Transição Socialista

Existe risco real de golpe de Bolsonaro?

Já entramos, neste momento, no mais novo capítulo do eterno retorno ao processo de chantagem política que nos assola nas últimas décadas: o PT pedindo voto contra um suposto “mal maior” e assumindo, mais uma vez, sua única identidade restante para fins de propaganda, a de “mal menor”.

Já há muito tempo o PT não se vende como esperança, mas como suposta opção menos irrazoável diante de alternativas que seriam “catastróficas”. Esse desagradável déjà vu não seria tão problemático se não dependesse do completo esquecimento do papel histórico desse partido. Se não dependesse de apagar a história das lutas dos trabalhadores brasileiros para funcionar.

Ora, quem senão o próprio PT pariu o bolsonarismo? Quem, senão o próprio PT, riu de suas bases que acreditaram na lenda de que Dilma sofreu um golpe e se aliou com os supostos “golpistas”? Quem, senão o PT, forneceu quadros e apoio material e político para que o executivo federal funcionasse nos últimos anos e ajudou, em muito, a evitar a queda de Bolsonaro nos momentos mais críticos de seu governo?

Ora, Lula e seu grupo intervieram mais de uma vez e auxiliaram de forma crucial nas negociações institucionais com diferentes esferas dos três poderes, da PGR ao STF, para costurar um “grande acordo nacional”, que inclusive “salvou o Lula, salvou todo mundo” da cadeia, até os filhos de Bolsonaro.

Lula atuou para sustentar o frágil governo Bolsonaro em seus momentos mais críticos pois queria livrar-se, ele também, da cadeia, e enfrentar o atual presidente nas eleições. O fez pois sabia que sua única chance de voltar ao poder era essa: chantagear o povo brasileiro. Lula quer apenas voltar a controlar os dantescos e monstruosos recursos do Tesouro Federal, sem os quais o PT tanto sofre para sustentar toda a burocracia que gestou ao longo de sua história.

Deliram aqueles que creem que está no bolsonarismo o risco maior às liberdades democráticas no país hoje. Bolsonaro tem pés de barro e todo seu discurso não passa de palavras lançadas ao vento. Qualquer tentativa de golpe bolsonarista em caso de derrota no segundo turno seria rapidamente rechaçada pela maioria da população. É só lembrar que uma minoria aprova o governo atual e que sua base está menos engajada a cada dia que passa. Nunca esteve tão combalida.

Mesmo o Exército, que tinha mais respaldo da população há quatro anos, se desmoralizou profundamente ao embarcar na aventura bolsonarista. Teve seu nome queimado com a condução desastrosa do Ministério da Saúde por Pazuello no auge da pandemia e com a revelação de uma série de gastos questionáveis, como os milhares de reais direcionados para compra de picanha, leite condensado e remédios para disfunção erétil.

Foi o governo Bolsonaro que conseguiu, pela primeira vez na história, que todos os três comandantes das forças armadas se demitissem conjuntamente, ainda em 2021, diante das pressões para que o Exército apoiasse o governo publicamente na resposta à pandemia. Do episódio, restou a desmoralização do poder executivo e o sinal de que na ativa das forças armadas o bolsonarismo é um tigre de papel. Essa crise só é comparável, em precedente, à demissão do então ministro do Exército por Geisel em 1977, momento em que começava a derrocada da ditadura militar.

Hoje, é sobretudo entre oficiais da reserva, distantes do controle real das forças armadas (nas mãos da ativa) que Bolsonaro ainda acha algum respaldo. Mesmo entre as polícias militares estaduais, onde ainda é ouvido por parte da soldadesca, o apoio ao atual presidente é, cada vez mais, localizado. Tropas maiores, como a PM de SP, têm ainda um nível alto de controle pelos oficiais. Aliás, não à toa, o bolsonarismo tem mais respaldo nas PMs em estados governados pelo PT e seus aliados mais comuns (como a Bahia).

Mas essas forças localizadas não são suficientes para um “golpe” de Estado. Mesmo os soldados das PMs que ainda se identificam com Bolsonaro não são energúmenos nem imbecis para se envolverem numa aventura em que seriam rapidamente dominados e vencidos – e na melhor das hipóteses presos, na pior mortos. São em geral homens e mulheres acostumados ao combate militar, à disputa armada entre grupos, não aventureiros perdidos que arriscariam o próprio pescoço por um presidente cada vez mais atolado na lama da corrupção.

