A absolvição da chapa Dilma-Temer no TSE foi o novo elemento da revelação do caráter de classe — burguês — de todas as instituições do Estado. Diferentemente do que falam vários analistas, não há uma judicialização da política, mas uma politização da justiça. A aparente judicialização da política era apenas a falência do poder legislativo e consequente assunção de protagonismo por parte do judiciário. Mas este, como não poderia deixar de ser, foi tragado pela crise política e revelou seu caráter de classe.
Gilmar Mendes, no TSE, foi a essência disso tudo; fundou seu voto apenas na necessidade de manutenção da governabilidade burguesa e desprezou por completo todas as provas cabais. Todavia, ao atender meramente a interesses privados, de salvação dos seus, o resultado produzirá necessariamente a piora na governabilidade burguesa. Ora, se a burguesia fosse uma classe minimamente progressista, que atendesse a interesses universais, acreditaria que a verdadeira caça à corrupção e o estabelecimento pleno da democracia seriam saídas pujantes para a crise atual. Mas isso não se deu nem se dará. Gilmar Mendes e o acinte do TSE não são um mero acidente, nem uma conspiração do presidente Temer. O resultado não foi mera sorte dos poderosos, mas o suprassumo do que a civilização burguesa é capaz de produzir hoje. O Estado é um balcão de negócios da burguesia, portanto, a revelação desses negócios escusos leva necessariamente à falência dos seus órgãos, entrelaçados nas teias corruptas. A falência do TSE é a comprovação dos atuais limites burgueses da justiça. Logo será a vez do STF (que, aliás, graças ao recurso da justiça eleitoral, terá de referendar ou não o julgamento do TSE).
As instituições, diferentemente do que falam analistas burgueses, não funcionam mais. O poder executivo está totalmente desmoralizado, o legislativo também, e o judiciário em grande medida. É uma falência múltipla de órgãos, numa das maiores crises de dominação da burguesia no Brasil desde o pós-guerra. O motor imóvel por trás de todo o processo, pouco perceptível, é a luta de classes. O grau de exploração da classe trabalhadora atingiu um patamar insustentável em nosso país, além do qual estoura em revolta. Esta já transborda para todos os poros da velha sociedade e seu Estado; abre contradições e faz saltar instituições. A tentativa da burguesia de forçar esse limite de exploração — por meio de reformas como a trabalhista — levará necessariamente o país a uma guerra social no médio prazo. Isso ressalta a urgência de se criar no Brasil uma organização de esquerda revolucionária, muito superior aos grupos de “esquerda” de tipo pequeno-burguês das últimas décadas.
Sim, já é quase “chutar cachorro morto” falar das contradições dos petistas (e associados), mas a votação no TSE nos trouxe oportunidades ímpares — esse setor político apodrece com a crescente crise da sociedade burguesa.
De acordo com o núcleo de pesquisa “Monitor do Debate Político no Meio Digital”, vinculado à USP, as redes digitais antipetistas foram as mais militantes pela derrubada do Temer; produziram e compartilharam três vezes mais conteúdo do que as gigantescas e bem financiadas redes petistas (“Mídia Ninja”, “Jornalistas livres”, blogueiros “progressistas”, etc). Comprovou-se que o público antipetista é muito mais favorável à derrubada de Temer do que os petistas e afins. E provou-se que o “Fora Temer!” destes, com o que importunaram obstinadamente todos os recantos da pequena-burguesia e da intelectualidade no último período, era mera farsa. Na “hora h”, os petistas e afins, para mudar de assunto, migraram para uma suposta campanha por “eleições diretas”, campanha que não é levada a sério pelas suas próprias direções.
Os que tocam adiante essa campanha por “diretas” apenas enganam, mais uma vez, suas bases, como enganaram em todas as outras pautas da crise política. Lembremos os diversos capítulos do embuste: primeiro falava-se “Fora Cunha” para tirar foco do “Fora Dilma” — ao mesmo tempo em que Lula, em conversa interceptada com Dilma, dizia que o problema do país era que o presidente da Câmara (Cunha) estava fraco, “totalmente acovardado”. Depois a direção do PT falava em “golpe” — mas coligava-se com o PMDB em todas as eleições municipais possíveis, costurava a eleição de Rodrigo Maia para presidência da Câmara, defendia no TSE a unidade de Dilma com Temer (pois assim teria maiores chances de salvar Dilma). Agora vem a falcatrua das diretas, que Lula não quer e encara como mero “esquenta” para 2018, como forma de recriar uma dócil base política. O PT mentiu e enganou a todo momento suas bases, mas para isso teve apoio de uma série de organizações de esquerda pequeno-burguesa, não diretamente associadas ao PT.
