A primeira questão a ser respondida é: por que os atos deste domingo, 04/12, foram menores? Estimamos que o ato em São Paulo teve entre 30 e 40 mil pessoas, um número muito menor do que o dos anteriores. Por que isso aconteceu? Será necessariamente uma tendência de enfraquecimento?
O primeiro motivo, mais imediato, foi o recuo do governo no domingo anterior ao ato. No dia 27/11, Temer, Renan e Rodrigo Maia, vendo que os brasileiros estavam putos com a tentativa de anistia ao caixa dois na Câmara, foram às pressas à rede nacional de televisão, afirmar que vetariam qualquer forma de anistia ao caixa dois. O medo se expressava em suas caras e palavras. Contrariando suas aparições anteriores, estavam sem gravatas, para parecerem menos burocratas ou menos “políticos”. A declaração amorteceu uma camada mais ampla que possivelmente iria ao ato.
A “desfiguração” das 10 medidas contra a corrupção pela Câmara gerou muita revolta, mas numa camada mais circunscrita da população, mais “politizada”, porque, na verdade, a esmagadora maioria não conhece ou não sabe o que significam essas medidas do MPF. A tragédia de Chapecó também encobriu boa parte do noticiário sobre corrupção, e inclusive gerou um ato de todas as torcidas organizadas no mesmo dia e horário do ato de que tratamos.
Há ainda um motivo mais profundo, importante: este ato era sobretudo contra a corrupção. O objetivo político do ato, no sentido do confronto político colocado, era mais difuso do que o dos anteriores. Uma coisa eram atos ditos “contra a corrupção”, mas cujo objetivo político era derrubar a presidente Dilma, que aparecia como responsável pelo caos econômico. A luta contra a corrupção era praticamente um meio para um fim político claro para todos. Outra coisa são atos, como o deste domingo, cujos inimigos políticos estão mais difusos (são mais de um) e ostentam cargos políticos menos importantes, se comparados com o de presidente. Renan já está pra cair e Rodrigo Maia, de tão fraco, deve sair em fevereiro. Este ato, por ter inimigos políticos mais difusos, tinha a corrupção quase como um fim em si mesmo, o que tendeu a jogar a crise política nacional para certa abstração.
Por fim, o motivo que nos parece ser o mais importante: dá-se aos poucos um processo de racionalização da conjuntura. Já havíamos falado sobre isso meses atrás, antes mesmo da queda de Dilma. Falávamos que a queda dela seria muito positiva não apenas por quebrar as burocracias sindicais pelegas petistas (e ajudar a liberar a classe trabalhadora para a luta), mas também porque as massas veriam, num processo, que o problema nacional não é a corrupção, nem a incapacidade de um governante específico diante da crise econômica. As massas veriam que a corrupção não acabaria com a queda do PT — ou seja, as massas tenderiam a concluir, num processo, que a corrupção é sistêmica. As massas veriam que a crise econômica não é apenas culpa do PT (embora também o seja) — isto é, as massas tenderiam a concluir, num processo, que a crise econômica é sistêmica, não é de responsabilidade dos políticos, mas da sociedade do capital. Essas duas conclusões são fundamentais, pensando-se num processo histórico, e parecem fazer as pessoas se mobilizar menos por questões superestruturais. Com o agravamento da crise econômica, a classe trabalhadora se volta cada vez mais para si mesma, para as suas condições de vida. Tirar Temer começa a parecer pouco para resolver o problema, e se impõe a preocupação com o ganha-pão de todo dia.
Não nos parece correto o que apontam os companheiros do PSTU, afirmando que o ato foi vazio porque as massas queriam derrubar Temer e, dado que os organizadores da passeata eram contra falar “Fora Temer”, as pessoas teriam perdido a motivação. As massas nem sabiam dessa posição dos organizadores. Tal justificativa, por parte do PSTU, parece uma tentativa de adaptar a realidade à própria linha política, e não o contrário (que seria o correto). Nós, que fomos ao ato e falamos com milhares de pessoas, ouvimos muitas vezes, de pessoas trabalhadoras, que era importante criticar o Temer, mas antes era preciso derrubar Renan (e, em menor grau, se falava de Rodrigo Maia). Isso corresponde ao que ouvimos muitas vezes de operários em fábricas: o governo é uma “bosta”, mas vai colocar o que no lugar? O trabalhador, neste momento de crise econômica crescente, teme desestabilizar demais, ou muito rapidamente, a situação nacional, e ver uma piora acelerada das condições de vida. É compreensível. A dúvida surgida — “colocar o que no lugar?” — não é um subjetivismo ao qual damos destaque. Ela surge porque não existe nenhuma alternativa política no país e, sobretudo, porque não existe nenhuma alternativa de poder no país. A não existência de um poder dual, como conselhos de fábricas ou conselhos de bairro, transforma essa questão — “colocar o que no lugar?” — numa questão objetivamente colocada na realidade. A massa da classe trabalhadora não é irresponsável. Na ausência de um poder dual, ela não quererá derrubar Temer tão já, a não ser que a situação se torne absolutamente insustentável com ele na presidência.
