Neste 5 de maio completam-se 203 anos do nascimento do genial Karl Marx. Com sua obra teórica e sua militância revolucionária – que não podem ser artificialmente separadas –, o “Mouro” de Trier nos legou valiosas lições políticas e um admirável edifício teórico, uma verdadeira ferramenta para o combate emancipatório da classe trabalhadora.
Hoje, muita tinta será gasta e muita elegia será cantada em frente ao seu túmulo em Highgate. Mas, destes, quantos assumem realmente a radicalidade do pensamento e da ação comunistas de Marx? Quantos assumem seu pensamento enquanto algo vivo e criativo no presente?
Marx é diuturnamente mutilado para encontrar nele um humanista social-democrata, com base em seus escritos de juventude… Ou mutilado para enquadrá-lo no estatismo burocrático neokeynesiano (apagando-se suas análises sobre a Comuna de Paris). Ou mutilado para defender em seu nome as ideias de todos aqueles que ele combateu a vida toda (jovens-hegelianos, Proudhon, Lassalle etc). Ou transformado em positivista, sociólogo, pai das “Ciências Humanas”, ao lado de Weber e Durkheim!
Quantos não são os que fazem capital com O Capital? Quantos não transformam sua obra revolucionária maior num mero recurso para entendimento do mundo? Como se Marx pudesse ter escrito O Capital sem passar pelos embates políticos, práticos e teóricos derivados de sua atividade de homem de partido comunista!
Lênin, certa vez, brincando com a 11a tese Ad Feuerbach, teria dito sobre os mutiladores de Marx: “eles se esquecem de que é o mundo que deve ser transformado, não Marx”.
Não só contra seus pretensos seguidores, mas também contra todos os que querem tornar seu pensamento uma doutrina fechada e morta, Marx certa vez disse a seu genro francês, Paul Lafargue: “Ce qu’il y a de certain, c’est que moi je ne suis pas marxiste” [“O que há de certo é que eu não sou marxista”].
Neste aniversário do nascimento de Marx, elogiamos seu pensamento e sua postura frente ao mundo. Se queremos tomar o pensamento de Marx em sua forma viva, temos de assumir alguns preceitos: 1) mais do que ostentar qualquer rótulo distintivo (“marxista”), temos de ler e reler, com atenção e rigor, todas as suas obras; 2) temos de compreender a fundo o desenvolvimento (a gênese) do seu pensamento, temos de saber com quem ele se confrontou na hora de conformar suas ideias (afinal, a maioria dessas ideias pré-marxistas ainda grassa a torto e a direito não apenas nas academias, mas sobretudo nas organizações políticas); e 3) temos de manter nosso pé fincado na prática revolucionária, na atividade organizativa militante, pois esse é o fogo que animou Marx e nos anima no desenvolvimento teórico e prático frente ao presente.
Nada melhor para homenagear Marx do que trazer à luz novamente suas palavras. Nesse sentido, resgatamos hoje seu pequeno mas célebre “Prefácio” a Para a Crítica da Economia Política, de 1859.
Desses poucos parágrafos do “Prefácio”, incrivelmente, se tira tudo quanto é tipo de interpretação.
Sobretudo, apaga-se que Marx aí afirma que, com a redação da chamada Ideologia Alemã (sobretudo 1846), ele e Engels “acertaram as contas” [abzurechnen] com sua consciência filosófica anterior. Marx deixa claro ainda que, dado que a Ideologia Alemã não foi publicada, o novo pensamento deles foi expresso pela primeira vez [zuerst] apenas na Miséria da Filosofia.
E qual era a consciência anterior, que eles “liquidaram”? Era a filosofia da consciência de matriz feuerbachiana, jovem-hegeliana, que habita em obras como os chamados “Manuscritos Econômico-Filosóficos”, os Cadernos de Paris, os artigos dos Anais Germano-Franceses e a chamada “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel” (Manuscritos de Kreuznach). São obras do Marx pré-comunista, ainda “socialista verdadeiro”, feuerbachiano. Entretanto, incrivelmente, tais obras foram muitas vezes tomadas, ao longo do século XX, como tão ou mais importantes que O Capital! A interpretação de Marx a partir dessas obras ainda é a hegemônica nas academias, editoras e na maioria das organizações políticas!
