O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) divulgou no início de mês abril o panorama das greves no Brasil em 2018. No ano que passou foram registradas 1453 greves, sendo 791 da esfera pública e 655 da esfera privada. O número acompanha o ciclo de greves que emergiu mais claramente a partir de 2013, quando foram registradas 2057 greves (superando em quatro vezes a média da década anterior). O pico atingido em 2013 só é comparável ao número de greves de 1989, quando foram registradas 1962 greves do setor público e privado. Ou seja: vivemos um dos maiores períodos de mobilização da classe trabalhadora brasileira nas últimas três décadas.
Veja no gráfico abaixo o panorama das mobilizações:
A crescente mobilização da classe trabalhadora brasileira desde 2013 é expressão direta da crise econômica brasileira, por sua vez um reflexo tardio da crise global de 2008. A crise demorou a estourar devido às políticas anticíclicas do PT, mas, justamente por isso, quando estourou revelou-se duas vezes maior. O que era “marolinha” virou tsunami e jogou o país numa situação de paralisia industrial que já dura seis anos. Já tratamos disso aqui.
Tal crescente mobilização tem como sintoma o caráter majoritariamente defensivo das suas reivindicações. A luta pela “manutenção de condições vigentes” e contra o “descumprimento de direitos” – como é classificado pelo DIEESE – caracteriza o atual ciclo de greves de 2013 para cá. Em 2018, 82% das greves foram motivadas por pautas defensivas, pela preservação das condições de vida dos trabalhadores. Enquanto as principais reivindicações do setor público foram de reajuste salarial (56%) e condições de trabalho, segurança e higiene (27%), no setor privado a percentagem maior foi de atraso salarial, férias ou 13o (58%) e alimentação, transporte e assistência médica (29%). Isso mostra, mesmo que de forma relativa, que o setor privado expressa maior crise no cumprimento de direitos “assegurados”, ou seja, um violento ataque às condições mínimas de trabalho. A percentagem de judicialização das negociações, entretanto, teve taxa baixa em ambos os setores – 34% no setor público e 23% no privado.
Embora com uma média relativamente similar no número total de greves do setor público e privado, quando analisado o registro da quantidade de horas paradas, o funcionalismo dispara com 71% contra 29% da esfera privada – fato que não é de se espantar perante a instabilidade de emprego relativamente maior desta última. Tanto no público quanto no privado houve maioria (56%) de “greves de um dia”, indicando um número crescente de paralisações (e não propriamente greves) em relação aos anos anteriores.
O pico de 2013 indica um novo período da luta de classes brasileira, liderada pelo setor privado (que, por sua vez, foi liderado pela indústria) e segue crescente até 2016, quando atinge o número máximo desse ciclo. Em 2017, entretanto, têm-se uma curva descendente significativa – uma queda de um quarto no número total de greves. A queda de 2017 se acentua em 2018, indicando uma curva de desaceleração. Isso indica um refluxo na luta da classe trabalhadora no Brasil, refluxo que aparece, por enquanto, como relativo – pois sobre um patamar geral alto –, mas ainda precisa ser verificado no médio prazo para se comprovar como tendência geral. O motivo principal dessa possível desaceleração é, sem dúvida, o aumento brutal da taxa de desemprego, da pressão violenta do exército de reserva sobre a classe trabalhadora, fazendo-a temer se mobilizar e aceitar, assim, infelizmente, a piora na sua condição de vida. Tal situação, expressão perfeita da chamada “lei geral da acumulação capitalista”, cria não só as condições materiais, mas agora também as condições políticas, internamente ao país, para uma retomada em nível superior da acumulação capitalista. Assim, no médio prazo, o único contratempo para a “retomada da economia brasileira” (leia-se aumento da exploração dos trabalhadores) consistiria em elementos externos/internacionais – os quais, aliás, apresentam as piores perspectivas possíveis.
