Transição Socialista

Não à reforma política!

Na semana que passou realizou-se a primeira votação, em comissão especial da Câmara dos Deputados, da PEC para a Reforma Política, que mudará as regras para a eleição dos cargos legislativos no país, podendo entrar em vigor já nas eleições de 2018. A reforma, por incrível que pareça, conseguirá piorar ainda mais o atual sistema político e eleitoral, tornado-o menos democrático e mais fechado à pressão popular. A proposta é a comprovação de que, na atual fase histórica do capitalismo mundial, toda reforma para suposta melhora do sistema torna-se logo o seu contrário: uma piora.

O tema da reforma política foi pautado pela primeira vez com grande força por Dilma Rousseff, como resposta às manifestações de junho de 2013. Eis por que, ainda hoje, o relator da proposta que tramita é Vicente Cândido, do PT de SP. Em 2013, grande parte da oposição de esquerda ao PT (sobretudo o PSOL) defendeu que a proposta de reforma eleitoral de Dilma poderia ser disputada por dentro, para se desenvolver algo “melhor”, “mais progressista”, em suma, para se “radicalizar a democracia” burguesa. Hoje vemos no que isso deu.

A etapa aberta por junho de 2013, que trouxe à tona tantas contradições, é a mesma ainda hoje – independentemente se está Dilma do PT no governo ou Temer do PMDB –, por isso, como resposta às manifestações, o propósito geral da reforma política continua o mesmo: restringir direitos democráticos para atacar a classe trabalhadora. Hoje apenas realiza-se, de forma mais habilidosa, o que foi preparado contra a população em 2013 por Dilma e um congresso amedrontados.

Em que consiste a proposta de reforma política?

1. Mudança na forma de eleição: distritão

Atualmente, a eleição dos cargos para legislativo (deputados e vereadores) é por coeficiente eleitoral. Com a nova proposta, a eleição será pelo “distritão” (logo explicaremos o que ele é). O coeficiente eleitoral é calculado pela divisão do numero de cadeiras pelo total de votos. Assim, atualmente, se um partido ou coligação atinge, por exemplo, cinco vezes o coeficiente eleitoral, ele tem direito a cinco cadeiras que serão distribuídas aos cinco mais votados de sua coligação ou partido. Assim acontece o “efeito tiririca”, onde um candidato sozinho extrapola muito o coeficiente eleitoral e leva consigo outros oportunistas que podem não ter votos nem de seus familiares.

O que foi aprovado na comissão especial da Câmara nesta semana (por 17 votos a 15 e 2 abstenções) é o chamado “distritão”, para substituir o coeficiente eleitoral. Este termo, “distritão”, é referência a uma região ou perímetro amplos (um “distrito” grande), que pode englobar algumas cidades; equivale mais ou menos a um estado da unidade federal. Em oposição a ele, existe o “distritinho”, que equivaleria mais ou menos a regiões dentro de uma só cidade. Enfim, no “distritão” os candidatos mais votados de cada região ampla assumem as cadeiras parlamentares, sem eleger outros do mesmo partido consigo (sem coeficiente eleitoral). Apesar de parecer mais simples e racional, por se tratar de uma eleição direta pura e simples, essa forma de eleição será nefasta porque está vinculada a duas outras medidas que analisaremos adiante: o fim das coligações e a cláusula de barreira (ou “de desempenho”). Além disso, cabe notar que é uma forma de eleição em que se dilui mais os partidos em nome das figuras populares regionais.

Por que os deputados estão realizando essa modificação? Pura e simplesmente para se reelegerem. Ou melhor: pura e simplesmente porque estão com medo de perderem o foro privilegiado e serem presos depois de deixar o mandato. Segundo o pesquisador Jairo Nicolau, em estudo para o Jornal Nexo, 91% dos atuais parlamentares se reelegeriam na próxima eleição se funcionasse o “distritão” (atualmente, com o coeficiente eleitoral, a taxa de renovação é de pouco mais de 50%). Por que eles conseguiram se reeleger? Porque com o distritão os partidos serão obrigados a concentrar suas campanhas nos políticos que já estão com maior visibilidade (ou seja, os mais poderosos, os já eleitos) e abrirão mão das novas candidaturas, mais “arriscadas”.

Para a casta política, essa proposta significa salvar a própria pele, pois garante, além de tudo, foro privilegiado sob as investigações da Lava-Jato. Já para burguesia, que precisará de figuras experientes, calejadas e que sofrem menos pressão da população para tocar o barco das reformas, seria muito interessante.