Nesse importante prefácio, Marx apresenta de forma sintética sua “concepção de história” (como ele e Engels se referem à sua nova teoria desde a Ideologia Alemã). Tal concepção é trazida à luz sem qualquer recurso a esquematismos tais como “materialismo histórico” e “materialismo dialético”. Também aí Marx insiste que há épocas do desenvolvimento histórico-social, e as lista: os modos de produção asiático, antigo, feudal e burguês moderno. Tais modos de produção, diz ele, conformam “épocas progressivas”. Todavia, afirmar, hoje, que existe progresso na história é, para a maioria dos marxistas, um “eurocentrismo”, “filosofia hegeliana da história” etc. Mais vale a relativização absoluta do pós-modernismo e do identitarismo que assola a “esquerda”!
Maiakovski, o poeta da revolução, certa vez afirmou, quanto a este texto de Marx: “não existe obra de arte que me tenha entusiasmado mais que o ‘Prefácio’ de Marx”.
Bom, deixemos Marx falar por si.
Viva Marx!
Considero o sistema da economia burguesa nessa ordem: capital, propriedade fundiária, trabalho assalariado; Estado, comércio exterior, mercado mundial. Nos três primeiros títulos examino as condições econômicas de vida das três grandes classes em que se divide a moderna sociedade burguesa; a conexão dos três seguintes é evidente. A primeira parte do Livro Primeiro, que trata do capital, compõe-se dos seguintes capítulos: 1 — a mercadoria; 2 — a moeda ou a circulação simples; 3 — o capital em geral. Os dois primeiros capítulos formam o conteúdo do presente volume. Tenho diante de mim o conjunto do material sob a forma de monografias que foram redigidas com longos intervalos, não para serem impressas, mas para minha própria compreensão, e cuja elaboração sistemática, segundo o plano dado, dependerá de circunstâncias exteriores.
Suprimo uma introdução geral[2] que havia esboçado, pois, graças a uma reflexão mais atenta, parece-me que toda antecipação perturbaria os resultados ainda por provar, e o leitor que se dispuser a seguir-me terá que se decidir a ascender do particular para o geral. Por outro lado, poderão aparecer aqui algumas indicações sobre o curso dos meus próprios estudos político-econômicos.
Minha especialidade era a Jurisprudência, a qual exercia contudo como disciplina secundária ao lado de Filosofia e História. Nos anos de 1842/43, como redator da Gazeta Renana (Rheinische Zeitung),[3] vi-me pela primeira vez em apuros por ter que tomar parte na discussão sobre os chamados interesses materiais. As deliberações do Parlamento renano sobre o roubo de madeira e parcelamento da propriedade fundiária, a polêmica oficial que o sr. Von Schaper, então governador da província renana, abriu com a Gazeta Renana sobre a situação dos camponeses do Vale do Mosela, e finalmente os debates sobre o livre-comércio e proteção aduaneira, deram-me os primeiros motivos para ocupar-me de questões econômicas. Além do mais, naquele tempo em que a boa vontade de “ir à frente” ocupava muitas vezes o lugar do conhecimento do assunto, fez-se ouvir na Gazeta Renana um eco de fraco matiz filosófico do socialismo e comunismo francês. Eu me declarei contra essa remendagem, mas ao mesmo tempo, em uma controvérsia com o Jornal Geral de Augsburgo (Allgemeine Augsburger Zeitung),[4] confessei francamente que os meus estudos feitos até então não me permitiam ousar qualquer julgamento sobre o conteúdo das correntes francesas. Agarrei-me às ilusões dos gerentes da Gazeta Renana, que acreditavam que, por meio de uma atitude mais vacilante do jornal, conseguiriam anular a condenação de morte que fora decretada contra ele, para me retirar do cenário público para o gabinete de estudos.
