Na ausência de oposição, governo avança na reforma
O texto-base da reforma da previdência, redigido pelo deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), foi aprovado nessa última quinta-feira (04/07) na comissão especial da Câmara e seguirá ao plenário, com grandes chances de ser aprovado. O texto mantém essencialmente os elementos anteriormente sugeridos pelos governos Dilma-Levy e Temer-Meirelles: a mudança na idade mínima para aposentadoria (62 para mulheres, 65 para homens) e no tempo de contribuição para receber o valor integral (40 anos de contribuição). Além disso, torna mais difícil o recebimento integral dos aposentados por invalidez e da população mais pobre, que recebe até um salário mínimo. Embora aprovado pela comissão, a proposta ainda deve contar com modificações no Congresso (ou por meio de leis complementares, como deve ser o caso dos bombeiros e policiais militares). Rodrigo Maia já declarou que pretende levar a proposta para plenário na próxima terça-feira (09/07).
Depois de inúmeras negociatas (leia-se troca de favores e repasse de dinheiro), a reforma tende a ser aprovada sem grande resistência. E qual é a razão disso? Por que os políticos brasileiros, antes amedrontados por aprovar uma proposta impopular e comprometer sua reeleição futura, estão agora cantando vitória aos quatro ventos? A população foi de fato convencida pela propaganda do governo? Estamos diante de um governo forte, autoritário, que calou à força qualquer oposição? Na verdade, nenhuma das alternativas anteriores é verdadeira. A maioria da população sabe que essa reforma ataca a sua aposentadoria e está revoltada. Os representantes políticos da burguesia sabem bem disso, como comprova o imbroglio na negociação da inclusão ou não dos estados e municípios na reforma, bem como o temor de Bolsonaro frente às categorias militares. Os primeiros meses de Bolsonaro apenas atestaram sua incompetência em manter um governo estável e sua fraqueza em conter as pressões sociais. Até agora, foi um governo que mais recuou do que aplicou medidas e sua rejeição cresce a cada dia. A razão pela qual a reforma da previdência será aprovada sem resistência é a falta de qualquer oposição séria e organizada a ela.
Ora, mas e o bloco parlamentar de “oposição”, composto por PT, PSB, PDT, PCdoB etc.? Mais uma farsa do teatro nacional. De oposição, eles só têm a roupagem e já mostraram que saem do mesmo bueiro de ratos dos partidos “da velha ordem”. Seus governadores correram para a mesa de negociação com Maia e Alcolumbre para aproveitar a situação e tirar para si uma fatia do bolo. Não só não se opuseram aos pontos mais críticos da reforma, como negociaram que nesta fosse reincorporados os estados e municípios. Ou seja, querem passar a conta da crise também aos servidores públicos estaduais e municipais. Além disso, também querem uma parte maior do dinheiro das privatizações do Pré-sal para os estados. Por trás dos discursos histéricos contra Bolsonaro para iludir seus eleitores, revelam que são favoráveis ao roubo das aposentadorias da população. Nada mais lógico, afinal o PT sempre foi a favor da reforma, já que o projeto original tanto da reforma trabalhista quanto da previdenciária foi cunhado pelo próprio governo Dilma junto ao colega de Paulo Guedes, Joaquim Levy.
O mesmo teatro parlamentar se replica nas cúpulas dos principais sindicatos do país. Onde estavam eles no dia em que a comissão especial da câmara aprovou o texto-base da reforma, quando nem ao menos um ato foi convocado? Acontece que a cúpula das principais centrais sindicais, após a traição no dia de paralisação nacional convocado contra a reforma (como comentamos aqui), dia 14/06, já sentaram na mesma mesa de Maia para participar do banquete. As negociações (as que foram de fato divulgadas) corriam em torno de mudanças nas regras de pensão e no cálculo da aposentadoria. Ou seja, apesar da imensa revolta da população trabalhadora contra a reforma da previdência, os burocratas preferem deixá-la passar para fazer sangrar o governo (e, assim, preparar a reeleição de Lula ou Haddad em 2022). Eles querem a reforma, mas não querem aparecer como responsáveis por ela, justamente para voltarem ao governo e usufruírem de suas consequências capitalistas.
O banquete, neste caso, será a carne e o sangue da população trabalhadora. Para criar a falsa ilusão de que estão ao lado dos interesses dos trabalhadores, o teatro é instalado: dias de luta são marcados, cartas e manifestos combativos contra o governo são distribuídos, assembléias atrasando a entrada no trabalho são convocadas e algumas fábricas são paralisadas por um dia. Mas o teatro encobre a traição criminosa: os acordos nefastos com os patrões nos dias de paralisação (tornando oficial o desconto nos salários nas fábricas paralisadas), a propaganda consciente contra a mobilização ativa dos trabalhadores (orientando-os a ficar em casa e a não participar dos protestos), os “dias de luta” que só servem para tirar boas fotos e fazer propaganda para Lula nos jornais dos sindicatos e os acordos de cúpula com o congresso. O próprio “dia de luta” que está sendo divulgado pelas centrais para ocorrer dia 12/07 não é seriamente convocado pela CUT – que, para desarmar e confundir os trabalhadores, divulga um ato no dia 10/07!
A responsabilidade da aprovação da reforma da previdência é em grande medida das maiores centrais sindicais (controladas pelo PT e cia.), que traíram e seguirão traindo os trabalhadores, caminhando em comum acordo com os interesses particulares burguesia.
Os personagens da trama revelam seu caráter de classe de forma nítida, sobrando apenas os cegos para serem enganados pelos seus discursos “radicais”. Mas a classe trabalhadora não é cega, não é surda, e não sofre de amnésia. Ela já não confia nos seus governantes e já não se sente representada pela esmagadora maioria dos dirigentes sindicais. A única razão pela qual não existe hoje um movimento independente dos trabalhadores é a ausência de uma direção revolucionária nas principais forças produtivas do país, capaz de dar vazão à revolta crescente da população.
Só assim, devido à ausência de oposição, se explica como um governo tão frágil como o de Bolsonaro – talvez o mais frágil das últimas décadas –, aprovará com a mão nas costas a reforma da previdência. Para piorar, a aprovação da reforma era a grande prova de Bolsonaro. Se não a aprovasse, muito provavelmente o futuro do governo estaria selado. Em pouco tempo, a burguesia prepararia sua substituição por Mourão, dada a quantidade de trapalhadas da família Bolsonaro, com sua instabilidade inerente, ruim aos negócios burgueses. Mas, agora, aprovando a reforma, Bolsonaro ganha fôlego para se fortalecer. Isso ele deve também à ajuda da suposta “esquerda”, que de oposição real não tem nada.