O Partido dos Trabalhadores celebrou seus 36 anos no Rio de Janeiro no último final de semana. Dilma não estava presente. Fez-se de difícil, diante das críticas já esperadas de parte significativa do PT ao seu governo? Não, certamente: tudo foi coreografado, numa espécie de toma-lá-dá-cá em que os lados que tomam e dão são, na verdade, o mesmo lado. Assim, com a ausência de Dilma, o PT pôde melhor montar a farsa de oposição de “esquerda” a si mesmo, e Dilma, por sua vez, melhor amarrou os braços sindicais petistas (e agregados) na pauta congressual do capital.
A farsa por parte do PT foi montada em torno dos 16 pontos do “Plano Nacional de Emergência”, a ser defendido desde já para “pressionar” Dilma para a esquerda… Em que consistem os 16 pontos? Em impostos, impostos e impostos. Impostos e fim de isenções fiscais (leia-se “impostos”). Pontualmente, queda dos juros (mantida alta nos governos do PT) e, após ela, mais impostos, com destaque para a CPMF.
E aí está o nó da questão, a CPMF. Ela é o ponto que revela a verdade por trás do discurso. É preciso saber um pouco de tática, e disso entendem os capa-pretas do PT. Aliás, o que lhes caracteriza é a total flexibilidade tática e nenhum princípio ou estratégia. Assim, pensam eles, para que adiantarmos a crise que necessariamente terá de vir em nossas bases com a aprovação da reforma previdenciária e trabalhista, se podemos ajudar a destravar a paralisia do governo via aprovação da CPMF?
Os 16 pontos do “Plano Nacional de Emergência” não são um libelo contra Dilma, mas uma elegia à CPMF, floreada com o de sempre — as bandeiras históricas, taxação de grandes fortunas, fim das isenções aos tubarões capitalistas, etc.; bandeiras históricas que o PT nunca tirou do papel. Leia-se, portanto: o plano nacional é apenas mais uma carta (entre tantas nestes 36 anos) de enganação da militância, para instrumentalizá-la pateticamente a fins pragmáticos do grupo lulista.
A questão para o governo agora é aprovar a CPMF para demonstrar força política — ainda que esse imposto esteja longe de resolver o problema fiscal do Estado —, bem como a questão é encontrar uma saída para a crise com o PMDB, e sobretudo com Cunha, que não passe por sua fritação completa. Esta semana é central para o futuro de Cunha no STF, e o PT e aliados, apesar de todos os conflitos recentes com o presidente da Câmara, mobilizam-se para que seu fim não seja trágico. Afinal de contas, seu rabo está muito firmemente amarrado aos de Dilma, Temer e Renan.
Na verdade, apesar do interesse pragmático imediato na aprovação da CMPF, há outro, fundamental, no “Plano de Emergência”: construir a médio prazo a imagem do Lula 2018 como de “esquerda” ao governo Dilma. Os 16 pontos não são escritos para efetivamente pressionar Dilma para a esquerda, mas para dar uma identidade de esquerda a Lula. Lula e o PT tomaram pequeno fôlego na paralisia política que o STF impôs ao país, quando cerrou a discussão do impeachment, e já voltaram a sonhar (delirar?) com as possibilidade de realizar o jogo em que o criador não tem a ver com criatura, nem o partido do governo com o governo.
É claro que a tática é frágil. Alguém acredita realmente que Dilma desviou-se da trilha petista? Que Dilma tornou-se gerentona eficaz que concentra tanto poder em suas mãos a ponto de desprezar as políticas de seu próprio grupo? Em primeiro lugar, é claro, nem Dilma nem outro governo capitalista têm real autonomia em relação ao capital. Mas não é só isso: Dilma aplica a política que a entourage dirigente petista lhe imprime. Os homens mais próximos de Dilma caíram na última crise. Giles Azevedo e Aloísio Mercadante são um pequeno-grande exemplo. Agora também Cardozo. Os homens com os quais Dilma tentava (ou fingia) ter um governo próprio já foram derrubados por Lula e, em seu lugar, foram fincados lieutenants do cacique petista. A política do governo é em grande medida hoje publicizada por esses senhores lulistas, sobretudo Jaques Wagner e Ricardo Berzoini. Dilma está aplicando a política do Lula.
