A morte de Luiz Gushiken estimula, inevitavelmente, uma reflexão sobre sua trajetória política, trajetória que guarda profundas semelhanças com as de outras figuras públicas do Partido dos Trabalhadores (PT).
Nascido em 1950 no interior paulista, Gushiken militou na tendência de juventude Liberdade e Luta (Libelu), braço da Organização Socialista Internacionalista (OSI), de orientação trotskista. Seguindo a linha adotada pela OSI, Gushiken foi um dos fundadores do PT, alcançando, mais tarde, a vice-presidência do partido, além de ter sido também fundador da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Como bancário do Banespa, participou das greves contra a ditadura militar no final dos anos 1970, chegando à presidência do Sindicato dos Bancários de São Paulo. Foi Deputado Federal por três mandatos e coordenou a campanha presidencial de Lula em 1989 e 1998. Comandou o ministério da Comunicação e Gestão Estratégica durante o primeiro mandato do governo Lula.
No interior dessa trajetória, Gushiken conduziu ações nada elogiáveis. Pouco tempo depois de se tornar ministro, os crimes contra o patrimônio público levados a cabo por Gushiken tornaram-se públicos. O Ministério Público acusou Gushiken de ter desviado, junto com Henrique Pizzolato, então diretor de marketing do Banco do Brasil, de montar um esquema para desviar recursos da Visanet para a conta do publicitário Marcos Valério, o chamado “valerioduto” do escândalo do mensalão, caracterizando crime de peculato. Mais tarde, o Supremo Tribunal Federal retirou Gushiken da lista dos réus do mensalão.
Outros desvios de Gushiken foram efetuados na gestão dos bilionários fundos de pensão dos trabalhadores, um mercado estimado em R$ 280 bilhões, cerca de 16% do PIB brasileiro. Antes de entrar no governo, Gushiken possuía uma empresa, a Gushiken & Associados, que assessorava os fundos de pensão. Depois de ingressar no governo Lula, a empresa, que passou a chamar-se Globalprev e ser constituída por novos sócios, aumentou em 10 vezes seu faturamento, alcançando a cifra anual de R$ 1,5 milhão, enquanto no ano anterior havia arrecadado apenas R$ 151 mil. Em 2004 o faturamento cresceu ainda mais, atingindo quase R$ 2 milhões. Com o escândalo, Gushiken perdeu o cargo de ministro, assumindo o cargo de assessor da mineradora Vale do Rio Doce, empresa anteriormente estatal e privatizada pelo governo Fernando Henrique Cardoso.
A abertura de empresas de consultoria que fazem negócios duvidosos com o governo foi e seguramente ainda é uma prática comum entre a camada dirigente petista. Foi o que ocorreu com Gushiken e diversos companheiros seus, como Antonio Palocci, por exemplo. Em 2006, Palocci criou a Projeto, empresa que faturou, naquele ano, pouco mais de R$ 160 mil. Quatro anos depois, em 2010, quando Palocci era deputado federal e atuava como principal coordenador da campanha de Dilma Rousseff à Presidência da República, a empresa faturava 125 vezes mais, alcançando a cifra de R$ 20 milhões anuais.
Como se vê, a trajetória de Luiz Gushiken e de seus companheiros, do ponto de vista de alguém que, durante a juventude, se propôs a lutar pela emancipação da classe trabalhadora, pode ser considerada catastrófica e, ao mesmo tempo, emblemática: representa uma das tantas histórias pessoais de líderes partidários e sindicais que nas últimas três décadas se transformaram em gestores diretos do capital.
Diante disso, cabe perguntar como uma parcela daquela geração que enfrentou a ditadura militar pôde ser cooptada tão profundamente pelo capital? Num primeiro momento, esta direção deslumbrou-se com a suposta possibilidade de transformação do PT num partido operário revolucionário, depois, num segundo momento, ao vencer as primeiras eleições, deixou enfeitiçar-se pelo Estado burguês e, finalmente, acomodou-se desfrutando das regalias proporcionadas pelo capital, unindo-se à pequena parcela da população que vive às custas da imensa maioria. Nesse processo foi se construindo uma estrutura sindical e partidária totalmente voltada à valorização do capital e seus dirigentes se tornando os personagens responsáveis por conduzir este trágico caminho para a classe trabalhadora.
Estes ex-militantes de esquerda que passaram para o outro lado da barricada, ao renunciarem à rica experiência da classe trabalhadora mundial, ao renunciarem a construir um partido revolucionário nos moldes leninistas, ao renunciarem à realização do programa transitório, não representam e não estão à altura da brilhante geração que lutou contra a ditadura, cujos mais valorosos integrantes ainda resistem e, depois de décadas, não se venderam ao capital. Estes remanescentes, na maioria das vezes anônimos, são aqueles que merecem o respeito das novas gerações, são aqueles que precisam ser seguidos em sua férrea convicção de que a luta pela superação do capitalismo ainda não acabou, em sua firme convicção de que ainda é possível uma sociedade livre da exploração de um homem sobre outro.
Como se vê, a trajetória política de Gushiken não pode servir de guia para as gerações futuras. A atual geração, que organizou manifestações de massa há muito esquecidas, saberá, sem dúvida, escolher seus ídolos. Entre eles não estarão, certamente, Gushiken e seus companheiros.