2. Restrição do número de partidos: fim das coligações e cláusula de desempenho

Uma das propostas que acompanha as mudanças é a proibição das coligações com outros partidos para os cargos de deputados e vereadores, assim como atualmente é para senadores. Os partidos terão de lançar “candidaturas puras”, com apenas os seus partidos, para a disputa. Sem o coeficiente eleitoral, essa medida garantirá que apenas os grandes partidos, os caciques da política nacional (sobretudo PMDB, PT e PSDB) sejam eleitos, ou ao menos tenham a esmagadora maioria. A burguesia, como classe, quer um congresso mais estável. Ela confia em seus grandes partidos, mas não na miríade absolutamente fisiológica e contraditória que se forma todo dia, com partidecos que agem a cada dia de forma diferente. A burguesia, portanto, precisa diminuir as liberdades de formação de partidos para diminuir o número de partidos. Isso afetará todo o chamado “centrão”, mas também a esquerda chamada de “ideológica” (PSOL, PSTU e PCB). Trata-se de um ataque à população, um ataque à esquerda, mas não propriamente por causa da atuação de partidos da chamada esquerda dentro do parlamento (sobretudo o PSOL), e mais porque a existência de muitos partidos – ou, o que dá no mesmo, o excesso de liberdade e democracia burguesa – está tornando o sistema político e eleitoral muito instável e contraditório, sujeito a explodir diante do crescente descontentamento e pressão populares.

A clausula de desempenho atua no mesmo sentido do fim das coligações. Ela tira direitos parlamentares, assim como impede o acesso às verbas públicas para campanhas, no caso dos partidos que não atinjam 1,5% dos eleitores nacionais em pelo menos um terço dos Estados. Isso será basicamente impossível para a grande maioria dos partidos. Nesse caso, atingiriam a meta até 2018 os partidos que tivessem pelo menos nove deputados em no mínimo um terço dos estados, aumentando progressivamente para 18 deputados até 2030.

Com essas duas medidas, os partidos pequenos e de esquerda (PSOL, PSTU e PCB), que já sofrem com um ridículo tempo de propaganda e financiamento, serão levados a uma condição de semi-legalidade. Alguns deles, como o PSOL, pagarão caro pelo erro de ter apoiado criticamente essa reforma há pouco tempo.

3. A farsa do financiamento “público” das campanhas

Quando estourou a Lava-Jato, os petistas e boa parte da esquerda semi-petista moralizante ergueram a palavra de ordem de “fim do financiamento privado! Pelo financiamento público das campanhas eleitorais”. Ignoravam que reformar o Estado burguês não daria em algo pior, dentro das condições atuais do capitalismo? Na época, alertamos quanto a isso.

As empresas já estão proibidas (desde 2015) de financiar diretamente candidaturas, e as doações agora são feitas “apenas” por pessoas físicas (leia-se empresários). Tudo mudou para continuar igual e a população trabalhadora foi feita de trouxa. Os empresários (e não as empresas, ufa!) agora financiam as campanhas. Não é mais CNPJ, mas CPF! Grande mudança! Para piorar, a suposta “luta pelo financiamento público de campanha” da nossa “esquerda” tão radical revela sua verdadeira cara: com a reforma será criado o “Fundo Eleitoral”, um fundo de R$ 3,6 bilhões para os partidos usarem nas eleições. Adivinhem quem serão os trouxas que pagarão por esse fundo “público”? Certamente, não os partidos nem os empresários!

4. O fim do mandato vitalício para juízes do STF e STJ

Como parte da reforma política, discute-se mudar o mandato dos juízes das supremas cortes. Hoje, tais mandatos são vitalícios, com aposentadoria compulsória aos 75 anos. Por exemplo, um juiz do STF nomeado por Sarney na década de 1980 (como Celso de Mello) pôde ficar no STF até hoje. A nova proposta prevê que o mandado deverá durar apenas 10 anos. Assim, busca-se tornar o STF mais rotativo, para ficar mais próximo do poder executivo, ou seja, busca-se fazer com que o juiz atenda melhor e mais diretamente aos interesses do presidente que o nomeou. Hoje, alguns ministros agem diante dos novos presidentes como se nada lhes devesse… e esse sentimento democrático é visto pela nobre casta política nacional como algo nefasto!


Sim, as liberdades democrático-burguesas estão sendo restringidas nesse processo. Todo lutador revolucionário sério deve se colocar contra isso, justamente porque a democracia burguesa é, dentro do capitalismo, o melhor regime para a organização da classe trabalhadora. A restrição das liberdades por meio da restrição dos partidos, controle das demais instituições (judiciário, MPF, PF) – tudo isso age para atender às necessidades da burguesia, que vê seu regime de dominação a cada dia mais instável. Na medida em que é uma restrição das liberdades democráticas, é também uma transição para uma forma mais autoritária de regime burguês. Resta saber quem dos vários candidatos burgueses de plantão – Lula, Dória, Alckmin, Maia, Bolsonaro – assumirá o papel do autoritariozinho que a burguesia tanto necessita neste momento histórico para paralisar a classe trabalhadora.