O texto abaixo expressa a posição da TS pelo voto nulo num eventual segundo turno eleitoral de 2022.
Como sempre, vem eleição e o PT ergue um espantalho. “O mundo vai acabar”, dizem, se não votarmos em Lula. É a chantagem eleitoral usual. Só assim esse partido consegue mobilizar certa militância (para além da paga). Ontem o espantalho era Alckmin, hoje é Bolsonaro. Que outro monstro Lula criará amanhã? Sobretudo, quem é pior, o espantalho ou o criador de espantalhos?
Bolsonaro é produto legítimo dos anos do PT. Muita gente hoje se esquece, incrivelmente, dos males burgueses dos governos petistas. Talvez devido à sensação de terra arrasada, produzida pela pandemia. Ou devido à crise econômica mundial que se instala, com inflação e desemprego em todos os continentes, que força as pessoas a pensar apenas no agora. Há ainda quem tenha despertado para a política recentemente, nos últimos cinco ou sete anos – parte significativa dos jovens que hoje apoiam Lula –, e por isso não viveu conscientemente os anos do PT. Para estes, é como se todos os males começassem hoje. Como explicariam a massa popular que, nas maiores manifestações da história recente do país (junho de 2013), expulsaram o PT das ruas e queimaram suas bandeiras?
É chato ter de recordar coisas básicas dos governos petistas – índices recordes de desmatamento de florestas durante certos anos, salto assombroso no encarceramento da juventude, chacinas e medidas de repressão nas favelas (UPPs etc.), perseguições a greves e manifestações (com medidas de exceção advindas da ditadura militar), uso em novo patamar dos militares (os mesmos da cúpula de Bolsonaro), como no caso do Haiti e nas favelas cariocas, criação da Força de Segurança Nacional, aumento no grau de exploração dos trabalhadores (produtividade do trabalho), perseguição a camponeses, desocupação violenta de terrenos e prédios. Tudo isso avançou seriamente sob Lula e Dilma (oscilando ora acima, ora abaixo, conforme os momentos dos ciclos da economia mundial). Além disso, há ainda quem não tenha entendido que a “bonança” sob o PT teve mais a ver com fatores econômicos externos do que internos.
Tirando o discurso, Bolsonaro não produziu nada de significativamente diferente do PT. No âmbito econômico, é similar. Alguém realmente acha que Henrique Meirelles, ex-presidente mundial do Banco de Boston, ou o chicago boy Joaquim Levy, sejam muito diferentes de Paulo Guedes? No âmbito político, idem. Assim como Lula teve de se livrar dos seus “esquerdistas” pouco após eleito pela primeira vez – para entregar-se a Valdemar Costa Netto, Roberto Jefferson, PMDB, PL, Kassab e outros –, o mesmo fez Bolsonaro, lançando pela janela seus “direitistas”. O discurso de ambos só pende à esquerda ou à direita às vésperas das eleições, para arregimentar incautos. No mais, foram bem enquadrados pelo status quo político-burguês, pelo fisiologismo, pelo modus operandi do pesado Estado brasileiro. Eles agiram plenamente de acordo com as necessidades de reprodução econômica da classe capitalista brasileira.
Formou-se nos últimos anos algo que chamamos de “bolsolulismo”. O primeiro acordo seriamente estabelecido por Bolsonaro foi com o ministro Dias Toffoli, do STF, já ao final do primeiro trimestre de 2019. Toffoli, petista histórico, assim como Augusto Aras e André Mendonça, também até ontem petistas, salvaram Bolsonaro uma série de vezes, desde os primeiros e graves casos de corrupção da familícia. Além disso, Lula, PT e CUT atuaram contra o impeachment do presidente no momento de sua maior fragilidade (auge da pandemia), pois necessitavam dele como antagonista eleitoral. Bolsonaro não pode ser culpabilizado sem também serem os que se moveram dia e noite para mantê-lo no poder.
É certo que Bolsonaro agiu de forma nefasta na pandemia e tem de pagar caro por isso. Mas teria sido muito diferente se um petista estivesse na presidência? Na Argentina, o supostamente “esquerdista” Alberto Fernández demorou tanto quanto Bolsonaro para fechar negociação com a Pfizer. Já López Obrador, “esquerdista” presidente do México, competiu com Bolsonaro para ver quem era mais estupidamente contra vacinas.
O que fizeram, durante a pandemia, os quatro governadores petistas? Aliás, aos governadores estaduais cabia (segundo decisão do STF) o grosso das ações contra a propagação do vírus. Os quatro governadores petistas não fizeram nada além do que fez, por exemplo, o “paladino da ciência” João Dória (PSDB-SP). Ou até menos do que ele. Os lockdowns desses governadores sempre mantiveram funcionando certos “setores-chave” da economia. Não eram “setores-chave” para combater o vírus, mas para acumular capital. Apesar do comércio e de serviços secundários, os setores econômicos mais relevantes, produtores de valor (capital), não foram paralisados pelos petistas à frente dos seus estados. A massa dos trabalhadores – não ignorante nem negacionista, diga-se de passagem – seguiu sendo lançada diariamente para sacrifício no altar de deus-capital.
Na Bahia, o governador Rui Costa (PT) exigiu que professores retornassem às aulas presenciais, mesmo que não vacinados e sem condições ideais nas escolas. Em protesto, o sindicato dos professores paralisou as atividades. O que fez o governador petista? Cortou os salários do professores em plena pandemia!
