Bolsonaro deve ser afastado porque está mais atrapalhando do que ajudando na atual crise sanitária. Se fosse possível tratá-lo apenas como uma criança mimada – deixando-o de lado, brincando sozinho – enquanto especialistas da área de saúde conduzem a resolução do problema, isso seria um mínimo alívio. Mas o mal é que Bolsonaro pode afastar, a qualquer momento, os próprios especialistas à frente de qualquer comitê de crise sanitária. O país caminha às cegas enquanto esse sujeito estiver à frente da nação. Portanto, o primeiro passo para qualquer ação sanitária minimamente racional, hoje, é o afastamento do presidente.
Mas a esquerda que estiver realmente preocupada em salvar as vidas da maioria da população tem de fazer um esforço para ver mais longe. A crise real, que terá maior impacto, levando a mais mortes e a mais miséria, não é o coronavírus, mas a situação econômica mundial. Qualquer programa de esquerda que olhe apenas para o vírus, propondo apenas soluções imediatas, sem entender o que está por trás, não resolve nem resolverá nada realmente. O desafio não é fazer no Brasil o que o Macron fez na França (suspender cobrança de água, luz, gás etc.) nem copiar o que Trump fez nos EUA (dar dinheiro para as famílias que serão as “mais afetadas”). A classe trabalhadora, frente à gigantesca crise do capital que se abre, não tem que ser considerada enquanto consumidora, mas como produtiva. Parte da esquerda, ao inverter a realidade, ao assumir meramente programas keynesianos, apenas mostra com isso seus limites idealistas. Se a esquerda revolucionária se limitar a melhorar o programa dos líderes burgueses (tentando radicalizá-los), ela estará falida, pois perderá sua razão de ser.
Isso não significa que devemos ser contrários a qualquer medida econômica de contenção da crise. Os revolucionários devem apoiá-las criticamente. Entretanto, deve-se dizer claramente: de que adianta você ter mil dólares na mão hoje (ou 200 reais, no caso do Brasil de Guedes) se daqui a 4 meses você não terá emprego? De que adianta você não pagar água ou luz hoje, se amanhã você não terá salário para pagar aluguel e terá de morar na rua? O buraco é mais embaixo, e, por isso, é necessário defender os empregos e salários de uma forma que resolva a crise, que efetivamente salve vidas no médio e longo prazos, ou seja, que aponte para a superação do sistema capitalista. Isso é possível e mais factível (menos utópico) do que a posição dos reformistas que acham que vão salvar vidas com suas pequenas propostas keynesianas. Trata-se de não tentar esvaziar o oceano com baldes. O tsunami a vir tem de ser encarado de frente. A esquerda revolucionária só pode apoiar criticamente medidas econômicas de pequena contenção com a condição de apresentar também, ao mesmo tempo, uma programa transitório de saída real para o problema. Se não o fizer, ela será cúmplice do problema juntamente com os representantes da burguesia; corresponsável pelo aumento da miséria da maioria da população no médio prazo.
É necessário não chafurdar nas medidas dos reformistas. E é necessário ter inteligência política para, ao bater junto com os reformistas, criar o espaço necessário para um programa transitório. A primeira medida é a queda de Bolsonaro. Só a derrubada de Bolsonaro já deixará a burguesia tão desorientada na situação atual, que concederá aos pequeno-burgueses diversas medidas de contenção imediata. E mais: abrirá espaço para medidas que podem efetivamente apontar para a dimensão da crise atual, ou seja, que podem ajudar na implementação de um programa transitório para a superação do capitalismo. A saída de Bolsonaro, e a subsequente instabilidade burguesa, abre espaço para uma ação mais decisiva da classe trabalhadora.
