Nesta conjuntura específica defender novas eleições tende a ser um grande tiro no pé da própria esquerda socialista, com consequências danosas à organização futura da classe trabalhadora. Depois de longo silêncio, Dilma manifestou-se a favor de um “plebiscito” por novas eleições caso retorne à presidência. A convocação da população a decidir sobre novas eleições funcionaria, segundo Dilma, como um “pacto democrático” para superar o suposto trauma do suposto golpe.
Lula também passou a defender novas eleições. Por que? Ora, obviamente, porque sabe que tem grande chance de voltar num processo eleitoral. A chave é a pesquisa da CNT publicada na última semana: Lula aparece em primeiro lugar (assim como aparecera na pesquisa de abril deste ano) e com grande chance contra Aécio ou Marina num segundo-turno. Lula inclusive melhorou seu índice de intenção de voto se comparado com a pesquisa anterior. Há ampla rejeição a Lula — mais de 50% —, mas este espera que com Dilma retornando à presidência fariam pirotecnia com as verbas públicas, um jogo de marketing de dar inveja a João Santana. O tempo seria hábil, pois a nova eleição tenderia a ser apenas no meio/final do primeiro semestre de 2017 (e o plebiscito coincidiria com as eleições municipais deste ano). Esse show de ilusionismo, a ser construído até a eleição em 2017, seria algo como uma devassa das verbas públicas e a destruição das reservas nacionais para comprar a nação vinte vezes e dá-la de presente a si própria vinte vezes. Lula é um mágico e espera com suas artes obter os 30% de votos que garantem, na prática, qualquer eleição neste país. O risco é que ele não está longe disso.
São inocentes os que acreditam que o PT e Lula querem deixar Temer sangrar até 2018; que o PT está gostando de ser oposição, pois assim se “cacifará” entre as massas. As massas, sobretudo a vanguarda da classe trabalhadora, não acreditam nem voltarão a acreditar em Lula e no PT. Achar que o PT está feliz na oposição só serve para difundir confusão e fazer os que atacam Lula e o PT baixarem as armas políticas. O que Dilma, o PT e Lula mais querem é voltar ao poder. Quanto mais tempo derem a Temer, sabem eles, mais o interino poderá quebrar a base político-eleitoral fisiológica do PT (Temer já disse, por exemplo, que não cortará verbas do Bolsa Família). Temer está em reunião com a cúpula do PSDB (Aécio Neves) e juntos podem tornar-se um risco real ao PT em 2018. Mais tempo deem a Temer, e mais exposta estará a cúpula petista ao risco da Lava-Jato (os últimos fatos contra Zé Dirceu e Vaccari comprovam-no). Lula e o PT sabem que não têm tempo a perder.
É preciso estar atento e forte; não baixar as armas políticas, pois esses senhores são capazes de qualquer coisa (viu-se com Waldir Maranhão). A proposta de novas eleições, da parte deles, pode muito bem ser um grande engodo, uma grande mentira só para voltarem ao poder e estabelecerem novas regras.
É público que Roberto Requião, senador do PMDB-PR, está articulando senadores que votaram pelo afastamento temporário de Dilma. Requião reuniu cerca de 30 senadores; apresentou-lhes a proposta de novas eleições (por meio do plebiscito) como única saída para a crise política nacional — que, ao que tudo indica, mantém-se e tende a agravar-se com Temer. A chance de o impeachment não passar no Senado cresce a cada dia. Na última semana Dilma impôs uma derrota a Temer na Comissão Especial do Impeachment no Senado: o grupo favorável ao impeachment, percebendo a mudança nos humores dos senadores, buscava diminuir em 20 dias o prazo de tramitação do julgamento de Dilma, mas foi derrotado. O grupo pró-Temer percebe que o jogo não está jogado e que cada dia é determinante na formação da opinião final dos senadores.
A esquerda socialista, ao defender novas eleições, está brincando com fogo. PSOL e PSTU servem, ao defenderem as eleições, de linha auxiliar ao lulismo. É verdade que novas eleições aparecem para a maioria da população como algo democrático. É verdade que os revolucionários defendem de forma universal o princípio das eleições (e da revogação/impeachment) — mas apenas nos órgãos da democracia operária. Os revolucionários não defendem isso em abstrato, como valor universal, em todos os espaços. A defesa de novas eleições (bem como de impeachment) nos espaços políticos da burguesia pode servir para a luta da classe trabalhadora, mas pode também não servir. É algo tático. E assim como foi correto, do ponto de vista tático, defender impeachment para enfraquecer a dominação burguesa, é errado hoje, do ponto de vista tático, defender novas eleições, na medida em que isso acelera o caminho para o projeto lulista, que é um projeto autoritário, que se volta contra a classe trabalhadora.
O retorno de Lula seria um passo muito sério — e desta vez quase definitivo — para a conformação de um regime de tipo bonapartista (lulista/populista, autoritário). Sobre isso, já argumentamos diversas vezes em editoriais recentes. A necessidade de tal regime hoje está colocada para o conjunto da classe burguesa, que percebe a desmoralização de seus representantes políticos, a instabilidade provocada por estes, bem como percebe (sobretudo desde junho de 2013, e com o aumento das greves) o esquentar da luta de classes.
A esquerda socialista acha que conseguirá dar destaque a seus partidos e às suas figuras políticas nacionais em um novo processo eleitoral, mas ao que tudo indica isso é ilusão. A esquerda está colocando sua vontade de aparecer, sua necessidade de autoconstrução, à frente da necessidade geral da classe trabalhadora. Com seu interesse privado de publicidade, a esquerda está caindo no jogo de uma política que é em última instância nociva ao conjunto da classe trabalhadora, a política autoritária do lulismo.
Que fazer? É hora de ganhar tempo. Não é hora de defender “Novas Eleições”, nem de defender “Fora Temer” (que na atual configuração é só um “Volta Dilma”, ou melhor, “Volta Lula”, como mostrou o ato da sexta-feira, dia 10, na Av. Paulista. Sobre porque não defender “Fora Temer” já, argumentamos em nosso último editorial). “Novas eleições” ou “Fora Temer” facilitam hoje a formação do lulismo. O que mais importa para a esquerda socialista agora é ajudar a classe trabalhadora a organizar a luta, nos locais de trabalho, contra os ataques que o governo Temer precisará fazer, bem como contra a crise capitalista. “Resistir aos ataques de Temer!” (e não “Fora Temer”), bem como “Defender os empregos e salários” (por meio de reivindicações transitórias) — eis a chave para que a esquerda socialista crie melhores correlações de forças para a crise aguda que necessariamente se abrirá em breve. Quando ela se abrir, a esquerda socialista precisa estar numa melhor correlação de forças do que hoje. “Ganhar tempo” significa literalmente isso: deixar de gastar tempo com pautas diversionistas, que fazem o jogo do PT, e deixar de gastar tempo com pautas pequeno-burguesas, voltadas à super-estrutura e a reformas do sistema — e girar o tempo de trabalho e militância da esquerda socialista para a inserção em setores chave da economia capitalista, se preparando para a abertura da luta de classes nos locais de trabalho.
Não à proposta de novas eleições: ajudar a criar já, nos locais de trabalho, os comitês de fábrica, as ocupações e a democracia operária! Ajudar a criar o Poder Operário! Contra o lulismo, criar a democracia operária, a verdadeira democracia e as verdadeiras eleições: o poder dos comitês de fábrica e dos conselhos! Resistir nas greves e ocupações, e não na televisão pedindo voto como reféns da artimanha lulista!