O primeiro trabalho que empreendi para resolver a dúvida que me assediava foi uma revisão crítica da filosofia do direito de Hegel, trabalho este cuja introdução apareceu nos Anais Franco-Alemães (Deutsch-Französische Jahrbücher),[5] editados em Paris em 1844. Minha investigação desembocou no seguinte resultado: relações jurídicas, tais como formas de Estado, não podem ser compreendidas nem a partir de si mesmas, nem a partir do assim chamado desenvolvimento geral do espírito humano, mas, pelo contrário, elas se enraízam nas relações materiais de vida, cuja totalidade foi resumida por Hegel sob o nome de “sociedade civil” (bürgerliche Gesellschaft), seguindo os ingleses e franceses do século XVIII; mas que a anatomia da sociedade burguesa (bürgerliche Gesellschaft)[6],[7] deve ser procurada na Economia Política. Comecei o estudo dessa matéria em Paris, mas tive que continuá-lo em Bruxelas, para onde me transferi em consequência de uma ordem de expulsão do sr. Guizot. O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu-me de fio condutor aos meus estudos, pode ser formulado em poucas palavras: na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo em geral de vida social, político e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência. Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que nada mais é do que a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais aquelas até então se tinham movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, essas relações se transformam em seus grilhões. Sobrevém então uma época de revolução social. Com a transformação da base econômica, toda a enorme superestrutura se transforma com maior ou menor rapidez. Na consideração de tais transformações é necessário distinguir sempre entre a transformação material das condições econômicas de produção, que pode ser objeto de rigorosa verificação da ciência natural, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas pelas quais os homens tomam consciência desse conflito e o conduzem até o fim. Assim como não se julga o que um indivíduo é a partir do julgamento que ele se faz de si mesmo, da mesma maneira não se pode julgar uma época de transformação a partir de sua própria consciência; ao contrário, é preciso explicar essa consciência a partir das contradições da vida material, a partir do conflito existente entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. Uma formação social nunca perece antes que estejam desenvolvidas todas as forças produtivas para as quais ela é suficientemente desenvolvida, e novas relações de produção mais adiantadas jamais tomarão o lugar, antes que suas condições materiais de existência tenham sido geradas no seio mesmo da velha sociedade. É por isso que a humanidade só se propõe às tarefas que pode resolver, pois, se se considera mais atentamente, se chegará à conclusão de que a própria tarefa só aparece onde as condições materiais para sua solução já existem, ou, pelo menos, são captadas no processo de seu devir. Em grandes traços podem ser caracterizados, como épocas progressivas da formação econômica da sociedade, os modos de produção: asiático, antigo, feudal e burguês moderno. As relações burguesas de produção constituem a última forma antagônica do processo social de produção, antagônicas não em um sentido individual, mas de um antagonismo nascente das condições sociais de vida dos indivíduos; contudo, as forças produtivas que se encontram em desenvolvimento no seio da sociedade burguesa criam ao mesmo tempo as condições materiais para a solução desse antagonismo. Daí que com essa formação social se encerra a pré-história da sociedade humana.
Friedrich Engels, com quem mantive por escrito um intercâmbio permanente de ideias desde a publicação de seu genial esboço de uma crítica das categorias econômicas (nos Anais Franco-Alemães), chegou por outro caminho (compare o seu trabalho Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra) ao mesmo resultado que eu; e quando ele, na primavera de 1845, veio também instalar-se em Bruxelas, decidimos elaborar em comum nossa oposição contra o que há de ideológico na filosofia alemã; tratava-se, de fato, de acertar as contas com a nossa antiga consciência filosófica. O propósito tomou corpo na forma de uma crítica da filosofia pós-hegeliana. O manuscrito,[8] dois grossos volumes in octavo, já havia chegado há muito tempo à editora em Westfália quando fomos informados de que a impressão fora impedida por circunstâncias adversas. Abandonamos o manuscrito à crítica roedora dos ratos, tanto mais a gosto quanto já havíamos atingido o fim principal: a compreensão de si mesmo. Entre os trabalhos dispersos de então, através dos quais submetemos ao público nossas opiniões sobre questões diversas, menciono apenas o Manifesto do Partido Comunista, que Engels e eu redigimos em conjunto, e uma publicação minha, o Discurso Sobre o Livre-Comércio (Discours sur le Libre Échange). Os pontos decisivos de nossa opinião foram indicados cientificamente pela primeira vez, ainda que apenas de uma forma polêmica, em meu escrito Miséria da Filosofia (Misère de la Philosophie etc.), publicado em 1847 e dirigido contra Proudhon. Depois, numa dissertação escrita em alemão sobre o Trabalho Assalariado,[9] onde sintetizei as minhas conferências sobre este tema feitas na União dos Trabalhadores Alemães de Bruxelas,[10] cuja impressão, todavia, foi interrompida pela Revolução de Fevereiro e por minha subsequente expulsão da Bélgica.
