Com objetivo declarado de enfrentar a aplicação da reforma trabalhista e da previdência entre os trabalhadores metalúrgicos, as centrais sindicais (CUT, Força Sindical, Conlutas, Intersindical, CTB e UGT) criaram a frente “Brasil Metalúrgico”. A frente organiza um dia de luta unificado no 14 de setembro e dará foco às campanhas salariais que ocorrem no segundo semestre. Já a partir do fim agosto, realizará um “esquenta” nas fábricas, com panfletagens, assembleias e paralisações.
As centrais sindicais, que organizaram 3 dias nacionais de luta contra as reformas no primeiro semestre (as chamadas “greves gerais”), anunciam que será necessária muita luta para barrar as medidas decorrentes da aprovação da reforma trabalhista nas campanhas salariais deste ano. Para garantir a estabilidade de trabalhadores lesionados, a não terceirização da mão de obra, não parcelamento das férias etc., os sindicatos, dizem, lutarão pela manutenção dos acordos coletivos, na contramão do interesse dos patrões.
O metalúrgico que acompanhou os dias nacionais de luta, acima citados, há de se perguntar: até onde irão as centrais desta vez? Nas últimas vezes que os trabalhadores foram convocados a lutar, foram largados pela grande maioria dos sindicatos. As centrais de maior peso, apesar dos grandes chamados à luta, deram importância às negociatas com o governo pelas costas dos trabalhadores, visando a garantir seus financiamentos pelo Estado (o “imposto sindical”). As paralisações, na sua esmagadora maioria, foram dias de folga acordados com as empresas, com reposição posterior do trabalho. O saldo destas mobilizações é anunciado pela frente Brasil Metalúrgico hoje: tem-se a campanha salarial mais dura e difícil dos últimos anos. Pesa sobre o ombro dos trabalhadores a aprovação das reformas. Apesar do plano de luta das centrais ter resultado em derrota, não foi feito um balanço com as bases e os trabalhadores não receberam satisfação das organizações que dizem dirigi-los.
Apesar do balanço negativo, feito instintivamente, os metalúrgicos e a classe operária em geral possuem ânimo redobrado de luta. A noção de que “ou lutamos agora, ou ficaremos sem nada” vem do chão de fábrica e se materializa como pressão à burocracia sindical. A burocracia toma para si a reivindicação dos operários, mas a base material, objetiva, que a conduz a essa decisão é de natureza distinta. Se os trabalhadores não enfrentarem, neste momento, os patrões, verão uma parte maior de seus companheiros irem para a rua e outra parte ser terceirizada; verão a pressão aumentando e as condições de trabalho diminuindo. Já a burocracia, sabe que, se não garantir acordos “razoáveis”, verá sua base mais fragmentada (demitida, terceirizada…), sua arrecadação mais comprometida e seu sentido de existência para a burguesia – o controle da revolta das bases operárias – cada vez mais fragilizado.
Só numa verdadeira campanha salarial, organizada a partir dos locais de trabalho, os trabalhadores podem se defender da ofensiva burguesa contra suas condições de existência. A burocracia sindical, mesmo sofrendo pressão dos trabalhadores e tendo sua existência ameaçada pela burguesia, não pode levar o conflito ao chão de fábrica. As primeiras rodadas da negociação salarial com alguns grupos patronais já aconteceram e, nelas, os sindicalistas que compõem a frente Brasil Metalúrgico certamente apelaram ao bom senso das patronais. É mais sensato apelar aos patrões do que aos trabalhadores, pois cada luta que ocorre nos locais de trabalho abre contradições que fogem muito das possibilidades de controle das velhas direções sindicais e ameaçam enterrá-las mais rápido e mais certamente do que os cortes de financiamento da burguesia.
O ascenso do proletariado brasileiro, desde 2013, é marcado pelo aumento do número de choques entre trabalhadores e patrões nos locais de trabalho. Como mostra pesquisa realizada pelo DIEESE, em 2013 foi registrado um aumento superior a 100% em relação ao ano anterior, no número de greves deflagradas. De 877, em 2012, passou-se a 2050 greves em 2013. A defesa das condições de vida dos trabalhadores motivou a maior parte dessas greves, tendo como principal reivindicação o reajuste salarial (representando 36% das greves). A brevidade de boa parte das mobilizações, que tiveram aumento expressivo nas empresas privadas, denotam o caráter espontâneo de, ao menos, parte desses conflitos.
Os choques nos locais de trabalho continuam a ocorrer. Em 2016, como mostra novo estudo do DIEESE, foram registradas 2093 greves no país, número superior a 2013. As motivações dos conflitos, contudo, é diferente. Apesar das lutas manterem seu caráter defensivo, a principal reivindicação das greves ocorridas em 2016 foi o pagamento de salários atrasados (38,5% das greves), o que em 2013 ocupava o quinto lugar entre as reivindicações dos trabalhadores (18% das greves). Em segundo lugar, mantém-se as greves por reajuste salarial.