Houve, é verdade, aumento recente na venda de armas no Brasil, puxado pelas compras de setores reconhecidamente bolsonaristas. Estas armas, no entanto, ainda representam uma quantia numericamente insignificante para se falar em tomada do poder. Foram compradas, sobretudo, por setores sociais isolados e dispersos, por camadas médias e pequenos proprietários, muitas vezes arruinados e desesperados. Estes são atores sociais que, historicamente, têm pouca capacidade de articulação para movimentações complexas como um golpe de estado.

Agressões e ataques localizados, no entanto, como as que já vêm ocorrendo da parte deste setor minoritário e barulhento, devem se intensificar até as eleições. As tensões devem se acirrar, porque o país vive há um bom tempo um nível elevado de atrito entre os setores dominantes da política nacional, apenas aparentemente opositores, bolsonarismo e lulismo.

Essa intensificação decorrerá do choque das estratégias eleitorais dos dois candidatos principais do pleito. Mas também, e principalmente, da preocupação de Bolsonaro em salvar a si e aos filhos da cadeia, bem como de se garantir como uma força relevante de oposição após sua muito provável derrota eleitoral. Esses episódios são lamentáveis, demonstrações deploráveis do caráter do setor mais fiel ao bolsonarismo, esse movimento decadente e desesperado. Mas não são, em si, sinal de risco real de ruptura institucional. Muito longe disso.

Na prática, Bolsonaro conta hoje com apoio mais sólido de um setor reduzido da população, cada vez menos engajado. Reduz-se cada vez mais a influenciadores semiclandestinos, cada vez menos influentes. Para além disso, tem laços estreitos com paramilitares armados, é verdade, mas de poder localizado em determinadas regiões, sobretudo das periferias do Rio de Janeiro. Isso, em si só, também é um instrumento muito frágil de controle da classe trabalhadora, pois tem eficácia local, limitada demais para tentar tomar Brasília de assalto.

No lançamento da candidatura à reeleição do atual presidente, ficou clara a preocupação em falar às mulheres e em demonstrar abertura à diversidade, movimentos claramente orientados pelos estrategistas de campanha, com preocupação de buscar votos em setores sociais em que Bolsonaro é hoje mais fraco. Isso também reforça os sinais de que qualquer ideia de ruptura é mais discurso que bala na agulha.

Ainda, o secretário de defesa dos EUA, Lloyd Austin, esteve no Brasil no fim de julho para enfatizar a importância de os militares estarem sob controle civil e respeitarem a democracia. As instituições não têm Bolsonaro sob controle apenas em nível local. Além disso, o grande capital brasileiro, como comprovam as declarações da FIESP e FEBRABAN, já declararam sua contrariedade a qualquer mudança de regime.

Assim, aceitar a tese de um “risco golpista” de Bolsonaro serve somente para apoiar, mesmo que de forma disfarçada, Lula num eventual segundo turno. Não contribui para organizar a classe trabalhadora, muito menos ajuda a construir uma via dos revolucionários independente do petismo e do peleguismo sindical.

Silenciar oposições e ameaçá-las, inclusive fisicamente, são capacidades que o PT desenvolveu em escala mais generalizada pelo país e de forma mais profissional e durável do que o bolsonarismo jamais sonhou. Para comprová-lo, basta olharmos a história do grupo de Lula desde o sindicalismo até a conquista da hegemonia dentro do PT e, a partir dele, da extensão desse controle para o conjunto da “esquerda”. Não faltam episódios de controle violento, manobras burocráticas e traições aos ditos companheiros.

A truculência da burocracia sindical lulista tende a ser no futuro próximo uma ameaça maior à livre ação política da classe trabalhadora brasileira de conjunto do que qualquer brancaleonada bolsonarista. Ela recaiu muitas vezes inclusive sobre os próprios companheiros de partido de Lula, que também nunca se cansou de entregar os seus para salvar a própria pele.

Àqueles que duvidam, recomendamos o estudo da história da luta dos trabalhadores brasileiros e do PT, que nela sempre cumpriu um papel de contenção e traição. Suas grandes marcas foram sempre a repressão, a perseguição a lideranças combativas e as negociações a portas fechadas com a patronal, vendendo o couro da classe trabalhadora, sempre por muito pouco e pelas costas.

O PT não é nem nunca foi um mal menor. O PT é fonte de alguns dos principais males que assolam o povo trabalhador brasileiro, inclusive em boa medida do bolsonarismo. O longo combate do petismo à própria esquerda e aos revolucionários está na origem deste período histórico de derrotas e mais derrotas para os trabalhadores que já se arrasta há praticamente meio século.

Não caia na chantagem lulista: no primeiro turno, vote em Vera Lúcia, do Polo Socialista. No segundo, é NULO.