A publicação da Nova Gazeta Renana (Neue Rheinische Zeitung),[11] em 1848 e 1849, e os acontecimentos posteriores interromperam meus estudos econômicos, que só puderam ser retomados em 1850, em Londres. A enorme quantidade de material sobre a história da economia política que se encontra acumulada no Museu Britânico, a situação favorável de Londres como ponto de observação da sociedade burguesa e, finalmente, o novo estágio de desenvolvimento em que esta parecia entrar com a descoberta do ouro na Califórnia e Austrália determinaram-me a começar tudo de novo, e estudar criticamente até o fim todo o material. Esses estudos, em parte por causa de seu próprio caráter, chegaram a disciplinas aparentemente afastadas do plano original, nas quais tive que me deter por mais ou menos tempo. Mas foi sobretudo a necessidade imperiosa de exercer uma profissão para ganhar a vida que me reduziu o tempo disponível. Minha colaboração, já de oito anos, com o primeiro jornal anglo-americano, o New-York Tribune,[12] tem exigido uma extraordinária dispersão dos estudos, uma vez que apenas excepcionalmente me ocupo com o jornalismo propriamente dito. Contudo, artigos sobre fatos econômicos de destaque, ocorridos na Inglaterra e no continente, constituem uma parte tão significativa da minha contribuição que me vi obrigado a familiarizar-me com pormenores que ficam fora do ramo da ciência da Economia Política propriamente dita.
Esse esboço sobre o itinerário dos meus estudos no campo da economia política tem apenas o objetivo de provar que minhas opiniões, sejam julgadas como forem e por menos que coincidam com os preconceitos ditados pelos interesses das classes dominantes, são o resultado de uma pesquisa conscienciosa e demorada. Mas na entrada para a Ciência — como na entrada do Inferno — é preciso impor a exigência:
Qui si convien lasciare ogni sospetto
Ogni viltà convien che sia morta.[13]
Londres, janeiro de 1859
Karl Marx
[1] A notável obra Para a Crítica da Economia Política (Zur Kritik der politischen Ökonomie) representa um marco importante na formação da Economia Política marxista. Foi escrita no período entre agosto de 1858 e janeiro de 1859. Na resenha que escreve para o VoIk (Marx-Engels Werke. v. 13, p. 468), Engels ressalta o significado desse livro para o “partido proletário alemão” e o método da “dialética materialista” empregado. O próprio Marx escreve a Engels em 22 de julho de 1859: ‘No caso de que escrevas algo [sobre o livro], não deves esquecer: 1) que o Proudhonismo é aniquilado em suas bases, 2) que exatamente na forma mais simples, a forma da mercadoria, é analisado o caráter especificamente social da produção burguesa, mas não se trata de forma alguma de seu caráter absoluto”. A realização da obra custou a Marx um trabalho de quinze anos, durante os quais Marx estudou uma enorme quantidade de literatura sócio-econômica e elaborou as bases de sua própria teoria monetária.
