O texto abaixo é um panfleto do MNN, distribuído no encontro da Coordenação Nacional da central sindical Conlutas nesta sexta, sábado e domingo, 9, 10 e 11 de junho. Baixe o panfleto aqui.
O atual encontro da CSP-Conlutas é importante devido à conjuntura que se avizinha. A situação da economia mundial coloca tarefas históricas aos lutadores da classe trabalhadora, muito maiores do que políticas pontuais. É claro que devemos discutir nossa tática na atual crise política brasileira — defesa da paralisação geral contra as reformas, frente com outras centrais, etc. —, mas, acima de tudo, devemos discutir quais as políticas do movimento da classe trabalhadora para resistir à crise capitalista que se avizinha.
A economia capitalista caminha para um novo choque cíclico, em dimensão superior ao de 2007/2008. O mais provável é que os planos de recuperação da economia brasileira sejam minguados pela manifestação da crise mundial. Essa maior dimensão da crise significa que desemprego e inflação pesarão mil vezes mais sobre os ombros da classe trabalhadora. É preciso erguer uma política efetiva de luta contra esses males. A forma com que a maioria dos sindicatos combate demissões e inflação não é suficiente, pois fecha esses problemas em si mesmos e legitima, num processo de alguns anos, a queda do nível de vida da classe trabalhadora.
Já comprovamos em diversos materiais como a forma usual de reivindicação de reajuste salarial leva necessariamente ao arrocho no longo prazo (veja, por exemplo, gráfico do sindicato dos trabalhadores da USP ao final deste texto). Justamente por ser um processo lento, é pouco perceptível. Cinco ou dez anos depois, o poder de compra de uma determinada categoria baixa cerca de um terço. A forma usual com que se luta contra demissões também legitima, no longo prazo, a diminuição do número de trabalhadores numa determinada empresa, principalmente quando essa forma de luta se combina com a aceitação de bancos de horas (e variáveis, como PPE).
Devido à lentidão do processo de rebaixamento do seu nível de vida, a classe segue morna, pouco afeita às lutas, participando delas por necessidade, mas sem grande ânimo. A classe sabe que é pior sem essas lutas do que com elas, mas sabe também que elas não resolvem o problema do salário e do emprego. Essas formas só enfraquecem a disposição de luta da classe trabalhadora. A queda gradual no nível de vida, justamente por ser pouco perceptível, faz com que as burocracias sindicais não sejam totalmente atropeladas. Essa é política do reformismo e do burocratismo no movimento sindical, o rotineirismo de sempre.
O próximo período histórico, de estouro de uma séria crise e aumento da inflação e do desemprego, não deixará espaço para a política sindical rotineira, justamente porque tenderá a impactar profundamente na forma com que os movimentos políticos se mantêm nas últimas décadas. Se as formas atuais da política sindical já não combatem efetivamente inflação e demissão, que dizer da sua insuficiência amanhã, com o impacto da nova crise? Não temos tempo a perder: devemos desde já mudar a forma com que lutamos contra a inflação e contra as demissões, preparando-nos da melhor forma para a luta que se avizinha.
A forma mais consequente de lutar contra a inflação e as demissões é com base nas reivindicações escala móvel de salários e escala móvel das horas de trabalho. A primeira é o reajuste mensal dos salários de acordo com a inflação. A segunda é o ajuste mensal da jornada de acordo com a produção. Se os preços aumentam mensalmente, que os salários, com um mínimo assegurado, aumentem mensalmente. Se a produção oscila mensalmente, que a jornada de trabalho, com um máximo assegurado, oscile mensalmente. Nada há de mais legítimo e justo do que lutar para manter os atuais níveis de vida dos trabalhadores. Dar segurança para a classe — isso deve ser o central num momento de crise. Os que falam que isso é muito pouco, são em geral os que defendem a forma usual de luta da burocracia sindical (os “ganhos reais”, o “sindicalismo de resultados”), forma que parece mais radical, mas, como falamos, faz com que o nível de vida dos trabalhadores caia no médio e longo prazo.