A linha ascendente da taxa de desemprego no Brasil acompanha nitidamente a queda do número de greves registrada em 2017. De 6,8% em janeiro de 2015, o nível de desemprego sobe gradativamente para 12,6% em janeiro de 2017 e segue com pequenas oscilações até o índice atual de 12% em janeiro de 2019. Só na indústria, mais de 2 milhões de postos de trabalho foram fechados desde 2013 (mesmo com o irrisório aumento do índice de contratação em 2018). As curvas análogas do desemprego e do número de greves são mais nítidas ainda quando se observa apenas a situação da indústria privada: o número que disparou em 2013 foi diminuindo gradativamente ao longo dos últimos anos – enquanto o funcionalismo foi gradativamente aumentando até 2016 e depois apresentou leve queda junto à curva do número total.
O violento temor da perda da fonte de renda, levando famílias inteiras a situações de pauperização e miséria, somado à ausência de um partido de esquerda que dirija a classe trabalhadora com uma perspectiva revolucionária, leva inevitavelmente à desaceleração da mobilização, mesmo diante de ataques crescentes, como a implementação da reforma trabalhista. Mas é importante notar que, mesmo possivelmente indicando uma curva descendente, os números registrados em 2017 e 2018 superam em três vezes a média de greves do ciclo anterior a 2013, quando ocorriam cerca de 500 paralisações ao ano. Ou seja, ainda há, apesar de todas as adversidades, força de luta na classe trabalhadora brasileira, que busca resistir contra o aumento da exploração crescente e contra a traição das suas direções. É importante notar ainda, de acordo com tais dados, como aponta o DIEESE, que de cada 10 greves do setor privado, 7 foram protagonizadas por terceirizados. Ou seja, por um lado expressa-se também a força de um proletariado que, apesar de submetido às mais rebaixadas condições de trabalho, escapa explosivamente das formas de controle da mafiosa burocracia sindical brasileira. Há certa demarcação, portanto, da possibilidade de estouros de luta “selvagens” (espontâneas e violentas) da classe trabalhadora brasileira. Tudo isso, todavia, ainda circunscrito ao grosso das categorias produtivas mais formalizadas, submetidas ao controle mafioso das atuais burocracias sindicais de todas as cores.
Enfim, o atual ciclo de greves revelado pelo DIEESE comprova: a crise da classe trabalhadora é a sua crise de direção revolucionária. Vivemos um período muito marcado por disposição de luta do proletariado, sobretudo de setores industriais, todavia, paradoxalmente, as maiores organizações políticas de esquerda não cresceram no seio do proletariado. Quando muito – quando cresceram –, tal crescimento se deu entre a pequena-burguesia, ocupando espaço até ontem hegemonizado pelo PT. Assim, os dados do DIEESE revelam, em últimas instância, a falência política e teórico-programática das maiores organizações que se propõem socialistas ou revolucionárias no Brasil, dado o seu não crescimento no proletariado — ou mesmo sua diminuição — durante um dos maiores períodos de ascenso da luta da classe trabalhadora nas últimas décadas.
Os revolucionários sérios e honestos espalhados pelo país têm de tirar disso as lições mais graves. Num conturbado período como o atual, nosso papel ainda é o de realizar a tarefa número zero: formar quadros, distante do que se costuma chamar hoje de “esquerda”, e inserir-se nas mais importantes categorias produtivas do país. Muito longe das propostas da suposta “esquerda”, centrada em pautas pequeno-burguesas reformistas, sindicalistas, identitárias, democratizantes – que na verdade demarcam uma posição de centro, e não de esquerda –, é hora de preparar as bases para uma nova organização política revolucionária do proletariado, comunista, armada de um verdadeiro programa transitório, que não tenha ilusões no Estado, que não capitule de forma pequeno burguesa ao câncer petista, à lógica estatista-nacionalista (sempre burguesa em última instância), ao cretinismo parlamentar e à máfia da burocracia sindical.