Em agosto de 1857, Marx inicia a sistematização do material colecionado e a redação definitiva, e, em 26 de janeiro de 1859, envia o manuscrito a Franz Dunker, o seu editor em Berlim. O livro, que deveria ser o primeiro de uma série de “cadernos”, apareceu em junho de 1859 contendo apenas dois capítulos: “A mercadoria” e “O dinheiro ou a circulação simples”, mas como primeiros capítulos do “Livro Primeiro: Sobre o Capital” (que deveria ser o primeiro num total de seis) e da “Seção I: O Capital em Geral”. Marx pretendia publicar o segundo caderno logo em seguida, onde trataria das questões ligadas ao capital. Contudo, pesquisas continuadas obrigaram-no a alterar seu plano original. Agora, em vez dos seis livros planejados, a obra deve constar de quatro tomos sobre o capital. No lugar dos “cadernos periódicos”, Marx elabora o Das Kapital, onde retoma as teses principais de seu escrito Zur Kritik der politischen Ökonomie. No prefácio à primeira edição de O Capital, diz Marx a respeito da relação entre as duas obras: “A obra que entrego agora ao público é a continuação do meu escrito Para a Crítica da Economia Política, publicado em 1859. A longa pausa entre o início e a continuação deve-se a uma enfermidade prolongada por muitos anos que me obrigou a interromper várias vezes o trabalho. O conteúdo daquele escrito está resumido no Capítulo I desse livro. Essa inclusão não se deve apenas ao contexto ou à integridade da obra. A exposição está melhorada. Na medida em que a implicação dos fatos tenha permitido de alguma forma, muitos pontos, que foram anteriormente apenas mencionados, aparecem aqui mais desenvolvidos, enquanto outros pontos desenvolvidos naquela obra, ao contrário, são aqui meramente mencionados. A parte referente à história da teoria do valor e da teoria do dinheiro fica agora totalmente fora, mas o leitor daquele escrito anterior encontrará nas notas do Capítulo I novas fontes sobre a história daquela teoria”.
A referência sobre os “outros pontos desenvolvidos naquela obra”, que será tratada por alto em O Capital, consiste sobretudo no capítulo sobre o dinheiro que, juntamente com a parte sobre a história da teoria do dinheiro, constitui a exposição mais detalhada da teoria do dinheiro de Marx. Trata-se aqui de questões da circulação do dinheiro e da teoria dos meios de circulação, em um sistema de produção capitalista totalmente desenvolvido, que em O Capital só serão tratadas no Livro Terceiro, depois de ter sido feita a análise do processo de produção e do processo de circulação do capital e a análise da taxa média de lucro. Se, por isso, a crítica é formalmente apenas um começo, e O Capital a sua continuação, pode-se afirmar também que ela abrange muito mais do que a mera circulação simples de mercadorias. Ela fornece já, no campo da teoria do dinheiro, os grandes traços da obra total. (N. da Ed. Alemã.)
A edição que utilizamos como texto básico para esta tradução foi a da Dietz Verlag Berlin (1972), da coleção Marx-Engels Werke, v. 13.
Procuramos realizar uma tradução que, além de se manter fiel ao texto, deixasse transparecer todo o jogo dialético das categorias. Para isso, foi muitas vezes preciso quebrar o uso corrente de certas palavras e até mesmo formar outras. Exemplo significativo de ruptura com o sentido tradicional é a tradução de Geld, quando não aparece composta com outra palavra, como em Geldstück (peça de moeda), por “dinheiro”, quando frequentemente empregamos “moeda”. Mas entre Geld e Münze existe uma oposição entre o ideal e o encarnado num ser particular, a que o bom senso português sempre foi cego. Para distinguir Bestimmung (determinação) de Bestimmheit (uma determinação que advém ao objeto por sua posição no processo), inventamos “determinidade”. Assim é que a moeda, que encarna a idealidade do dinheiro graças ao próprio movimento dialético dessa última categoria, é uma determinidade formal do dinheiro. (N. do T.)
[2] Veja neste volume Introdução [à Critica da Economia Política]. (N. do T.)
