Desde o primeiro governo Lula falava-se na necessidade de uma reforma política. Ela vinha no bojo das demais reformas (previdenciária, tributária, etc). Adquiriu nesses mais de dez anos vários sentidos. Foi desde a janela para o terceiro mandato de Lula até, mais recentemente, com os protestos de 2013, a redenção do sistema político nacional, sendo defendida inclusive pelo PSDB. No entanto, a cada novo fôlego, uma queda e ela terminava engavetada sem nunca ultrapassar a condição de um slogan publicitário.
Com o escândalo da Petrobras e as manifestações contrárias ao governo Dilma no início deste ano, o tema voltou com força. Mais uma vez, de forma difusa, sendo debatida como um guarda-chuva onde cabe de tudo um pouco. Nas falas do PT é uma coisa, nas de Dilma, outra, de Aécio, Temer e companhia outras tantas diversas.
Coube a Cunha e Renan, acuados pela Lava Jato e em guerra com o Planalto, tirar de vez a reforma do papel. E ela reaparece como uma forma de pressão contra o governo e mais um obstáculo ao pacote de Levy. Inicia-se, desse modo, a votação de uma reforma em pedaços, sem qualquer ideia do que seja o seu todo. Assim, por exemplo, Cunha encaminha e vota pelo fim da reeleição nos cargos do executivo; recebe o apoio do PSDB, que contraria a si mesmo, partido que criou a reeleição. Aprovada a regra, é quase automática a passagem das eleições para a cada 5 anos, mas ninguém sabe o que fazer com o mandato dos senadores, hoje em 8 anos – reduzir para 5, aumentar para 10? Aprova-se também, num dia, o fim do financiamento privado de campanha, numa aliança entre governistas e oposição para derrotar Cunha; tão logo se dão conta de que colocam nos próprios pescoços a corda da forca, no dia seguinte, os mesmos deputados votam por uma nova emenda que derruba a anterior – mas, vejam só, redigida às pressas, tal emenda contém elementos passíveis de contestação no Supremo, pois fere a própria Constituição de 1988! Sem falar na proposta, derrotada, de Cunha, a respeito da eleição para o legislativo, que defendia o voto fechado, reproduzindo o modelo empregado no Afeganistão e em apenas mais dois países de todo o mundo.
Assim, o que é levantado por deputados e senadores como a redenção de sua imagem para “a sociedade” se transforma em mais um capítulo de sua total desmoralização pública. Mas se existe alguma unidade, neste momento de falência absoluta da democracia burguesa no Brasil é a unidade de classe da burguesia. E é dela que se extrai algo realmente significativo da reforma: a cláusula de barreira, aprovada no último dia 28. A medida foi anunciada como um ajuste da democracia que coloca fim à farra da política nacional, em que qualquer partido tem acesso ao fundo partidário e ao espaço gratuito na TV. Seria o fim das siglas nanicas que “tanto atrapalham a democracia brasileira”?
Na prática a cláusula tem efeito sobre quatro partidos, sendo três deles da esquerda socialista: PSTU, PCB e PCO. Em outras palavras, a nova lei, se sancionada, coloca na semi-ilegalidade os três partidos. É, sem dúvida alguma, um ataque às liberdades democráticas, pois retira dos partidos de esquerda a possibilidade de expor suas ideias e dialogar com a população, colocando-os em desigualdade com os demais. Fala-se em “partidos de aluguel”… Ora, independente das divergências que possamos ter com essas organizações, é inegável reconhecer sobretudo no caso do PSTU a sua vinculação real com o movimento de massas. Como ignorar, por exemplo, o papel da Conlutas, central sindical impulsionada pelo partido, na luta recente da classe trabalhadora brasileira? Não seriam PT e PMDB, estas sim, legendas de aluguel que mantém promíscuas relações com o grande capital?
Se hoje a política nacional tem 32 partidos e, de fato, este número não reflete um espectro ideológico sério, é porque existem legendas de fachada (ou aluguel) que atuam indiretamente para beneficiar acordos dos grandes partidos, mas isto nada tem a ver com os partidos da esquerda socialista. E é claro que os deputados e senadores estão cientes disso, mas isto não importa, afinal, legislam segundo seus próprios interesses. Neste momento de crise, lançar os partidos socialistas na semi- ilegalidade é uma forma de calar a classe trabalhadora e impedir que se propaguem ideias radicalmente contrárias a este sistema falido.
Por outro lado é inevitável perguntar: e como se posicionaram os deputados do PSOL? De uma forma absolutamente vergonhosa. Em bloco, votaram a favor da cláusula de barreira! Segundo Zé Maria, do PSTU, argumentaram que “a outra proposta em votação era ainda pior”. Votaram na menos pior? Ora, não se trata de uma questão de princípio a defesa das liberdades democráticas? Mais vergonhoso ainda é que nenhum deles comenta a votação em seus veículos de comunicação, preferem o silêncio, como se nada tivesse acontecido! Em lugar disso, insistem na defesa de uma “outra” reforma política, como se fosse possível esperar outra que não esta deste Congresso corrupto.
Neste momento de crise profunda, não é possível manter ilusões de que pequenas reformas são possíveis. Os grandes partidos da burguesia conduziram o país a este estado de caos e nada os fará abandonar o poder até a completa bancarrota. Assim, novos ataques serão desferidos contra a classe trabalhadora e seus partidos. Compactuar, ignorar ou apelar para o “salve-se quem puder” é uma atitude que deve ser rejeitada por todos aqueles que esperam, algum dia, ver o Brasil livre da miséria de nossos dias presentes.