A vitória de João Dória na maior cidade do país, São Paulo, é analisada como comprovação da tese da “onda conservadora”. Mas será isso verdade? Dória (PSDB) venceu inesperadamente no primeiro turno com 53,29% dos votos.
Em primeiro lugar, deve-se notar que João Dória perdeu para o “não voto”. Foram 3.096.304 votos nulos, brancos ou abstenções, e 3.085.187 votos para Dória. Na verdade, mais do que o crescimento sustentado e real de uma “via reacionária”, as últimas eleições têm confirmado uma tendência crescente de trabalhadores que negam, conscientemente, o sistema político e eleitoral da burguesia. Em 2008, nulos, brancos e abstenções somaram 25,53%; em 2012, 31,26%; em 2016, 33,28. O próprio Dória buscou votos nesse setor que protesta contra a política, ao apresentar-se como um “gestor”, e não como um “político”.
O índice mais interessante verificamos ao analisar o voto nulo dentro das variáveis do “não voto”. O voto nulo é, em geral, mais claramente um voto de protesto. Em 2016 esse voto subiu para 11,35% na capital paulista (em 2012 era 7,35%, em 2008, 4,57%). Ou seja: na mais importante cidade do país (dada a concentração da classe trabalhadora), um setor de quase um milhão de pessoas votou nulo neste primeiro turno. Trata-se, no mínimo, de falta de esperanças no sistema político da burguesia. Trata-se de uma camada crescente que se cristaliza, de trabalhadores e jovens revoltados, que constata que a manutenção de suas condições de vida está em contradição com este sistema político e eleitoral.
É fundamental que a esquerda revolucionária consiga disputar essa camada. Foi para fortalecer a via dos revolucionários que chamamos voto no PSTU, mas também porque acreditamos que os revolucionários podem (e devem) se apresentar nas eleições com o mesmo conteúdo do voto de protesto (leia sobre isso, aqui). Os revolucionários podem transformar em organização político-partidária permanente aquela revolta que, muitas vezes, se expressa pontualmente nas eleições e se dissipa, relativamente, até a eleição seguinte.
Todavia, além dessa camada politizada de trabalhadores, que sabe que a manutenção das suas condições de vida passa por fora deste processo eleitoral, há ainda uma camada mais ampla, que votou em Dória, e que não deve ser ignorada. Ignorá-la e não entender sua psicologia; taxá-la de ignorante, reacionária, “coxinha”, é a pior coisa que uma esquerda honesta pode fazer. Se o fizer, estará condenada. Dória venceu em praticamente todas as periferias de São Paulo.
A maioria da classe trabalhadora é, corretamente, conservadora. Ela está preocupada, em geral (e ainda mais num momento de crise econômica), com a conservação de suas condições de vida. O maior medo dos trabalhadores hoje, em cada fábrica e em cada local de trabalho, é o da demissão e arrocho salarial. Terminar o mês sem emprego e salário é o pesadelo dos pais e mães de família. Conservar (ou não) os atuais níveis de vida da classe trabalhadora é a questão determinante da verdadeira política. A burguesia não os quer conservar, os trabalhadores, sim. Portanto, por trás do “conservadorismo” há não só um núcleo progressivo, como também o núcleo determinante da política revolucionária. É da luta conservadora por empregos e salários que se erguerá a transição revolucionária para o socialismo, como ensina o Programa de Transição de Trotsky.
A classe trabalhadora votou conservadoramente em Dória não porque queria abolir direitos humanos, democráticos ou de minorias, mas porque queria conservar suas condições materiais de vida. No ilusionismo eleitoral, João Dória apareceu como o candidato mais capaz de conservar as condições de vida da população trabalhadora. Haddad apareceu vinculado ao PT, que simboliza a atual crise econômica e a penúria crescente. Marta apareceu como uma variação petista, e Russomano como um sujeito, em última instância, despreparado para conduzir a maior cidade do país.
A vitória de Dória é uma derrota da falsa esquerda (Haddad/PT), bem como da esquerda pequeno-burguesa, que trata apenas de pautas democrático-burguesas e não fala de salário e emprego (Erundina/PSOL), mas não é uma derrota da classe trabalhadora. Com Dória fortaleceu-se politicamente um campo burguês reacionário (PSDB de Alckmin, que prepara-se para 2018), mas o conservadorismo que se expressa nessa vitória é compartilhado com o conservadorismo que se expressa no aumento do número de greves e lutas da classe trabalhadora nos últimos anos, em defesa de suas condições de vida. A luta ainda está aberta. A eleição revelou que há um enorme campo para crescimento da esquerda revolucionária, com uma política correta.
Além disso, ao se juntar todos esses elementos — aumento do voto de protesto; caráter legítimo e explosivo de parte do conservadorismo das massas — pode-se supor que o governo de Dória será mais frágil do que parece. Não se pode dizer já que se trata de um tigre de papel. Mas quem sobe muito alto rapidamente, também tende a ter um tombo mais alto rapidamente. Se a classe trabalhadora entrar em cena, em luta, a queda do aventureiro Dória enterrará o projeto de Alckmin para 2018.