Nos últimos três anos, felizmente, os nossos maiores temores nunca se confirmaram. Fomos abertamente a favor da queda da Dilma e da prisão de Lula, mas inicialmente sempre achamos que isso seria pouco provável. Afinal, Lula e Dilma pareciam intocáveis, “grandes demais para falir”, com apoio sólido nas mais altas esferas da classe burguesa. E mesmo assim, Dilma primeiro e Lula em seguida, desceram, passo a passo, degrau por degrau, a escada da história rumo à lata do lixo.
A cada novo grau inferior em que se estabeleciam para dar “combate”, acreditávamos que teriam grande chance de se reerguer e reconquistar posições. Mas se deu sempre o contrário: os apoios foram esvaindo e os ratos burgueses abandonando o barco.
O que produziu tudo isso não foi a “Lava-Jato”. Esta operação é um epifenômeno, reflexo superestrutural de algo muito mais sério e profundo na sociedade brasileira. Também junho de 2013 foi um reflexo. O que produziu tudo foi a boa e velha luta de classes. Não importa quantas vezes os parasitas da ordem burguesa (e seu pelegos) decretem a morte da luta de classes, ela retorna. O que produziu tudo foi aquele velho motorzinho instalado entre o patrão e o empregado. É necessário explicar isso uma vez mais:
A exploração capitalista atingiu um grau insuportável nos anos do PT
“Ah, mas o salário mínimo não cresceu nos governos petistas?” Sim, cresceu, nominalmente, praticamente na mesma proporção que a inflação. A relação entre o salário nominal (número) e o salário necessário manteve-se basicamente sempre a mesma — uma relação de defasagem extrema. O salário “necessário” é aquele que corresponde aos elementos básicos para uma família assalariada se reproduzir normalmente (fisiologicamente) e ser explorada dia a dia pelo capital. Corresponde ao que Marx chamou de “valor da força de trabalho”. No Brasil, grosso modo, corresponde ao salário mínimo apontado pelo DIEESE (atualmente cerca de R$ 3.900). O salário mínimo oficial brasileiro era, em 2002 (quando Lula entrou), seis vezes menor que o salário mínimo necessário apontado então pelo DIEESE. O salário mínimo oficial, quando Dilma saiu (2016) era cinco vezes menor que o salário necessário apontado pelo DIEESE.
Alguém poderia dizer: veja, que beleza, a relação caiu de seis para cinco vezes inferior! Sim, mas — e a despeito de isso continuar sendo uma média de miséria extrema — não se considera nisso o aumento da intensidade de trabalho (o aumento da riqueza produzida por cada trabalhador, o grau de exploração). O aumento da produtividade do trabalho nos anos do PT foi muito superior ao dos anos Sarney, Itamar, Collor e FHC. Para verificar isso, deve-se observar, grosso modo, os dados de PIB per capita (riqueza produzida por trabalhador). Vejamos dados do próprio FMI. Se, em 2002 (quando Lula entrou), esse PIB per capita era de cerca de US$ 9.200, no começo de 2014 já era de US$ 16.000 (ao passo que, de 1988 a 2002, por exemplo, o crescimento foi de US$ 7.000 para os referidos US$ 9.200).
Ou seja, se é verdade que uma parte da população extremamente miserável teve um minúsculo aumento em suas condições de vida (e esses são os únicos dados que interessam aos moralistas e cristãos da suposta “esquerda”), o conjunto do operariado — aquele setor que produz a riqueza material nacional — foi submetido a graus de exploração capitalistas (extração de mais-valia) jamais vistos na história recente do país. Isso é o que interessa analisar para os marxistas, e só foi possível porque o PT tinha aparatos de controle da classe trabalhadora muito superiores aos dos partidos anteriormente no poder. Uma vez que o PT chegou ao planalto, tais aparatos fundiram-se ainda mais ao Estado burguês, aperfeiçoando e ampliando suas formas de controle da classe operária. A gigantesca riqueza produzida permitiu que o PT comprasse boa parte da velha oligarquia e se tornasse o eixo do regime político da burguesia brasileira. Assim, ao final de todo esse processo, um amplo setor social extremamente miserável e improdutivo — exército de reserva — recebeu uma minúscula fatia da gigantesca nova riqueza produzida pelos operários (cada vez mais explorados), ao passo que a grande burguesia lucrou como nunca.
Aliás, é curioso notar que a evolução do PIB per capita estacionou exatamente ao final de 2013. A produtividade praticamente não avançou desde então (apesar dos mecanismos “naturais” do capital: demissões e aumento do exercito industrial de reserva, para pressionar os que trabalham). Junho de 2013 — quando o PT foi expulso das manifestações, vale lembrar — foi o apito da panela de pressão da luta de classes. Após isso, a classe operária praticamente decretou que não aceitaria mais aumento no grau exploração. Não se falava de outra coisa nas fábricas, senão das manifestações e do descontentamento geral. É essa pressão — a luta de classes — que ecoou deformadamente em vários processos superestruturais de luta desde então, e até mesmo na chamada “Operação Lava-Jato”.
Eis por que, apesar do teatro do sindicato dos metalúrgicos do ABC, nenhum setor relevante do operariado moveu uma palha por Lula.
Lula, vai tarde! A classe operária virou as costas para você há muito tempo!