Portanto, dados esses motivos de esvaziamento dos atos, podemos dizer que eles foram até razoáveis em tamanho. Sobretudo, o que deve ser destacado, é que eles são apenas uma pequena camada da grande onda de descontentamento contra este governo, que se avoluma amplamente no proletariado brasileiro. Esses atos foram apenas a ponta do iceberg. Engana-se quem ignora que por trás desses atos, em suas casas, vendo suas TVs, muitos trabalhadores não estivessem antenados atenciosamente, refletindo e se politizando. A massa “coxinha” tem representado os ânimos do conjunto do proletariado muito melhor do que a chamada esquerda.
Parte da esquerda respirou aliviada com os atos menores. Ela prefere se auto-alienar, fingir que tudo não retornará cedo ou tarde, e que as mesmas contradições não lhe serão colocadas no colo. Ela acha que por ora se salvou, mas não vê que o terreno está sendo minado sob seus pés, e que a luta de classes não perdoará quem opta por viver nas nuvens. É fácil fazer política com palavras, mas é difícil fazer com ação. Aqueles que têm coragem de intervir hoje estarão mais bem posicionados amanhã. A crise política não está resolvida e só se aprofundará, dando ensejo a maiores atos. Os que só querem ficar em casa falando, perderão o bonde da história. Não adianta enfiar a cabeça em baixo da terra.
Hoje, quando as massas começam a se revoltar contra Temer, a esquerda que só gritou “Primeiramente, Fora Temer” preferiu ficar em casa. Isso comprovou que o seu grito de guerra era, em geral, pura capitulação ao diversionismo criado pelo PT. Na verdade, o PT não pode falar pra valer “Fora Temer”, pois tem rabo preso com Temer. O PT ajudou a eleger Rodrigo Maia na presidência da Câmara pois um dos pontos do acordo era que Maia aprovaria a anistia ao caixa dois. Se o PT não vai nos atos como o deste domingo não é porque são “atos de coxinhas”, ou “de fascistas”, ou de “racistas” ou “lgbtfóbicos”, etc. Ele só fala isso para enganar a esquerda. O PT não vai nos atos porque estes pressionam pela continuidade da Lava-Jato; porque impedem a anistia ao caixa dois, etc. Não é nada ideológico, é pura e simplesmente mesquinhez; são pura e simplesmente problemas materiais e interesses privados de um grupo burguês.
Vergonhosamente, boa parte da esquerda capitula a essa mesquinhez. Por que ela faz isso? Em primeiro lugar porque é pequena; teme agir sozinha, sem o apoio de algum movimento social tradicional, grande, com respaldo social. Ela sempre foi dirigida pelos petistas, seus pais, e agora não sabe ter protagonismo de direção. Ela espera o apontamento inicial ser dado por quem tenha um mínimo respaldo social. É muito curioso, por exemplo, que o MTST e sua frente, a “Frente Povo Sem Medo”, foram os primeiros a se posicionar contra o ato deste domingo, dando a tônica ao resto da esquerda. O MTST cumpre essa função do fantasma do pai da esquerda órfã. Todavia, isso é muito frágil: a base do MTST não apoia as políticas de sua direção, era em grande medida pelo “Fora Dilma”, e só vai aos atos porque precisa, materialmente, das casas que reivindica. É até compreensível. Isso dá ao MTST um poder de mobilização de rua que mais nenhuma organização da esquerda tem, e por isso ele centraliza a esquerda, mas esse poder é frágil.
O MTST centralizou a esquerda relativamente independente do PT, sobretudo o PSOL. Isso comprova o sentido de existência da “Frente Povo sem Medo”: ela foi criada exatamente para conter, nesta conjuntura, a esquerda mais independente do PT, que poderia se radicalizar um pouco e ajudar a abrir um novo caminho. Afinal, quais as diferenças entre a “Frente Povo sem Medo”, do MTST, e a “Frente Brasil Popular”, do PT? Em que momento assumiram uma única posição política relevante realmente diferente? Não estava Guilherme Boulos, do MTST, até o último momento, tirando fotos com Dilma, em seus eventos oficiais? Ou com Lula, quando ameaçado? A frente do MTST só se diferencia da frente criada pelo PT porque se diz — como se isso bastasse! — independente do PT. São apenas palavras vazias, mas soam como música nos ouvidos dos órfãos da esquerda, sempre predispostos à auto-ilusão. Assim essa frente realiza seu verdadeiro papel: passar o braço em torno da esquerda que poderia ser independente e trazê-la para o colo do PT.
