Praticamente passou batido, sem grande destaque, mesmo entre a esquerda, o relatório do DIEESE publicado em dezembro de 2015 contendo o registro de greves de 2013. Estranhamente, sua publicação vinha sendo adiada seguidamente. Por fim, os dados foram publicados apenas na calada da noite quase natalina. E por que? Pois revelam que 2013 teve o maior número de greves desde que o DIEESE começou seus registros, em 1978.
Foram mais de 2050 greves em 2013, ultrapassando em 134% os números de 2012! Mas mais do que um crescimento quantitativo, o relatório revela, qualitativamente, que as condições para realização do programa socialista retornam com força. Assistimos à racionalidade histórica da classe trabalhadora impor-se pouco a pouco sobre a anarquia capitalista e sobre a confusão política de muitos dos seus autodenominados representantes.
Segundo os dados, as greves “defensivas” apresentaram enorme tendência de crescimento, em detrimento das “propositivas”. Estas caíram de 64,4% em 2012 para 57,4% em 2013. Por sua vez, as “defensivas” subiram de 67,3% em 2012 para 75% em 2013 (a somatória ultrapassa 100% pois há greves com mais de um propósito declarado). Destaque-se o item “manutenção das condições vigentes”, um dos que compõem o “defensivo”: elevou-se de 35,5% a 50,9% (nas empresas estatais e no setor privado o aumento foi ainda superior, sendo segurado apenas pelo funcionalismo público).
Ou seja: apesar da concepção hegemônica no meio sindical, derivada do “sindicalismo de resultados” — que se propõe a conseguir melhorias pontuais para a classe e reajustes salariais “acima da inflação” —, a tendência histórica registrada em 2013 evidenciou que a classe trabalhadora está mais preocupada em manter as suas atuais condições de vida do que em supostamente melhorá-las dentro do sistema capitalista. Os trabalhadores, como classe, começam a perceber a fragilidade do discurso de supostas melhorias, a médio e longo prazo, sob a ordem do capital; percebem que dentro deste sistema não é possível que “todos ganhem”. Isso é um pressuposto para a transição ao socialismo, pois os interesses mínimos da classe trabalhadora começam a ser colocados como inconciliáveis com a ordem capitalista, ou seja, as oposições de classe começam a aparecer como o que são verdadeiramente, contradições, onde não há apenas choques pontuais de interesses opostos, mas um polo da oposição exclui necessariamente o outro.
Isso reforça o único programa que desdobra uma estratégia socialista justamente da exposição da contradição essencial do sistema capitalista, a contradição em torno da apropriação da mais-valia no local de trabalho. Trata-se do Programa de Transição de Trotsky, que coloca o problema da defesa dos salários e da jornada de trabalho (com as escalas móveis, juntamente com a reivindicação de empregos públicos), de forma a evidenciar a contradição insolúvel existente entre as classes. Qualquer outro programa que trate da transição ao socialismo sem tocar centralmente nesse problema tende, necessariamente, ao reformismo ou ao idealismo pequeno- burguês.
Destaque-se ainda, no relatório do DIEESE, que o ano de 2013 foi marcado por um aumento significativo de greves “referenciadas apenas na empresa ou, no caso do servidor público, na unidade”. O ano de 2013 registrou um fortalecimento das unidades de trabalho nos processos grevistas. O que antes eram, muitas vezes, greves “amplas” de amplas categorias sem verdadeiro lastro nas unidades, no chão de fábrica, começa a mudar de forma. A própria classe, em sua ação espontânea, começa a criar as condições históricas para erguer seus mecanismos básicos de auto-defesa e, concomitantemente, do seu próprio poder: os Comitês de Fábrica. Os Comitês são a mínima organização do movimento dos trabalhadores para transitar ao socialismo. Só com eles a “emancipação da classe trabalhadora será obra da própria classe trabalhadora”, como ensinou Marx.
“É necessário abrir a tempo uma campanha pelos Comitês de Fábrica para não mais ser tomado de surpresa”, diz Trotsky no Programa de Transição. Numa conjuntura como esta, aprofundada por 2013, de grave crise econômica capitalista mundial e de frágil dominação política da burguesia nacional, certamente, “a propaganda sobre os comitês de fábrica não é nem prematura nem artificial”. Cabe à esquerda socialista encontrar as formas de construção dos Comitês (os quais não devem ser reivindicados, mas realizados na prática, na luta em defesa das condições de vida).
Aos revolucionários socialistas não cabe repetir os erros do passado. Não cabe ficar falando de socialismo e aplicando o velho programa sindical “propositivo” derivado da caquética social-democracia europeia reformista, aliada de primeira hora do capital. Menos ainda cabe abandonar a centralidade da luta em torno da mais-valia em nome de panacéias e ideais humanos “societários” onde supostamente não haveria, idealmente, “exploração do homem pelo homem”. Nem cabe essencializar saídas democrático-burguesas para a crise econômica e política atual. Os problemas atuais da classe trabalhadora não serão resolvidos por discursos socialistas, nem por ideias de igualitarismo abstrato no futuro, nem por uma radicalização da democracia burguesa, mas apenas pela ação consciente e auto-emancipatória da classe trabalhadora, a partir de sua luta mínima e essencial em defesa das condições de vida, abrindo o quanto antes formas mínimas de poder dos trabalhadores.
É célebre a máxima: as condições para transição socialista não estão apenas maduras, elas começam a apodrecer. Hoje, após longo período de encobrimento, tais condições começam a reaparecer como necessidade histórica, à medida que a racionalidade da classe trabalhadora se impõe.
Viva a resistência e a auto-emancipação do proletariado!