC – não existe para suprimir as contradições capitalistas, mas para manter os mecanismos de acumulação capitalista (o aumento da exploração dos trabalhadores produtivos). Como Marx já explicou mil vezes, a burguesia, os Estados e muitas vezes as Igrejas (hoje menos do que na época de Marx) dão auxílios aos “pobres”, tendo em vista mantê-los pobres e dentro dos seus próprios países (evitar emigração). Isso cria uma grande massa redundante para o mercado de trabalho (que está ora empregada e ora desempregada, mas sempre mais ou menos apta a trabalhar). Essa massa redundante serve a duas coisas: 1) pressiona quem está empregado a aceitar piores condições de trabalho (ou seja, um aumento no grau de exploração); e 2) pode ser absorvida pelo mercado de trabalho a qualquer momento, se preciso (seja no período de expansão do ciclo industrial capitalista, seja por criação ou desenvolvimento de algum específico ramo produtivo no país). Boulos só quer manter a massa miserável na miséria, no ponto necessário em que possa ser utilizada para a acumulação do capital.

A ignorância sobre o que é o dinheiro se revela completamente quando Boulos defende criar “bancos comunitários”. Surge uma vez mais a ideia pré-marxista de criar bancos públicos que darão melhor crédito para a população. Essa ideia é muito velha (foi sistematizada por J.P. Proudhon e seus seguidores já ao final da década de 1840). Marx a submeteu a crítica dura, mostrando que o problema dos trabalhadores não consiste na falta de dinheiro, mas na existência de uma sociedade que produz a forma dinheiro e os escraviza por meio do dinheiro. Os trabalhadores seguirão explorados, tendo crédito ou não. Achar que o crédito mudará a vida dos trabalhadores é achar que o dinheiro é o ser todo-poderoso de nossa sociedade (eis por que os pequeno-burgueses querem “desentronar” o dinheiro de seu posto especial há cerca de 170 anos). O dinheiro não é o grande vilão nem o grande salvador, mas apenas um resultado necessário do processo de produção na forma capitalista (produção mercantil). A manutenção do dinheiro e do crédito pressupõe a manutenção do capitalismo.

Com a mágica do dinheiro, Boulos defende a criação de uma tal “economia solidária”, onde os trabalhadores da periferia criariam pequenas empresas e cooperativas (que receberiam crédito barato dos bancos “populares”). Trata-se do mesmo processo ideológico promovido pelo PT, que tornou “empreendedor” ou “micro-empresário” o sujeito que mudou de pessoa física ferrada para pessoa jurídica falida. Além disso, o dinheiro criado seria usado para financiar moradias populares (reforma urbana). Também isso Marx e Engels combateram há 150 anos (veja-se “A Questão da Habitação”). Mostraram eles que, no longo prazo, baratear moradias populares sem romper com a forma capitalista de produção só cria condições para o rebaixamento do valor da força de trabalho, ajudando assim o aumento da extração de maisvalia por parte dos capitalistas. Não se aponta assim qualquer contrariedade em relação ao sistema capitalista.

A única proposta do programa de Boulos que poderia – a depender de outros elementos – ser benéfica para a classe trabalhadora é a de criação de Frentes Públicas de Trabalho. Ela entretanto não tem destaque em seu programa, e nem é única dele. Também Márcio França a apresentou. Acontece que a defesa de Frentes Públicas de Trabalho só poderia ser um progresso para os trabalhadores se estivesse vinculada a medidas que impedem o aumento do grau de exploração do trabalho pelo capital. As Frentes Públicas de Trabalho, por si só, não resolvem os problemas do capitalismo. Elas consistem em abrir empregos públicos, mas o Estado, para pagar tais empregos, necessita de dinheiro. Este o leitor já sabe de onde vem: da exploração dos trabalhadores. Então, se as Frentes Públicas não são apresentadas conjuntamente com propostas que impedem o aumento da exploração dos trabalhadores, elas só significam uma diminuição do desemprego às custas dos trabalhadores produtivos (agora mais explorados). Boulos entretanto nunca defendeu a aplicação de medidas que impedem o aumento do grau de exploração dos trabalhadores. E, se prefeito, não as defenderá, pois essas medidas não têm a ver com Estado e gestão municipal, mas sim com sindicatos e a luta no local (privado) de trabalho (luta em torno do contrato coletivo de trabalho). O Estado não se mete nessa esfera privada da produção, a esfera fundamental da sociedade capitalista, onde se dão as verdadeiras lutas entre as classes.

Assim, “quem quer dinheiro?” é o mote do intragável programa popular do Sílvio Santos Boulos. Salvar os “pobres” com oferta de dinheiro não apontará qualquer saída do capitalismo. Antes, pelo contrário, o reforçará. Eis por que sujeitos como Boulos se tornam sempre – mesmo a contragosto – grandes aliados da ordem capitalista. A colher de chá dos reformistas jamais interferirá no oceano da anarquia capitalista!

Não vote em Boulos! Não ajude a criar mais uma farsa traidora da classe trabalhadora!

Boulos deveria olhar para o lado e dar conta de sua situação patética. Quando petista, Erundina – aquela que reprimiu greves de trabalhadores em sua gestão, aquela que teve Michel Temer como vice em eleições – governou a capital paulista com algumas das panaceias pequeno-burguesas que hoje Boulos defende. Mais de 30 anos depois, o monstro de esmagar trabalhadores chamado São Paulo só se expandiu, aumentando com ele a taxa de acumulação do capital e o grau de exploração dos trabalhadores. Boulos e Erundina não tiram nenhum balanço disso. Dizem apenas que foi a “melhor prefeitura que São Paulo já teve”!

Nós não seremos de forma alguma, em momento algum, cúmplices de charlatães que só ajudam a piorar a condição da classe trabalhadora brasileira no médio e longo prazos. Uma política revolucionária exige outra teoria, outro programa e outra ação. Estaremos entre aqueles que, em meio à população trabalhadora, na primeira oportunidade pedirão a cabeça de Boulos e Erundina. Não daremos qualquer apoio e nos prepararemos desde já para, se eleito, derrubar seu governo.

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