E assim é o esquema geral: o PT não vai nos atos por interesse material; o MTST faz o trabalho sujo que o PT já não consegue mais fazer, e amarra o PSOL (e outros, como PCB, MAIS, MRT, etc.). O PSOL é um caso particularmente absurdo, pois o público dos atos lhe interessa eleitoralmente (setores médios da classe trabalhadora, que tendem muitas vezes à política reformista e “responsável” desse partido). A atuação desse partido no parlamento é relativamente respeitável a favor da Lava-Jato. Seus parlamentares foram aplaudidos, quando citados seus nomes, no ato do RJ. Esse partido só teria a ganhar indo nos ato, mas na hora de ir… tabu!
Os companheiros do PSTU, nos parece, vacilaram uma vez mais, exatamente como fizeram durante o tempo em que estavam rachados (2015/2016). Buscam ainda uma linha purista, uma terceira via ideal, como se existisse isso na luta de classes. Na verdade, já ensinava Lenin, para fazer política, é preciso sair do idealismo e saber sujar as mãos; fazer acordos com setores burgueses ou pequeno-burgueses, visando a dividir ainda mais os inimigos da classe trabalhadora e abrir espaço para esta. E na verdade, a ideia da terceira via já virou anacrônica: a conjuntura hoje não é a mesma da de 2015 e início de 2016. Após a queda de Dilma, a polarização mudou; não são mais os que querem derrubar o governo, de um lado, contra os que querem mantê-lo (falando de golpe), do outro. Isso está superado. Agora são duas aparentes vias — corrupção e PEC — que se voltam, como uma única via, contra o mesmo governo burguês. Na prática, o PSTU, ao realizar a linha de unidade de luta da classe operária, com a CUT, já aplica essa linha única. Não há mais duas vias, muito menos poderia haver três. É preciso e possível ir nos atos contra a corrupção, assim como é possível ir nos atos contra a PEC convocados pelo PT (se não forem atos pela campanha de Lula). Ambos começarão a se misturar e a crescer. Se não vacilar, o PSTU é, hoje, o partido em melhores condições de abrir um novo caminho para a esquerda revolucionária.
“Vem Pra Rua” e “Movimento Brasil Livre” se dividiram publicamente no chamado deste ato. O VPR afirmou inicialmente que aceitaria até a esquerda, porque sabe que esta é contra Temer. O VPR é ligado ao PSDB, que quer mais espaço no governo Temer, portanto, aceita aumentar a pressão. O MBL protestou contra a aceitação da esquerda no ato. O MBL é mais vinculado ao DEM, que está satisfeito com bons espaços no governo (Ministério da Educação e Presidência da Câmara dos Deputados), e não quer aumentar a pressão. O uso da máquina federal pelo DEM, e a manutenção de manifestações somente de direita, são o melhor caminho para articular a campanha do senador Ronaldo Caiado (DEM) à presidência em 2018. Se o governo Temer cai, o DEM perde espaço necessariamente para o PSDB, e a candidatura de Caiado perde máquina e força de rua.
A esquerda, todavia, assim como não soube se aproveitar das divisões da burguesia durante toda a crise de 2015/16 (PT versus PMDB-PSDB), não sabe aproveitar as divisões entre os grupos de direita hoje nas ruas. Se a esquerda tivesse ido no ato com um bloco organizado e forte, provavelmente o MBL, por exemplo, pensaria duas vezes antes de chamar um novo ato contra o Temer. Seria a sua desmoralização rápida. Mas a esquerda prefere facilitar para a direita, hoje, como fez em todo período anterior. A direita cresce, bem como o fascismo, graças à esquerda. Na verdade, quanto mais essa esquerda grita os seus “antifascismos”, mais ela ajuda a direita a crescer, e mesmo grupos de extrema-direita.
Ainda é possível reverter essa situação. As contradições colocadas são enormes. A esquerda ainda pode ganhar espaço e se construir rapidamente como alternativa. Basta ter coragem, não cometer mais os mesmos erros e intervir. Grupos como o MBL se construíram em um ano mais rapidamente do que a esquerda em vinte anos. Se eles têm dinheiro da burguesia, nós temos a força numérica do proletariado. Se continuarmos assim, vacilando, todavia, a eleição de 2018 apenas chancelará a falência histórica da esquerda brasileira, que afundou com o PT.