Dilma Roussef será “impeachmada” no começo desta semana e Temer assumirá. Ainda que para alguns não pareça, Dilma foi derrubada pelas massas da população trabalhadora brasileira.
Desde 2013 há um ascenso acentuado da classe trabalhadora, que se expressou em junho daquele ano e num grande aumento no número de greves. A base desse ascenso é a deterioração rápida das condições de vida da população trabalhadora brasileira. Mesmo dados sociológicos e empíricos comprovam-no. Veja-se os dados do economista Waldir Quadros: a classe trabalhadora brasileira, sobretudo o operariado, teve sua renda decisivamente achatada entre 2012, 2013 e 2014. Esse é o estopim da revolta.
Não foi pelas “pedaladas fiscais”. A população via o governo Dilma como responsável pela piora em suas condições de vida. Somaram-se o “estelionato eleitoral” e a sabida (e permanente) corrupção. O princípio da retirada de representantes a qualquer momento é legítimo. Collor, depois de “impeachmado” (renunciou, na verdade), foi julgado inocente, e ninguém se arrepende de sua destituição. Dilma, na verdade, foi derrubada pela revolta das massas contra um governo burguês. O ascenso manifestou-se deformadamente no Congresso brasileiro, ressoando sobretudo na Câmara dos Deputados.
É preciso entender como as coisas se passaram e é preciso enterrar os mitos petistas. O PT não era “aturado” pela burguesia, como falam alguns. Há uma ideia assim: supostamente a burguesia, que aturava o PT porque era “de esquerda”, viu que esse partido já não lhe servia mais e aproveitou o descontentamento popular para derrubá-lo e fazer um governo burguês “puro sangue”, que agora poderá fazer os ataques que o PT, por sua origem, supostamente impedia.
Essa tese é ridícula. Primeiro porque a burguesia nunca lucrou tanto como nos anos do PT. Isso foi reconhecido pelo próprio Lula. Segundo porque a burguesia — mostra Marx, no 18 Brumário — há mais de um século e meio não quer fazer um governo “puro sangue” e delega essa função a outras classes ou setores de classe. FHC, por exemplo, é tão de “esquerda” (ou mais) que Lula, na exata medida em que o termo “esquerda” é vago. Meirelles, um burguês pra ninguém botar defeito, é queridinho do Lula. Bresser Pereira, um dos cabeças do plano econômico de FHC, se diz de esquerda e critica a “ganância” da burguesia.
Em terceiro lugar, essa tese é ridícula porque inverte o que realmente aconteceu: o PT foi derrubado pelas massas, e não pela burguesia. Parte dos representantes políticos da burguesia teve de escantear o PT do poder (por meio de um jogo parlamentar) para não ser engolida junto com o PT. Parte dos representantes políticos da burguesia (muitos dos quais estavam até ontem com o PT) tiraram Dilma para ver se assim cessaria um pouco o descontentamento popular e social crescente. A queda do PT comprova a força das massas da população trabalhadora brasileira, sua revolta contra o governo burguês de plantão, e a tese ridícula petista nada mais faz do que tentar quebrar a força do proletariado (aliás, o que sempre fez o PT).
Aos revolucionários cabe ser a favor do impeachment sem titubear por três motivos:
1) Na ausência de um poder operário (poder dual) o único poder que aparece como legítimo é o burguês. A revolta popular precisa se expressar e, dentro do possível, se concretizar, senão a população ficará melindrada, deprimida. Havendo apenas a lei burguesa, é preciso que a revolta se expresse e se concretize por meio dela.
Ora, em qualquer luta sindical, por aumento salarial ou contra as demissões, o resultado da luta se expressa na legalidade burguesa — numa modificação no contrato de trabalho, por exemplo.
Claro: a propriedade privada dos meios de produção (que dá ao patrão o poder de barganha na definição do contrato de trabalho) é ilegítima. Ela é um roubo — a chamada expropriação originária. Ela é tão ilegítima quanto o congresso burguês. Mas de nada adianta gritar à população que o capitalismo é ilegítimo, que a propriedade é ilegítima, que o contrato de trabalho é ilegítimo, que o congresso é ilegítimo. É preciso demonstrar tudo isso – o que se faz pela prática, num processo de constituição do poder dual. Enquanto este não existe, existe a lei burguesa, e ela é, aparentemente (ou seja, para a maioria da população), “legítima”.
Numa condição assim, como a de hoje, a revolta não se expressar enquanto impeachment seria não realizar o protesto popular contra o governo burguês de plantão. Na prática, seria não tirar Dilma, e mais nada. Aqueles da esquerda que ficam em cima do muro quanto ao impeachment estão novamente vacilando diante do PT. Falar que o congresso é “ilegítimo” para deixar de apoiar o impeachment é esconder um centrismo com uma frase esquerdista.
2) Não há golpe, mas reafirmação da democracia burguesa. A democracia burguesa é o melhor regime para a classe trabalhadora dentro do capitalismo. O processo todo do impeachment segue a Constituição e o rito estabelecido pelo STF. A maioria do STF foi colocada lá por Lula e Dilma. A sessão do impeachment está sendo conduzida por Ricardo Lewandowski, o mais dilmista dos ministros do STF, e por Renan Calheiros, o mais dilmista dos caciques do PMDB. A própria direção do PT sabe que não é golpe, e usa essa tese para enganar inocentes ou dar argumentos aos sempre predispostos a apoiar o PT.
Se é verdade que a sociedade brasileira avança para uma maior repressão e autoritarismo, isso deve ser entendido como um resultado do aquecimento da luta de classes. E não se deve esquecer: foram os governos de Lula e de Dilma os responsáveis por realizar alguns dos mais graves ataques às liberdades civis, como não se via desde os militares, como a militarização das favelas e periferias, o uso indiscriminado do exército para ação interna, a aprovação da lei anti-terrorismo, etc. O governo do PT é responsável por modernizar o aparato de repressão do capital contra a classe trabalhadora.
3) Por último, mas não menos importante: a verdadeira política é a da luta de classes, e não o Congresso. Para ela, o enfraquecimento do corpo burocrático, pelego e traidor da CUT (e centrais associadas) tende a favorecer a explosão de lutas autônomas da classe trabalhadora. A CUT é hoje a maior estrutura de controle da classe operária (a vanguarda da classe) no local de trabalho, e mantém, nas principais fábricas, grupos de pelegos e bate-paus, no mais antigo tipo de máfia sindical. O afastamento da Dilma enfraquece materialmente essa enorme burocracia vendida.
O governo de Temer, ainda que possa parecer num primeiro momento mais forte do que o de Dilma — pois com base mais bem estabelecida no Congresso —, é na prática, na verdadeira política, mais fraco do que o governo do PT. Para a luta de classes, Temer tem menos organismos de controle da classe trabalhadora do que Dilma.
Assim que Temer começar seus ataques (os mesmos que Dilma tentava fazer e a polêmica do impeachment impedia), a classe começará a se erguer contra ele, de forma cada vez mais organizada e decidida. A explosão da luta autônoma da classe trabalhadora será o dinamizador da reorganização da esquerda socialista brasileira na próxima conjuntura.