Os revolucionários devem estar à frente da defesa das condições de vida da classe, auxiliando-a em sua auto-organização. A piora nas condições de vida não serão criadas por mágica só porque o governo decretou – copiando o PT na crise anterior – que as empresas podem reduzir horas e reduzir salários. As medidas do governo têm de ser validadas num acordo coletivo, entre patrões e trabalhadores. A classe trabalhadora ainda não está derrotada porque Bolsonaro deu uma canetada, mas estará se seus sindicatos traírem os trabalhadores e aceitarem tais medidas. Assim, o problema, que é em geral visto de ponta cabeça, tem de ser colocado de pé: a questão real para o trabalhador não é a lei do Bolsonaro, mas defender intransigentemente seu emprego e salário no local de trabalho; contar apenas com os seus companheiros e com suas ferramentas organizativas de luta. A esquerda que acha que o mundo acabou porque Bolsonaro decretou algo é idealista (acha que as leis fazem a realidade), e, com tal visão de mundo, já está implicitamente aceitando a derrota, pois não vê nenhuma iniciativa real na classe trabalhadora. Assim, como dissemos, o que se coloca no presente aos revolucionários, frente à crise, é erguer uma luta em defesa do emprego e dos salários dos trabalhadores, contra qualquer demissão ou redução de salário.
No que diz respeito ao emprego informal, é importante colocar que apresentar apenas pequenas reformas para dar rendas mínimas a trabalhadores sem tocar no problema dos empregos na indústria pesada (que Marx chamava de Departamento I), a parte estruturante da economia capitalista, não conduzirá a nenhuma melhora efetiva a médio prazo. O que gira a economia é a grande indústria, e o que deve ser proposto é que os desempregados ou informais sejam absorvidos na indústria pesada, a começar pela indústria de construção civil, envolvida em grandes obras públicas. Assim, é necessário exigir um PLANO DE OBRAS PÚBLICAS para curto, médio e longo prazos.
As Frentes Públicas de Trabalho consistem na criação de grandes obras públicas (sobretudo hospitais, neste momento, mas também rodovias para os acessar, bem como, imediatamente, produção de leitos, máquinas de ventilação etc.). Só assim se pode absorver parte dos desempregos e formalizar parte do exército de reserva. Além disso, as Frentes Públicas de Trabalho auxiliam na implementação de um programa transitório, na medida em que, diminuindo a pressão do exército industrial de reserva (as diversas camadas do desemprego), criam as condições para os trabalhadores empregados lutarem de forma mais radical pela manutenção de seus empregos e salários.
Para não chafurdar na lama do reformismo pequeno-burguês, os revolucionários devem ter como programa de ação neste momento:
1. Fora Bolsonaro!
O presidente está mais atrapalhando do que ajudando na atual crise sanitária. Sua queda, desorientando a burguesia, acelerará a implementação de medidas imediatas de contenção da crise do vírus, bem como abrirá espaço para a implementação das reivindicações fundamentais da população trabalhadora:
2. Nenhuma demissão! Escala móvel de horas de trabalho!
Se a burguesia quer diminuir as horas de trabalho diminuindo os salários, diremos não! Queremos a diminuição da jornada sem redução do salário. Não aceitaremos nenhuma demissão! É a hora de aproveitar a deixa do governo para apresentar o programa correto na questão das horas de trabalho e dos salários. A esquerda que fizer acordos de redução salarial, de bancos de horas, de PPEs estará quebrando as forças da classe trabalhadora e entregando-as ao capital;
3. Nenhum arrocho salarial! Escala móvel de salários!
A classe trabalhadora tem de ser preparada para a crise econômica que já bate às portas, gerando mega-inflação no médio prazo. Propor “congelamento de preços” é uma ação estúpida e criminosa frente à realidade, que tira todas as forças da classe trabalhadora e joga nas mãos do Estado burguês (como se este supostamente pudesse controlar preços). Isso só prepara a diminuição velada do nível de vida. A classe trabalhadora não é capaz de controlar os preços das centenas de milhares de mercadorias do mundo. Isso é completamente irracional. Nem um Estado é capaz de fazer isso. Mas a classe trabalhadora é capaz de controlar o “preço” da única mercadoria que tem, a força de trabalho (seu salário);
4. Frentes Públicas de Trabalho já!
Iniciar imediatamente a criação de novos hospitais, rodovias, leitos, máquinas de saúde para resolver o problema imediato. Estabelecimento de um plano de obras de médio e longo prazos para diminuir o impacto da crise que se avizinha. Essa é a única forma de resolver o problema dos trabalhadores informais.