Para a pequena-burguesia, a questão é: por que vocês insistem em se deixar enganar? Errar é humano, mas persistir no erro…
O MNN tem orgulho de dizer que acertou em muitos elementos — não em tudo, obviamente — desta conjuntura. Fomos contra a corrente desde o início, aguentando todo o tipo de xingamentos e ridicularizações dos setores petistas e afins. Mas rimos por último. Falamos “Fora Dilma” com a esmagadora maioria da classe trabalhadora brasileira; esclarecemos que golpe só ocorre com uma mudança no regime político (e não no governo); falamos que Temer seria o próximo a cair e nos negaríamos a gritar “Fora Temer” enquanto fosse mero diversionismo petista e houvesse apreensão por parte da classe trabalhadora (esclarecendo, ao mesmo, que era preciso ter paciência e que o momento dessa palavra de ordem chegaria). Não tivemos receio de falar “Fora Temer” com a maioria da população na hora certa, no momento mesmo em que os petistas se calaram e abandonaram essa palavra de ordem. Acreditamos que acertamos em tudo isso.
Mas se acertamos minimamente é porque caracterizamos a conjuntura como de aprofundamento da crise da dominação burguesa. Fizemos essa caracterização porque, diferentemente da grande maioria da esquerda, não tínhamos qualquer ilusão no PT. Isso nos permitiu dizer, desde sempre, que o PT era um partido burguês como os demais (PSDB, PMDB, etc.). Ou, a rigor, não exatamente igual: o PT foi o partido mais importante para a manutenção da ordem burguesa nas últimas décadas, na exata medida em que conteve as massas trabalhadoras muito melhor do que os demais partidos burgueses. Para a verdadeira política — a da luta de classes —, o PT foi mais útil do que os demais partidos burgueses. Mesmo enquanto oposição (na “era FHC”), o PT foi um dos principais, senão o principal elemento de manutenção da política burguesa, justamente por paralisar a vanguarda operária. Hoje, a derrocada histórica do PT abre decisivamente uma grave crise de dominação da burguesia no Brasil. Essa é a essência da crise atual.
Só fizemos essa análise do PT como fiel da balança da ordem burguesa porque nunca tivemos qualquer ilusão no programa “histórico” do PT. Soubemos diferenciar claramente o programa do PT, desde o seu início, do programa marxista clássico. O programa marxista não é esse ecletismo político da chamada “esquerda”, do tipo “imposto progressivo”, “não pagamento da dívida pública pra investir em saúde e educação”, “educação e saúde públicas e de qualidade”, “reforma urbana”, “passe livre”, “direito à moradia”, “direito à cidade” (e mais uma infinidade de “direitos”). A esquerda, mesmo a dita revolucionária, até hoje está impregnada por essas noções empiristas que se resolvem sempre, em maior ou menor grau, na gerência do Estado burguês. Trata-se de um programa pequeno-burguês, radical-democrático, de uso do Estado burguês para uma suposta independência nacional, mas que apenas serve, em última instância, para encobrir (como fraseologia) a capitulação à burguesia. O programa marxista, na verdade, forjou-se historicamente (e exatamente) no combate a essas visões de mundo, numa negação ou depuração histórica desses elementos.
À luz dos programas clássicos do marxismo, O capital de Marx e o Programa de Transição de Trotsky, vimos historicamente o caráter nocivo do PT para a esquerda e para a classe trabalhadora, bem como sua característica fundamental de pilar da ordem burguesa. Portanto, não tivemos receio quando as massas quiseram por abaixo, a partir de 2013, esse pilar nefasto. E o mesmo nos anos seguintes, contra os coadjuvantes do petismo (PMDB e PSDB). A queda desse pilar nefasto abre gigantescas possibilidades para a criação de uma nova organização política de esquerda no Brasil, revolucionária, marxista. Evidentemente, não achamos que ela surgirá de nós — mas da junção de todos aqueles que, nesse longo processo de anos (ou melhor, de décadas), apesar de todas as adversidades e de todo o isolamento, apesar das pressões de classe da burguesia e da pequena-burguesia, não se dobraram nem se entregaram à mediocridade da política com “p” minúsculo; aprenderam a pensar por si próprios e a confrontar os dogmas da chamada “esquerda”.
Caminhantes, não há caminho — se faz caminho ao andar.