Lula e o PT têm o ônus e o bônus de serem governo. O ônus advém da associação pública com um governo incompetente e corrupto. Incompetente não por alguma característica pessoal de Dilma. É claro, a grande política é um teatro, o idiotismo parlamentar (nos termos de Marx), e, por isso, a desenvoltura do ator conta. Lula sairia-se muito melhor que Dilma na atual crise. Mas o governo é incompetente porque o PT é incompetente, ou melhor, porque o PT faliu historicamente quando provou que não tinha um projeto histórico para o país. Os anos de “ascensão econômica” sob o PT foram anos em que o capital internacional olhou para o Brasil, bem como para outros “emergentes”, diante da crise mundial, e o afluxo de capital produziu maior circulação de capital, concomitantemente mais consumo (produtivo, antes de tudo) e certa mobilização na renda média do trabalhador (mas, sobretudo, concentração de renda no polo capitalista). É tão certo que foi isso o ocorrido que, agora, quando o movimento geral do grande capital se inverte, o país vê-se lançado no abismo. Cabe perguntar: o que o PT deixou de duradouro, em estrutura nacional; o que deixou de estável para além das oscilações do mercado mundial? As estatísticas provam que os supostos “ganhos” da última década são agora incinerados com o dobro de velocidade.
O ônus é estar vinculado a um governo que representa tudo isso: nada de projeto ou de futuro para o país, apenas retórica. Mas e o bônus? O bônus, evidentemente, é estar na gigantesca máquina do Estado brasileiro e poder usá-la uma vez mais a seu favor (e, certamente, de forma corrupta) para manter-se no poder. O bônus é conseguir manter um gigantesco grupo parasitário que vive da relação com o Estado burguês, que tem interesses materiais nessa relação, e que será acionado para proteger, ampliar e fortalecer essa relação. A base sindical do PT e seus agregados, apesar da política econômica da Dilma, que criticam em palavras, é obrigada a defender antes de tudo o governo e posicionar-se contra o impeachment. Sua relação material impõe tal necessidade. Essa é a essência — a dependência material — por trás da aparência. A retórica mirabolante consegue justificar a necessidade de defender este governo contra um suposto golpe ditatorial apoiado por forças imperialistas, mesmo quando este governo está aprovando leis autoritárias, como a lei antiterrorismo, ou leis completamente entreguistas de riquezas naturais do país, como as do pré-sal, ao grande capital.
É verdade que a proposta de Lei Antiterorrismo do Senado não foi aprovada pela Câmara dos Deputados. Ainda bem, pois aquela implicava num grau de autoritarismo similar ao de uma Ditadura explícita. Mais uma vez o Senado cumpriu bem sua função histórica de casa mais conservadora e reacionária brasileira, de estabilização da ordem burguesa nacional. A Câmara, por sua vez, mostrou sua função mais contraditória, um pouco mais instável e aberta à pressão popular. Entretanto, cabe perguntar: não é justamente no Senado e no STF (um órgão nem mesmo eleito pela população!) que Dilma e o PT se agarram hoje — e com os quais vibram de alegria a cada semana — para manterem-se no poder? Não são o Senado e o STF a última corda de sustentação de Dilma (corda que ela envolve no pescoço da nação)?
A lei Antiterrorismo ficou mais light com a proposta da Câmara (similar à apresentada por Dilma), mas mantém-se uma excrescência num Estado Democrático-burguês de Direito. Cabe agora saber como Dilma a aprovará, mas a versão da Câmara já é abertamente defendida por todos os representantes do governo nas duas casas do Congresso Nacional. Todavia, essa lei ainda mantém prerrogativas sérias contra movimentos sociais, sobretudo contra os “novos movimentos”, despertos após junho de 2013, não abarcados na lógica dos movimentos sindicais petistas. Por exemplo, no texto consta como terrorismo “usar, ameaçar, transportar e guardar explosivos”. Numa manifestação de juventude como as que têm surgido, com forte caráter anticapitalista, possivelmente não enquadrada no que juízes de plantão consideram “movimentos reivindicatórios” de um Estado “Democrático”, jovens que portarem cocktails molotovs serão terroristas. Uma manifestação com “quebra-quebra”, para esses senhores (que desprezam completamente o fato de que tais “quebras-quebras” são, via de regra, resposta popular espontânea à violência policial), não é uma manifestação propriamente política, mas terrorismo. Não à toa o texto aprovado tipifica crime de terrorismo “depredar meios de transporte públicos ou privados ou qualquer bem público”. A burguesia ainda está respondendo a junho de 2013, conscientemente. E o PT está gerenciando isso.
