Nem começou e o governo Temer já caiu em descrédito. Temer, o vice cuja popularidade chega a 2%, foi condenado na última semana por gastos abusivos em doações eleitorais e é agora considerado “ficha-suja”, inelegível por oito anos. Pela primeira vez na história deste país teremos uma figura sabidamente “ficha-suja” conduzindo a nação.
Temer anunciara que faria um “ministério de notáveis”. Onde foram parar tais notáveis agora não se sabe. Deles talvez tenha restado apenas Henrique Meirelles (mesmo a ex-ministra do STF, Ellen Gracie, cogitada para a AGU, já é nome duvidoso). Todos os “notáveis” foram refugados ou declinaram à medida que impôs-se a lógica do “toma-lá-dá-cá”. De tal forma que o futuro ministério assemelha-se cada vez mais a um ministério do passado, especificamente do passado recente, petista — mas ainda mais grotesco: com investigados pela Lava-Jato pulsando em seu peito, como Romero Jucá (PMDB-RR), cotado para o Ministério do Planejamento.
Entre os ministeriáveis, não mais notáveis, enfileiram-se figuras nefastas que até ontem compunham o poder executivo sob Dilma Rousseff. O PT, o PCdoB e o PDT foram apeados, mas os demais partidos (e seus vários setores) da ex-base petista, não. E são muitos. Em negociação com Temer, afirmaram que não largarão o osso; não permitirão que os espaços que ocupavam sob Dilma lhes sejam tirados. A situação é tão absurda que alguns ameaçaram votar, no Senado, a favor de Dilma Rousseff, caso Temer não lhes mantenha o espaço político em ministérios e agregados.
É por isso que a proposta de Temer de redução ministerial já virou piada. Temer anunciara que cortaria os atuais 31 ministérios para cerca de 20. Ao impor-se o “toma-lá-dá-cá”, deu-se conta de que seria impossível. A cada dia teve de aumentar o número de ministérios, e agora trabalha com a meta de cortar apenas três ministérios.
Curiosamente, o PSDB recuou de sua decisão de compor formalmente o governo Temer. Está para nascer partido político mais vacilante. Não recuou por medo de sair mal na foto, mas porque requisitou e não conseguiu o Ministério das Cidades, hoje sob comando do PSD de Gilberto Kassab. O PSD bateu o pé, roeu o osso e avisou que não deixaria a pasta. O Ministério das Cidades é importante graças à sua grande capilaridade nacional e influência nas eleições municipais; seria fundamental para o PSDB aumentar sua máquina política para 2018, mas Temer preferiu estabilidade governamental com Kassab e não com Aécio.
A divisão das forças políticas no Congresso se manterá relativamente parecida à que existia sob Dilma, pois é o poder executivo (os ministérios e seus cargos) o determinante para a definição política no poder legislativo. A base principal do governo continuará sendo o chamado “centrão” — talvez o que haja de mais grotesco e atrasado na política brasileira —: PRB, PR, PP, PSD, etc., além, é claro, do próprio PMDB. Juntos eles decidiram que não há mais espaço no bonde governista e deixaram PSDB, DEM, PPS de mãos abanando, com nenhuma ou secundária representação no poder executivo. A única diferença no Congresso será o bloco “novo”, dirigido pelo PT, que tenderá a agregar, além do PCdoB e PDT, PSOL e Rede. Esse bloco provavelmente trabalhará conjuntamente e, na prática, construirá uma “alternativa” para 2018 (talvez Lula). Para viabilizá-la eleitoralmente, não poderá afastar-se demais do “centrão”.
Ao que tudo indica, outro traço fundamental do governo de Dilma Rousseff se manterá: a paralisia no Congresso. Nesse sentido é fundamental entender que a queda repentina de Eduardo Cunha foi um sério revés para Temer. Eduardo Cunha sagrara-se, ao final do processo de impeachment, líder do “centrão” na Câmara dos Deputados; tornara-se, por isso mesmo, fundamental na articulação política para a composição do novo governo. Sua queda no meio do processo de nomeação dos ministros enfraquece a capacidade de barganha de Temer e do PMDB.
Pelo mesmo motivo, a queda de Cunha é determinante para fragilizar a capacidade de Temer aprovar seu pacote de maldades, sua ponte para o inferno. Como mostramos recentemente, tais medidas são essencialmente as mesmas que Dilma queria aprovar e não conseguiu, graças à crise política. Agora é Temer quem corre seriamente o risco de não conseguir aprová-las antes que estoure uma crise. A queda de Cunha significa enfraquecimento da articulação e direção PMDBista sobre o “centrão” na Câmara dos Deputados: Cunha exercia controle absoluto e dirigia a pauta a toque de caixa. Cada medida que Temer tiver de aprovar na Câmara agora, sem Cunha, exigirá o dobro de negociações e tomará o dobro de tempo.
Dilma e Cunha se mereciam. Eram duas faces da mesma moeda. Não à toa caíram junto. Trata-se de um processo espelhado: Dilma caiu e entrou o “presidente interino”, o vice, Michel Temer; Cunha caiu e entrou o “presidente interino”, o vice, Waldir Maranhão. Temer mudou de lado, negou sua madrinha e articulou o impeachment; Maranhão mudou de lado, negou seu padrinho e votou contra o impeachment. Temer queimou a largada dezenas de vezes, sonhando com a cadeira de Dilma. Waldir Maranhão sentou-se na cadeira de Cunha menos de 5 minutos após Zavascki afastar Cunha.
É claro que o ministro Teori Zavascki expediu a liminar contra Cunha só porque Marco Aurélio Mello (o primo do Collor, nomeado por este) e Ricardo Lewandosvki ameaçaram pautar o caso imediatamente, antes dele. Ambos agiram por Dilma, contra Temer. Ainda há jogo político e o PT conta com os 180 dias de afastamento de Dilma para fazer alguma mágica. E é claro também que Waldir Maranhão será derrubado em pouco tempo, de alguma forma, pelos seus. Mas todas essas obviedades só mostram a confusão política e a desmoralização do conjunto dos representantes da classe burguesa, que brigam entre si sem saber para onde caminhar.
Diante de um governo burguês frágil, abre-se a oportunidade histórica de a classe trabalhadora passar à ação. Talvez também nesse elemento o governo Temer repita o governo Dilma. Assim como o governo Dilma despencou em popularidade em junho de 2013 e caiu graças, sobretudo, ao crescente descontentamento popular, o governo Temer cairá diante do mínimo sopro de luta da classe operária. Esta captará com seu instinto de classe que o momento de luta em defesa das suas condições de vida — contra a crise capitalista — chegou.