Alguém realmente acredita que, sob um governo petista, não haveria possibilidade de corrupção na compra de vacinas contra a Covid? Em suas gestões federais, por duas vezes o PT entregou o Ministério da Saúde ao PMDB. Quem colocaria a mão no fogo pela trupe de José Sarney, Michel Temer, Geddel V. Lima, Renan Calheiros, Edison Lobão, Romero Jucá e Eunício Oliveira?
Assim, se Bolsonaro é genocida frente ao vírus, certamente não é o único.
Mas passemos a outros argumentos.
“E o risco do fascismo?” Para além dos banheiros de faculdades – pixados por dentro com frases fascistas, provavelmente por petistas, para criar histeria entre a pequena burguesia antes das eleições –, pouco ou nada se vê de atuação real das “milícias bolsonaristas”. A juventude boêmia segue nas ruas e praças das grandes cidades, enchendo bares e fazendo carnaval. Já nos lugares realmente determinantes para a luta de classes, as portas das grandes e importantes fábricas brasileiras, há apenas milícias sindicais, a maioria delas (as mais violentas) controladas diretamente pela CUT. Ouse divulgar sistematicamente um jornal ou boletim independente, que dê voz aos operários, nas mais importantes fábricas de São Bernardo do Campo! Logo aparecerão bate-paus, que não temem partir (às vezes armados) para as vias de fato. O trabalhador que ousa erguer a cabeça e exigir melhores condições de vida tem seu nome logo repassado – pela maioria dos sindicalistas – ao RH das empresas. Onde realmente importa para a produção de valor, reina a ditadura capitalista, auxiliada pelas máfias sindicais petistas.
“E o risco de golpe?” Alguém realmente acha que Bolsonaro consegue sustentar um golpe? Talvez nem mesmo consiga uma patuscada à la Trump (Capitólio). A verdade é que se Bolsonaro, achando-se derrotado na eleição, tentar um golpe, terá no dia seguinte mais da metade da população contra si (que teria votado em seu adversário). Além disso, certamente, perderia muitos dos seus próprios apoiadores. Ele teria contra si setores militares (vinculados a governos estaduais e municipais, bem como frações das armas federais). Até mesmo a CIA (agência de inteligência dos EUA), como se sabe, mandou Bolsonaro parar de tumultuar a eleição. Os representantes do mercado financeiro falam abertamente que uma aventura golpista levaria à “fuga de capitais”. Como o presidente, sua pequena entourage militar e seus apoiadores populares ativos – que são minoritários – conseguiriam sustentar um golpe, prolongadamente, contra tudo e todos?
Aliás, já não teria ocorrido um “golpe” em 2016?
Na realidade, como é fácil notar, Bolsonaro apenas faz discurso radical para pautar a mídia e os demais candidatos. Ele quer dirigir a agenda eleitoral porque não tem o que apresentar. A maioria da população só pensa no que comer no dia seguinte. A miséria bate à porta. O presidente precisa “divertir”, mudar de assunto, criar factoides, do contrário seguirá paralisado ou desidratando. Entretanto, ele segue à risca o rito eleitoral; finge desprezar as pesquisas eleitorais, mas curiosamente move-se justamente em busca do eleitorado que nelas aparece paralisado ou enfraquecido. Ele quer valorizar seu passe. Se perder, tem de ser numa forma que se mantenha relevante na política por um período, a ponto de se precaver contra processos e prisões.
Apesar do dito acima – relativamente evidente para quem acompanha a política no dia a dia –, forma-se um curioso consenso nacional, com um insólito espectro político. Ele se dá em torno da palavra de ordem de “temos de impedir os arroubos golpistas de Bolsonaro”. Estende-se do PSTU, PCB e PSOL até parte significativa do chamado “mercado financeiro” (passando, é claro, por analistas da Globo/CBN e articulistas do Estadão). Todos já piscam para Lula, sobretudo num eventual segundo turno.
Da parte que nos cabe, é preciso lastimar e criticar o rumo da chamada “esquerda socialista”. Outra vez, o PT impõe sua chantagem sobre ela e quebra toda e qualquer posição independente. Primeiro foi o PSOL, que naufragou, definitivamente sequestrado pelo lulismo. Agora é o PSTU e o PCB, que comentam mais e mais a respeito do “risco golpista”. O PSTU até mesmo denuncia o PT por não querer lutar de verdade contra os riscos de um golpe (como se a cúpula do PT acreditasse nisso!). Forma-se o último vagão do petismo. Pelo jeito, para esses partidos o melhor que pode ocorrer é Lula vencer no primeiro turno, pois assim se livrarão da necessidade de fazer outro texto de “apoio crítico”.
A falta de independência da “esquerda socialista” frente ao PT não é fortuita. Ela é resultado da frágil diferenciação programática e da existência de burocracias (sindicais e partidárias) que dependem desse partido. Por tudo isso, o voto em Lula é outra vez o pior que pode ocorrer – é a manifestação clara de que a nossa “esquerda socialista” é incapaz de romper com o PT nos momentos decisivos.
Hoje, quanto todos saem para salvar a democracia burguesa do risco da própria democracia burguesa, é preciso dizer de forma clara: a ilusão na democracia burguesa é mais deletéria, para a vanguarda da classe trabalhadora, do que o teatro golpista de Bolsonaro.
Nós não cairemos nessa chantagem burguesa do PT.
Entre Lula e Bolsonaro, vote nulo!