Este é o nosso quarto texto de crítica ao programa apresentado pelo PSTU para debate no Polo Socialista. Veja os três primeiros aqui. O texto de programa do PSTU, por sua vez, pode ser encontrado aqui.
Ao tratar do problema dos empregos, o PSTU outra vez deixa de lado as reivindicações transitórias do Programa de Transição e adapta-se ao reivindicado pela burocracia sindical. Diz seu texto de programa:
“Nós defendemos uma jornada diária de 6 horas (30 horas semanais), para todos. Isso permitiria a criação de outro turno de trabalho, empregando mais pessoas, dividindo entre todos do [sic] trabalho necessário ao país” [página 12].
Por que 6 horas? Por que não menos? Por que não 7 horas? O texto do PSTU não explica a arbitrariedade da proposta. Supõe-se apenas que se inspira nas lutas anteriores por diminuição da jornada de trabalho (por exemplo, de 10 para 8 horas). Todavia, não há uma palavra no texto sobre o fato de a diminuição fixa da jornada não necessariamente impedir a acumulação capitalista.
Como já demonstramos, com base em O Capital de Marx (veja aqui), a diminuição da jornada de trabalho não conduz necessariamente à diminuição do grau de exploração da classe trabalhadora pela capitalista. Na realidade, como mostra Marx à exaustão, a diminuição da jornada é preparada pelo próprio aumento da intensificação do trabalho. Sob o capitalismo, a intensificação do trabalho atinge tal grau que só é possível de ser ampliada sob uma jornada menor. Assim, contraditoriamente, o próprio movimento do capital dá as bases objetivas para a diminuição da jornada. No capítulo XIII do livro 1 de O Capital, Marx nos fornece diversos exemplos de fábricas que seguiram produzindo o mesmo ou até mais do que produziam antes, após as reduções fixas de jornada (para 12 ou 10 horas). Tais fábricas aumentaram a sua taxa de acumulação sob a jornada reduzida.
Além disso, Marx nunca defendeu que a diminuição fixa da jornada acabaria com o desemprego ou criaria outro turno de trabalho. Isso porque, conforme explicou nos capítulos XIII e XXIII do livro primeiro de O Capital, o desemprego resulta da forma específica de utilização das máquinas sob o capitalismo, combinada com as crises periódicas (ciclos econômicos). Tais variáveis fundamentais são independentes da oferta de mão de obra ou do tempo de trabalho social disponível.
Na prática, ocorrendo hoje uma diminuição na jornada, os trabalhadores apenas aumentarão suas hora-extras, buscando a remuneração mais valiosa. O professor R. Astarita, em seu blog, lembra de uma carta de Engels a Kautsky (em 20 de abril de 1892) sobre a diminuição para 8 horas e as horas-extras. Como esclarece Engels, a defesa das 8 horas pelos sindicatos burocráticos ingleses era oportunista: “As 8 horas defendidas pela maioria do conselho dos sindicatos meramente implica no pagamento do salário ordinário por 8 horas, e que qualquer trabalho acima disso seja pago como hora-extra, por uma vez e meia ou duas vezes a taxa ordinária”.
Astarita recupera outra carta de Engels, de 11 de setembro de 1892, a Laura Lafargue, sobre o uso equivocado da reivindicação por 8 horas: “[…] os trabalhadores ingleses estão tão profundamente infectados pelo espírito parlamentar de conciliação que não podem dar um passo sem ao mesmo tempo retroceder […]. O súbito despertar do entusiasmo pelas 8 horas […] está quase dando um caráter reacionário a essa reivindicação. É a panaceia universal, a única coisa a se pensar”.
Não somos evidentemente contra uma diminuição geral na jornada de trabalho. Apenas consideramos que seria de se esperar de marxistas que fizessem o que Marx fez – esclarecessem que a diminuição da jornada de trabalho não impede o aumento da exploração da classe trabalhadora, não acaba com o desemprego nem cria “outro turno”. Todavia, a reivindicação por 6 horas é tratada como “panaceia universal”. Esse tipo de abordagem bloqueia a compreensão dos mecanismos de exploração internos à sociedade capitalista, descritos por Marx em O Capital.
A reivindicação transitória da escala móvel das horas de trabalho, pelo contrário, em vez de ocultar, auxilia na ampliação das contradições entre as classes. Segundo a nossa interpretação, essa reivindicação não visa à criação de novos postos de trabalho no futuro, mas ao impedimento das demissões atuais. Trata-se de uma ação a ser realizada pelos trabalhadores quando ameaçados de demissão, nos momentos em que a burguesia buscar substitui-los por novas máquinas (sobretudo nos momentos de crise do ciclo econômico). Ou seja: trata-se de uma ação voltada justamente contra as variáveis que, conforme explicou Marx nos capítulos XIII e XXIII do livro I de O Capital, produzem a superpopulação relativa (exército industrial de reserva, peça fundamental da lei geral da acumulação capitalista).
Em vez do programa da burocracia sindical – alicerçado na possibilidade objetiva de conciliação entre as classes –, seria melhor que o PSTU retornasse às reivindicações transitórias da IV Internacional.