Diferentemente das reivindicações usuais da burocracia sindical, que dão para cada categoria seu índice de reajuste e sua forma particular, as escalas móveis são universais — elas podem ser reivindicadas por todas as categorias ao mesmo tempo. Por exemplo, elas podem unificar as campanhas salariais de metalúrgicos, carteiros, professores, etc., todas numa só reivindicação. Em vez de cada categoria ter o “seu mês” de luta, a escala móvel de salário, por ser mensal, não depende de época específica do ano. Em vez de cada categoria ter seu índice de reajuste, todas podem ter o mesmo. Enfim: as escalas móveis podem unificar a classe como classe, o que ajuda no avanço de sua consciência, em sua identidade e em seu fortalecimento. Além disso, as escalas móveis, pelo caráter universal que têm, podem ser exigidas ao mesmo tempo pela classe trabalhadora de países diferentes. Que impacto não teria a classe trabalhadora brasileira e a argentina pararem ao mesmo tempo, com as mesmas reivindicações, contra o impacto da crise capitalista em suas vidas?
Isso não significa, é claro, ignorar reivindicações particulares e parciais da classe trabalhadora. Pelo contrário, as escalas móveis, na medida em que criam um movimento mais forte, justo e legítimo de luta da classe trabalhadora, possibilitam muitas concessões dos patrões, muitos ganhos particulares e parciais, como subproduto da luta.
Junto das escalas móveis, é fundamental iniciar um movimento com desempregados por frentes públicas de trabalho. A existência de um movimento forte de desempregados, reivindicando um plano de obras públicas do Estado, diminuindo a pressão sobre os empregados e a concorrência entre trabalhadores, é pré-condição para que as escalas móveis possam ser efetivamente aplicadas. Os movimentos de moradia da CSP-Conlutas são muito mais importantes para organizar desempregados que reivindiquem um plano de obras públicas — diminuindo a pressão pela extração de mais-valia sobre os que trabalham —, do que reivindicando casas financiadas ao Estado (para a felicidade das construtoras).
Esse programa tão básico — manter o atual nível de vida da classe trabalhadora — escancara a inconciliável oposição de classes na nossa sociedade. A forma da burocracia sindical, justamente porque legitima o rebaixamento do nível de vida da classe trabalhadora no médio prazo, interessa aos capitalistas e maqueia os conflitos de classe. Na verdade, a forma das reivindicações da burocracia sindical é a política do reformismo no campo sindical. Contra ela, é preciso erguer a política dos revolucionários no campo sindical.
As escalas móveis parecem mínimas, mas são impossíveis em larga escala no capitalismo, justa e exatamente porque acabam com a extração de mais-valia (acabam com o alimento do capital). Essas reivindicações, apesar de parecerem só defensivas, apesar de parecerem pouco, são muito, pois só podem ser realizadas no socialismo. Elas são o modo como funciona a economia socialista, ou, como diz Trotsky, “são a descrição do sistema de organização do trabalho na economia socialista” (veja na revista Marxismo Vivo, número 7, p. 129).
Os revolucionários não têm de ficar falando de socialismo, para encobrir o fato de que, na prática, usam o programa reformista da burocracia sindical, que não leva ao socialismo. Os revolucionários têm de fazer o socialismo, agir pelo socialismo, e a forma mais básica disso é a aplicação das escalas móveis combinadas, para desencadear o programa de transição ao socialismo. Isso não significa ficar doutrinando a classe com palavreado utópico sobre uma sociedade igualitária do futuro, isso significa fazer a classe, na prática, ser socialista e lutar pelo socialismo, mesmo que não saiba o que é isso. Lutar pelo socialismo coincide com a manutenção das condições de vida da classe trabalhadora.
Essa pergunta já foi respondida por Trotsky. Diz ele, ensinando os revolucionários norte-americanos:
“Vocês ganham um ou dois sindicatos para este programa [escalas]. Depois enviam delegados a outras cidades, a diferentes sindicatos. Desde o momento em que o programa tenha saído do partido para penetrar nos sindicatos, a batalha estará meio ganha. Enviareis delegados a Nova Iorque, a Chicago, aos mesmos sindicatos. Uma vez o sucesso assegurado, convocariam um Congresso especial. Isso obrigaria os burocratas sindicais a tomar posição pró ou contra: o debate será então público e proporcionará ocasiões magníficas de propaganda”. (revista Marxismo Vivo, número 7, pp. 129/130)
A CSP-Conlutas tem condições de fazer isso hoje. Por que ela não faz? Camaradas, não temos tempo a perder!