O presidente Temer sancionou na última sexta-feira (31/03) a lei da terceirização. Fê-lo no exato momento em que manifestantes tomavam ruas em várias capitais do país, em protesto contra as reformas de Temer. A que deve tamanha audácia do presidente? Será que as medidas econômicas adotadas por Temer darão tão grande suporte ao Estado burguês brasileiro no futuro próximo?
Antes de responder tal questão, cabe ressaltar o caráter nefasto dessa lei. Ela visa a ampliar o seguinte quadro: os terceirizados recebem hoje salários entre 23% e 27% menores do que os efetivados diretamente, e têm uma jornada maior (dados do DIEESE). A rotatividade e o afastamento por acidentes são muito maiores entre os terceirizados. A cada dez acidentes no local de trabalho, oito ocorrem com terceirizados. É isso que, travestido sob o manto da “regularização da terceirização”, pretende-se ampliar. Tudo em nome do capital, com sangue derramado dos trabalhadores.
Mas é mais do que isso: trata-se de um projeto que aprofunda a forma como a economia brasileira insere-se no mercado mundial. É a proposta de “mexicanização” do Brasil. A terceirização significa o rebaixamento da especialização da mão de obra do conjunto da classe trabalhadora brasileira. Evidentemente, indústrias de ponta jamais realizarão terceirização de suas atividades-fim, pois contam com um alto grau técnico de seus trabalhadores, mas elas são ínfima minoria no país. E a nova lei visa justamente a aprofundar o processo geral de desqualificação da mão de obra e a aumentar a concorrência entre trabalhadores, para aumentar o grau de exploração. O Brasil, com esse tipo de proposta, será ainda mais colocado, de acordo com os desígnios do grande capital internacional, lado a lado à China, México, Índia, ou seja, como paraíso de exploração de mão de obra barata e não especializada. O que interessa aos capitalistas é o que Marx chamava de mais-valia absoluta. Trata-se de ampliar, para o grande capital, o caráter meramente montador da indústria nacional, com baixo valor adicionado no processo de trabalho. Não há nenhum grande enriquecimento real e nacional em perspectiva, e será produzida, no médio prazo, a destruição dos relativamente altos salários dos trabalhadores brasileiros mais qualificados.
Os passos decisivos para a ampliação da terceirização foram dados pelo PT no último período. O PT abriu as portas para a terceirização, como se sabe, três vezes mais do que o governo de FHC. Também foi o PT o responsável por rebaixar a discussão do problema e transformá-la em pura mediocridade, polarizando as mentes entre uma suposta boa e correta terceirização das “atividades-meio”, em oposição à malvada terceirização das “atividade-fim”. Na verdade, ambas devem ser repudiadas, e a aprovação da primeira preparou a aprovação da segunda. Afinal, a divisão barata e medíocre, sociológica, praticamente não existe na realidade: tanto a atividade-meio quanto a atividade-fim, num processo produtivo, são parte do mesmo; concorrem para a extração de mais-valia. Aliás, o que já ensinara Marx em O capital, onde cai por terra o tratamento vazio da noção de “serviços”.
Como em tudo, o governo Temer apenas aprofunda o que os governos do PT faziam (bem como os de FHC). Temer segue as linhas gerais da acomodada burguesia tupiniquim, desde sempre predisposta a aceitar o que o grande capital lhe destinou. Da parte desse setor jamais sairá qualquer resposta para os problemas políticos e econômicos nacionais. Portanto, somente com grande ingenuidade se pode acreditar que as medidas de Temer lhe darão fortes condições para encarar a gigantesca crise que se abre para a economia brasileira, base da forte crise política e de representação da burguesia. Temer, na verdade, se enfraquece a cada passo, a cada suposta ousadia (o IBOPE revelou que ele agora atingiu apenas 10% de aprovação. Está chegando no recorde da Dilma, 7%. Além disso, sua base de apoio está em frangalhos. O PMDB do Senado, nas mãos de Renan Calheiros e Roberto Requião, rompeu com Temer, em chantagem, para que este ataque mais a Lava-Jato).
Só a classe trabalhadora pode apresentar uma saída à crise nacional e, sobretudo, social. Se a classe operária hoje esboça uma resposta tímida, não é por falta de disposição para a luta, mas graças ao alto grau de desorganização da esquerda revolucionária brasileira, sobretudo no quesito sindical. Temer aprovou facilmente a medida, mas não porque é forte. Temer é um governo fraco, mas aprova suas medidas com facilidade graças ao baixo grau de organização da classe trabalhadora. Grau de organização da classe não é sinônimo de disposição de luta da classe. Há muita disposição de luta no proletariado brasileiro, mas ela não encontra vazão devido ao patamar baixo, historicamente, em que se encontra a esquerda.
Também quanto a isso, o PT é o primeiro responsável pela facilitação da aprovação dessas medidas nefastas para o trabalhador. Foi o PT que trouxe a esquerda a esta situação miserável. Dado que a esquerda toda construiu o PT e girou em torno dele até há poucos anos (se é que ainda não gira), a falência atual do PT é também a falência total da esquerda brasileira. Nunca o grau de organização da classe foi tão baixo, e tão paradoxalmente distante da vontade da classe de lutar. A luta espontânea estourará, apesar da esquerda, e por cima a esquerda. Cabe saber se esta superará seu erro histórico do passado, do atual ciclo democrático-burguês, e se afastará dos diversionismos e mentiras petistas.
É necessário pressionar a burocracia sindical a se mover, para que assim a própria classe entre em movimento e perceba melhor as suas amarras. É fundamental apoiar e construir paralisações como as do dia 28/04, mas também deve-se pressionar as burocracias para que realizem paralisações mais frequentes. Um mês entre cada paralisação nacional, adaptando-se ao calendário do congresso, é um luxo, ou melhor, traição à luta de classes. As vacilações da burocracia, sua falta de ânimo para a luta, os interesses velados em aprovar as reformas, etc., devem ser desmascaradas diante de suas próprias bases.
A aprovação da lei da terceirização, junto com toda a reforma trabalhista, bem como com a reforma previdenciária, são uma declaração de guerra contra a classe trabalhadora brasileira. Temer parece vencer por enquanto, mas isso é ilusório. Na sua busca cega por mais-valia, a burguesia lança a classe trabalhadora numa condição absolutamente intransponível, insustentável e explosiva. Estourará uma revolta, e em condições de desmoralização absoluta da representação política da burguesia – crise total do sistema político – e fraqueza dos Estados para repressão. Isso provavelmente se dará com o novo estouro de crise internacional que se avizinha. O Brasil, e a América Latina como um todo, viraram um barril de pólvora.