[3] Rheinische Zeitung für Politik, Handel und Gewerbe (Gazeta Renana de Política, Comércio e Indústria) — Diário publicado em Colônia, de 1° de janeiro de 1842 até 31 de março de 1843. Fundado por representantes da burguesia renana, que se opunham ao absolutismo prussiano, o jornal atraiu também alguns jovens hegelianos. Marx foi seu colaborador a partir de abril de 1842, e seu redator-chefe a partir de outubro do mesmo ano. O jornal publicou também uma série de artigos de Friedrich Engels. Sob a influência de Marx, o jornal assumiu um caráter revolucionário-democrático, tendência esta que se acentuava progressivamente. A linha do Rheinische Zeitung, cuja popularidade crescia na Alemanha, provocou preocupação e insatisfação nos círculos governamentais, e a imprensa reacionária lançou-se enfurecida contra ele. O jornal foi colocado sob severa censura, depois de 19 de janeiro de 1843, por força de um decreto do governo prussiano, e proibido definitivamente em 1° de abril de 1843. (N. da Ed. Alemã.)
[4] Allgemeine Zeitung (Jornal Geral) — Diário conservador fundado em 1798. Entre 1810 e 1882 foi publicado em Augsburgo. Em artigo publicado no Rheinische Zeitung (O Comunismo e o “Allgemeine Zeitung” de Augsburgo), Marx ataca essejornal por haver falsificado as ideias do socialismo e comunismo utópicos. (N. da Ed. Alemã.)
[5] Os Deutsch-Französische Jahrbücher (Anais Franco-Alemães) foram publicados em Paris, no idioma alemão, por Karl Marx e Amold Ruge, e apareceram apenas uma única vez, em fevereiro de 1844. Neles foram publicados os trabalhos de Marx A Questão Judia e Para Crítica da Filosofia do Direito de Hegel: Introdução, bem como o Esboço para uma Crítica da Economia Política e A Situação da Inglaterra, Past and Present by Thomas Carlyle, Londres, 1843, de Friedrich Engels. Esses trabalhos marcam a passagem de Marx e Engels para o materialismo e o comunismo. Contudo, divergências de princípio entre Marx e o burguês radical Ruge impediam que a revista continuasse a ser publicada. (N. da Ed. Alemã.)
[6] No original lê-se: “… Rechtsverhältnisse wie Staatsformen (…) in den materiellen Lebensverhältnissen wurzeln, deren Gesamtheit Hegel, nach dem Vorgang der Engländer und Französen des 18. Jahrhunderts, unter dem Namen ‘bürgerliche Gesellschaft’ zusammenfaßt, daß aber die Anatomie der bürgerlichen Gesellschaft in der politischen Ökonomie zu suchen sei”. Em breves palavras, pode-se dizer que a bürgerliche Gesellschaft (sociedade civil), para Hegel, se apresenta como a antítese da família, e o Estado surge como a síntese de ambos, como união dos respectivos princípios. A sociedade civil é o campo onde os indivíduos, como pessoas privadas, buscam a satisfação de seus interesses. Marx, ao contrário, distingue a concepção hegeliana de sua própria: a “sociedade civil” corresponde ao nível onde se dá “o relacionamento dos possuidores de mercadorias”, “as relações materiais de vida” ou “metabolismo social”. Ela constitui a anatomia ou a base da estrutura social. Mas a sociedade burguesa (o termo alemão é, também, como se viu, bürgerliche Gesellschaft reúne, para Marx, não somente o modo burguês de produção como também as relações jurídicas, o Estado burguês etc., que implica. Em sua realidade histórica, a bürgerliche Gesellschaft é a sociedade capitalista, com todas as formações sociais que lhe são próprias. (N. do T.)