O conjunto da classe trabalhadora se vê forçado a encampar lutas cada vez mais defensivas. Mas estas lutas têm ainda caráter episódico. A classe não forjou um caminho de unidade, uma frente única em defesa dos meios de vida dos trabalhadores. As condições para esta unidade estão postas, são colocadas pelo ataque unificado da burguesia contra o proletariado.
As demissões realizadas em 2016 e 2017 estabeleceram um nível de desemprego que favorece o capital a pressionar os trabalhadores a aceitarem níveis salariais mais baixos e graus mais altos de exploração. O proletariado paga hoje por sua desorganização, que não permitiu resistência à destruição dos postos de trabalho. Não há garantia de que estes empregos retornarão no futuro, apesar de que o rebaixamento do valor da força de trabalho (o que a reforma trabalhista visa a acelerar) permitirá, passada a campanha salarial, uma possível onda de recontratações, com um patamar salarial inferior.
É necessário lutar nesta campanha salarial para segurar o que resta aos trabalhadores. Lutar pela manutenção das convenções coletivas, que limitam o aumento do grau de exploração da força de trabalho pelos patrões, e pela manutenção do nível salarial. A manutenção dos salários pode parecer pouco, sobretudo frente ao baixo índice de inflação neste ano, 2,03% segundo o INPC. Devemos lembrar, contudo, que as campanhas salariais do ano passado sequer alcançaram o índice da inflação e fecharam sua média geral em 0,52% abaixo dele (DIEESE). Este fato, vinculado à perda dos postos de trabalho, dá a perspectiva da catástrofe vivida pela classe trabalhadora e aponta o programa para combatê-la.
O mero reajuste salarial, acompanhado da demissão de trabalhadores, permite à burguesia depositar sua crise nas costas dos trabalhadores. Paralelamente, a garantia dos empregos, por meio da redução das jornadas de trabalho, acompanhado de redução dos salários, como foi o caso do PPE (Programa de Proteção ao Emprego), proposto pela CUT e encabeçado por Dilma (e mantido por Temer), conduz ao mesmo fim. Para enfrentar o ataque às condições de vida do proletariado é necessário lutar pela escala móvel de salários vinculada à escala móvel das horas de trabalho. Devemos lutar para que os contratos coletivos assegurem o aumento automático dos salários, de acordo com a elevação dos preços dos artigos de consumo. E combater de forma intransigente a destruição dos postos de trabalho, reivindicando que as horas de trabalho necessárias à produção sejam divididas entre todos os operários contratados, sem diminuição do salário.
O proletariado não necessita de um programa com aparência combativa, e sim de um que esteja à altura das tarefas impostas pelas condições objetivas. O aumento do grau de exploração da força de trabalho, realizado hoje pela burguesia, está longe de apontar para uma retomada consistente da economia brasileira. O proletariado deve se preparar para choques mais violentos, que colocarão a classe operária num risco ainda mais sério e profundo de degeneração. Se não retirar das lutas de hoje as conclusões corretas, a classe estará desarmada para o momento de estouro de uma crise social ainda mais profunda.
Ao lado de outras centrais na frente Brasil Metalúrgico, está o bloco formado pelos sindicatos dos metalúrgicos de Campinas, Limeira, São José dos Campos e Baixada Santista – dirigidos pela CSP Conlutas e pela Intersindical-Instrumento (Vermelha). Este é um importante bloco de sindicatos combativos, que abrange uma base de 140 mil trabalhadores metalúrgicos. A resistência contra as reformas durante o ano foi mais intensa na base destes sindicatos, e fizeram críticas à atuação das demais centrais sindicais em dias de luta unificados. Diferente do que é noticiado pelos demais sindicatos presentes na frente, as assembleias em fábricas promovidas pelos sindicatos deste bloco já começaram, acompanhando as primeiras rodadas de negociação. Além disso, o sindicato de Limeira dirige uma greve forte na Mercedes-Benz, que, além de demandas locais, luta pelas reivindicações do bloco para a campanha salarial.
O bloco dirigido pela Intersindical-Instrumento e a CSP-Conlutas reivindica, além do combate à implementação da reforma trabalhista e da terceirização, uma forte mobilização por 9,2% de reajuste salarial. Baseiam-se, para este cálculo, no aumento do índice da produtividade média do setor (6,99%), somado ao índice da inflação (2,03%).