Há aquele famoso poema de Brecht sobre a ascensão do fascismo: “primeiro levaram os comunistas, mas eu não me importei, eu não era comunista”. Todos conhecem-no. Agora cabe dizer: “primeiro levaram os Black Blocs, mas eu não me importei, eu não era Black Bloc”… A base sindical do PT, dando sustentação a esse governo, está apenas preparando sua própria ruína, pois o capital terá de responder com autoritarismo, e responderá, à classe trabalhadora e à sua ação espontânea, sobretudo à medida que a crise econômica e política se aprofundarem. E o PT está gerenciando isso.
Provavelmente Dilma não terá tempo hábil, nem sustentação política suficiente, para levar adiante esse projeto nefasto de enquadrar não apenas os Black Blocs, mas também todo o movimento social da classe trabalhadora. É para isso que Lula já se candidata e exercita. Há mais de dois anos até o fim de 2018. São inocentes os que acham que Lula está liquidado graças à Lava-Jato. Inocentes pensaram assim em 2005, após o mensalão, e Lula se reelegeu em um ano. Apesar das pesquisas destas últimas semanas revelarem que a maioria da população o vê como corrompido e envolvido até às orelhas na petrolama, o fato é que deve-se esperar tudo desse senhor. Sobretudo se a crise econômica se acirrar e a burguesia perceber a necessidade de seus serviços de pelego para conter a classe trabalhadora. Lula sabe se vender como inocente, como coitado cercado por uma conspiração. As pesquisas mostram a musculatura de Lula. Apesar de aparecer vinculado à corrupção, e aparecer derrotado por Aécio, Marina ou Ciro Gomes, Lula é visto também como “o melhor presidente que o país já teve”, inclusive com o dobro de popularidade de FHC. Ou seja: Lula ainda está no páreo para 2018.
Tendo em vista tudo isso; tendo em vista que o PT hoje articula e ajuda a aprovar um projeto repressor ao conjunto dos movimentos sociais; tendo em vista a sustentação do PT sobre as bases mais reacionárias da política nacional; tendo em vista os serviços sujos que Lula ainda pode fazer para conter e controlar a classe trabalhadora brasileira, não temos dúvida ao afirmar que hoje é algo positivo, para a classe trabalhadora e para a juventude, que esse senhor siga atacado; que os diferentes setores da burguesia sigam paralisados e divididos, e que o PT não consiga governar para desferir ainda maiores ataques à população trabalhadora. Todavia, o único abalo realmente significativo, capaz de comprometer de uma vez por todas a imagem de Lula, seria a derrubada de Dilma. O impeachment muito provavelmente seria o fim da capacidade política de Lula e sua máquina de apoio. Esse movimento, entretanto, a burguesia parece não ter coragem de realizar hoje.
Nos 36 anos do PT, a melhor conclusão que se pode tirar é a de que a classe trabalhadora precisa construir outro partido político, completamente diferente do PT. O PT que aí está, tomado por corrupção e gangsterismo, é um desenvolvimento lógico daquele PT das origens, sempre hegemonizado por pelegos sindicais e stalinistas. O PT que aí está é um resultado de seu programa reformista e social-democrata, que de socialismo só falava em dias de festa para enganar sua ala à esquerda. Um novo partido, a ser construído, deve superar o desprezo do PT ao leninismo, seu fetiche por “liberdade” e “autonomia” no âmbito organizacional; bem como seu ecletismo teórico oportunista. A ação espontânea da nossa classe, sobretudo da nova geração, abrirá o caminho material para a crítica histórica, teórica e prática ao PT.