[7] Na tradução francesa de Maurice Huisson, o mesmo trecho da obra de Marx teve a seguinte redação: “Mes recherches aboutirent à ce résultat que les rapports juridiques — ainsi que les formes de l’État — ne peuvent être compris ni par eux-mêmes, ni par la prétendue évolution générale de l’esprit humain, mais qu’ils prennent au contraire leurs racines dans les conditions d’existence matérielles dont Hegel, à l’exemple des Anglais et des Français du XVIII° siècle, comprend l’ensemble sous le nom de « société civile », et que l’anatomie de la société civile doit être cherchée à son tour dans l’économie politique.” (MARX. Karl. Contribuition à la Critique dr l’Économie Politique. Paris, Éditions Sociales, 1957, p. 4). A tradução de M. Husson, em português, teria a seguinte redação: “Minhas pesquisas conduziram ao resultado segundo o qual as relações jurídicas — bem como as formas do Estado — não podem ser compreendidas nem por si mesmas, nem pela pretensa evolução geral do espírito humano, porém que, ao contrário, elas se enraízam nas condições materiais de existência, cujo conjunto Hegel, a exemplo dos ingleses e dos franceses do século XVIII, reine sob o nome de ‘sociedade civil’, e que a anatomia da sociedade civil deve ser procurada, por sua vez, na Economia Política”. Como se vê, Husson traduziu bürgerliche Gesellschaft, emambasas passagens do trecho, igualmente por sociedade civil. (N. do E.)
[8] Trata-se de A Ideologia Alemã. (N. da Ed. Alemã.)
[9] Essa dissertação foi posteriormente divulgada em folheto intitulado Trabalho Assalariado e Capital (N. do E.)
[10] A Deutsche Arbeiterverein (União dos Trabalhadores Alemães) foi fundada em agosto de 1847 por Marx e Engels em Bruxelas, com o objetivo de esclarecer politicamente os trabalhadores alemães que viviam na Bélgica, e para levar até eles as ideias do comunismo científico. Sob a direção de Marx, Engels e outros seus companheiros, a “União” se transforma em um centro dos trabalhadores alemães revolucionários. A Deutsche Arbeiterverein mantinha estreito contato com as associações operárias belgas. Seus membros mais progressistas entraram para a Comunidade de Bruxelas da Liga dos Comunistas. Essa associação desempenhou um papel destacado na fundação da Association Démocratique de Bruxelas. Logo após a Revolução de Fevereiro na França (1848), a polícia belga detém e expulsa a maioria dos membros da “União”, com o que essa associação teve de paralisar suas atividades. (N. da Ed. Alemã.)
[11] Neue Rheinische Zeitung. Organ der Demokratie (Nova Gazeta Renana. Órgão da Democracia) — Diário cuja redação esteve a cargo de Marx, e que foi publicado em Colônia de 1° de junho de 1848 a 19 de maio de 1849. A ele pertenceram também Friedrich Engels, Wilhelm Wolff, Georg Weerth, Ferdinand Wolff, Ernst Dronke, Ferdinand Freiligrath e Heinrich Bürgers. Apesar das pressões e perseguições policiais contra os seus redatores, o Neue Rheinische Zeitung defendia corajosamente os interesses da democracia revolucionária e com isso os interesses do proletariado. Em maio de 1849, quando a contrarrevolução passa à ofensiva, o governo prussiano determina a expulsão de Marx da Prússia, depois de ter-lhe negado a nacionalidade. Sua expulsão e as represálias que se seguiram, contra os outros redatores, obrigam o jornal a fechar. O último número da Nova Gazeta Renana foi impresso em vermelho (n° 301, de 19 de maio de 1849) e traz uma proclamação de despedida dos redatores, dirigida aos operários de Colônia, em que afirmam que ”a última palavra do jornal será por toda parte e sempre: Emancipação da classe operária!”. O Neue Rheinische Zeitung “foio melhor e jamais superado órgão do proletariado revolucionário” (Lênin). (N. da Ed. Alemã.)
[12] New-York Daily Tribune — Jornal americano, que existiu de 1841 a 1924. Nas décadas de 40 e 50, o jornal assumiu um caráter progressista e se engajou contra a escravidão. A colaboração de Marx começa em agosto de 1851 e se estende até março de 1862. Uma boa parte dos artigos foi escrita por Engels, por solicitação de Marx. Os artigos de ambos nesse jornal tratam de questões importantes do movimento operário, de política interna e externa, e do desenvolvimento econômico dos países europeus, como também de questões ligadas à expansão colonial e aos movimentos de libertação nos países dominados e dependentes. (N. da Ed. Alemã.)
[13] “Que aqui se afaste toda a suspeita/Que neste lugar se despreze toda a covardia”. (DANTE. Divina Comédia.) (N. da Ed. Alemã.)