Os companheiros reconhecem que o desemprego promovido nos últimos anos culmina em aumento de exploração da força de trabalho, que se traduz, do ponto de vista do capital, em aumento da produtividade. Mostram, a partir de dados publicados pelos próprios patrões, que cada trabalhador do setor de autopeças renderá R$ 397 mil às empresas em 2017, enquanto em 2016, cada trabalhador rendeu R$ 389 mil. E mostram ainda que, apesar dos postos de trabalho terem diminuído em 7,6% no setor automobilístico neste ano, a produção de automóveis será 21,5% maior!
Da necessidade de combater o aumento da exploração da força de trabalho, decorre a reivindicação do bloco de aumento salarial equivalente ao aumento da extração de valor da força de trabalho; ou seja, se os patrões aumentam 6,99% a produtividade do setor, e este aumento decorre de mais valor agregado pelo trabalho dos operários, tal aumento deve ser proporcionalmente indexado aos salários: aumento de 6,99% acima da inflação.
A busca por um índice de reajuste que esteja baseado na produtividade é um artifício inteligente dos companheiros, que buscam uma forma móvel – escalonada – para seu índice, uma forma que oscile de acordo com a produção. Trata-se, conscientemente, de uma busca por um programa “mínimo” que se afaste da forma tradicional como a burocracia sindical (CUT e Força, sobretudo) lutam por salário. A forma com que a burocracia sindical tradicionalmente luta por salário, faz com que essa luta se encerre em si, sem ampliar contradições com o capital. Contra isso, os companheiros buscam uma forma que seja mais escalonada e que amplie contradições com o capital. Todavia, a fórmula que encontram os companheiros é um tanto irracional, por misturar (apenas somar) um índice de aumento de produtividade e um índice de inflação.
O mal, ainda, é que nessa busca por superar o programa das centrais burocratizadas, os companheiros invariavelmente chegam, na prática, numa proposição similar à da burocracia sindical, com uma proposta “ofensiva” de aumento real anual de 9,2%. É compreensível que o ganho de “aumento real” moralize os trabalhadores e traga um novo ânimo a este momento crítico da luta de classes, mas essa forma de reivindicação, além de parecer muito ofensiva e dar espaço a acordos por valores menores, legitima, por ser anual, uma defasagem anual. O armamento da classe com um programa defensivo – a manutenção das atuais condições de vida a cada mês –, armamento que só pode ser empreendido através da articulação de organizações locais nas empresas, é a tarefa incontornável da esquerda revolucionária. Não se trata de encontrar um programa “ofensivo” de aumento real, mas o programa aparentemente defensivo que é, na verdade, transitório; que amplia contradições com o capital.
O programa dito “ofensivo”, mesmo que vitorioso, não leva a classe a conclusões corretas. A crise degenerativa do capitalismo destrói as forças produtivas da sociedade. Em primeiro lugar, e mais grave, trata-se da destruição da força de trabalho. É urgente, para combater este mal, a defesa das escalas móveis das horas de trabalho. Um aumento salarial anual, mesmo que anule temporariamente os efeitos do aumento da exploração, não remedia a destruição dos postos de trabalho (ao contrário, perigosamente a chancela). Chancela também uma relação de dependência dos salários ao aumento da produtividade em sua forma capitalista. Todavia, o aumento da produtividade em sua forma capitalista significa, paradoxalmente, ao mesmo tempo, a destruição da classe operária. A classe operária não necessita hoje de aumento no que os capitalistas chamam de produtividade. Já temos “produtividade” suficiente para a produção de riqueza para toda a humanidade. O que é urgente neste momento é garantir os empregos atuais (escalas móveis) e lutar contra o desemprego (frentes públicas de trabalho, para inserir mais pessoas no processo produtivo).
A propaganda e agitação deste programa defensivo e revolucionário pelo bloco dos sindicatos de Campinas, Limeira, São José dos Campos e Baixada Santista seria de valor incalculável para o conjunto do proletariado. Esse bloco combativo poderia dar o grande exemplo nacional de uma luta intransigente pelas condições de vida, que é ao mesmo tempo uma luta revolucionária e socialista. A atuação conjunta deste bloco sindical, travando combates nas fábricas durante a campanha salarial, influenciará os metalúrgicos de todo o Brasil. O estabelecimento de um calendário unitário com a burocracia sindical pode ou não ser importante, a depender da exposição que os sindicatos mais combativos tenham às bases dos sindicatos “tradicionais”, já desacreditadas das velhas direções. Quanto melhor as direções revolucionárias consigam se diferenciar programaticamente da burocracia, oferecendo uma visão honesta de como as coisas são e do que é preciso realizar, melhor para atingir a vanguarda das fábricas, que aguarda um caminho unitário para as lutas defensivas que vêm travando de maneira isolada.